
A chuva fria ensopou as cal�as e encheu de �gua as botas imperme�veis, fazendo os cal�ados transbordarem a cada passo. Com a tempestade no fim da tarde, a preocupa��o era construir rapidamente um abrigo para passar a noite. A falta de luz dificultava esticar uma cobertura de pl�stico velho sobre uma �rvore e coletar entre tou�as de espinhos as folhas que revestiriam o solo do ref�gio improvisado ao relento. Essa batalha contra o tempo para resistir � noite no mato, sem barracas ou cobertores, parece o relato de algu�m perdido na mata ap�s acidente ou fuga. Mas as dificuldades extremas s�o parte do treinamento de sobreviv�ncia em �reas selvagens a que pessoas comuns t�m se sujeitado como forma de prepara��o para situa��es extremas.
Em pleno feriado da semana santa, a reportagem do Estado de Minas acompanhou um grupo de quatro pessoas que trocou o bacalhau e a divers�o nos estados de origem por suor e supera��o durante curso de sobreviv�ncia no cerrado mineiro, em Lagoa Santa, na Grande BH. Comportamento que se tem popularizado no Brasil com a difus�o de programas de TV e canais da internet que mostram aventuras, conhecimentos e t�cnicas para sobreviver em locais in�spitos e a convuls�es sociais.
A procura pelos meios de subsistir num ambiente selvagem � o extremo a que chegam pessoas que seguem a filosofia do sobrevivencialismo, que busca a capacita��o para crises e eventos catastr�ficos, como a inseguran�a de uma guerra civil por conta de disputas pol�ticas ou desabastecimento devido a greves prolongadas, colapso econ�mico ou cataclismo natural –, enchentes, estouro de barragens, maremoto, tornados e at� tempestades solares.
Parece exagero para a maioria das pessoas, mas os adeptos levam a s�rio e, entre outras dezenas de medidas preventivas, buscam trocar conhecimentos para a produ��o de v�veres, ferramentas, estrat�gias de fuga, meios de defesa e fazem at� estoques de comida, medicamentos e combust�vel.
“Al�m da participa��o de militares, membros de �rg�os de seguran�a p�blica e mission�rios, aumentou bastante a quantidade de outros profissionais que perceberam o valor desse tipo de conhecimento para a sua seguran�a, como m�dicos, bi�logos, ciclistas que fazem trilhas, escaladores e muitos outros civis”, conta Giuliano Toniolo, mineiro de Ouro Preto e instrutor do curso de sobreviv�ncia, que � reconhecido internacionalmente.
As hist�rias dos participantes s�o similares. Todos fazem passeios na natureza e sentiram a necessidade de saber como se virar caso se percam ou sofram um acidente. “Comecei a me interessar pela sobreviv�ncia depois de assistir aos programas da TV e do YouTube. Senti a import�ncia de estar preparado em caso de necessidade e descobri que na realidade as coisas s�o muito mais duras do que parecem nesses programas”, disse o gerente paulista Douglas Cury, de 31.
“Senti que, como a maioria das pessoas, estava perdendo contato com o mundo natural e totalmente dependente das facilidades urbanas. Essa foi uma forma de retomar esses conhecimentos”, afirma o economista carioca C�sar Manoel Cruz, de 49. “Cada vez valorizo mais a vida na natureza e tento me ligar mais a isso. Por isso, achei importante fazer esse curso”, conta o design gr�fico e tamb�m carioca Ruben Cervo, de 21. “Passei a fazer muitos acampamentos e esses conhecimentos s�o uma necessidade. Podem salvar vidas”, avalia o engenheiro de BH, que mora em Vit�ria, Zoroastro Santolim Pimenta, de 32.

Coletores e ca�adores
Antes do in�cio das atividades, Toniolo re�ne o grupo e fala sobre a evolu��o humana e a transmiss�o de t�cnicas primitivas que permitiram a subsist�ncia de grupos coletores e ca�adores, lascando pedras para fazer facas e conseguindo fogo por centelhas ou atrito. Nesse momento, mesmo sem que os alunos percebam, ele costura uma esp�cie de pacto de uni�o para sobreviver entre os participantes, que culmina � noite com a vig�lia do fogo, quando se estabelecem turnos para que os sobreviventes mantenham acesa a fogueira do acampamento. “Somos um cl�. A responsabilidade de cada um � manter o fogo, que simboliza a nossa sobreviv�ncia enquanto grupo”, diz o instrutor.