Os bra�os tra�am linhas retas, enquanto os punhos giram no pr�prio eixo com a mesma rapidez com que os quadris v�o de um lado para o outro em deslocamentos que remetem, ao mesmo tempo, � leveza de uma gar�a e � rapidez de um ninja. Chamam aten��o pela plasticidade e dificuldade, mas os movimentos que conquistaram Madonna, nos anos 1990, s�o mais que uma dan�a. Em Belo Horizonte, transformaram-se em espa�o de express�o e empoderamento de mulheres, homens, gays e transexuais. “O vogue � uma dan�a de autoafirma��o. Quando a gente pensa que ele foi criado por pessoas que eram exclu�das da sociedade, ele afirma essas pessoas. Chega para dar lugar a elas. E a mulher se encontrou muito nesse lugar”, diz a professora e integrante do Trio Lipstick, Maria Teresa Moreira, de 25 anos.
A comunidade do vogue acolhe quem chega, sem restri��o de idade, tipo f�sico e classe social. Na pista, todos podem, literalmente, se jogar no dip, movimento em que o corpo gira no pr�prio eixo, levando as costas ao ch�o, enquanto uma das pernas se ergue no ar. N�o se pode dizer que todos s�o iguais. Pelo menos em termos de performance, n�o. Cada um dan�a a seu modo num processo inevit�vel de confrontar-se consigo mesmo.

A dan�a ganha seguidores, contribui para a afirma��o de grupos sociais exclu�dos e conquista jovens de classe m�dia da cidade. Foram abertas classes para aulas, com a ades�o de mulheres de todas as idades, como � o caso da decoradora C�ssia Rodrigues Sigaud, de 53. “A dan�a exige muita coordena��o e tem que ter muita agilidade e me faz mexer com os neur�nios”, brinca. Os movimentos tamb�m dominam festas em espa�os de ocupa��o da juventude, como o Viaduto Santa Tereza, e alternativos, como a Gruta, no Horto, e Benfeitoria, na Rua Sapuca�, na Floresta. Seguem dois formatos: as jams, termo emprestado do jazz para designar as apresenta��es livres e improvisadas, quando todos podem se arriscar, e os duelos, quando ocorrem as disputas.
Diante da expans�o da cultura, a jornalista Danielle Pinto criou o site BH is voguing para falar da hist�ria da dan�a. “O primeiro marco para o surgimento s�o as cadeias americanas nos anos 1940, entre os gays. A revista que permitida era a Vogue. Gays e trans usavam aquelas poses das modelos, imitavam aquele jeito, aquela sensa��o que elas passavam. Mais tarde, entre 1970 e 1980, esse repert�rio foi para rua, as periferias de Nova York, o Harlem, principalmente”, lembra.
Enquanto as jams s�o informais, os duelos s�o o momento de investir no vestu�rio e maquiagem. Um dos mais importantes da cidade � a Dengue, festa da diversidade em que os amantes da cultura vogue se apresentam. Se os movimentos s�o poses, a moldura � formada pelo p�blico que acompanhar os duelos onde os dan�arinos performam. Antes de come�ar as disputas, cada um apresenta nas runways a persona com quem duelar�.

� vestido com meia-cal�a e blusa do tipo arrast�o, cinto largo, capacete, salto agulha de 15 cent�metros e barba cerrada que o ator Guilherme Augusto disputa. “Essa � a minha caracteriza��o para duelar. Nunca me imaginei vestir desse jeito. Gosto de mistura. A barba remete ao masculino, enquanto o salto e a meia-cal�a arrast�o, ao feminino. As pessoas ficam em d�vida e perguntam o que eu sou. Sou a Bala Perdida”, diz. Outra refer�ncia do movimento na capital � a mulher trans Cristal Lopez, que venceu oito vezes o duelo. “� uma dan�a libertadora, a come�ar pela hist�ria”.

L�zaro diz que, na Dengue, n�o enfrenta os olhares de reprova��o que recebe quando anda pelas ruas da capital. “Sei quando me olham com aprova��o e quando com rep�dio. N�o estou nem a� para quem est� me olhando e me julgando. Tenho o direito de vestir a minha saia, passar meu batom e usar meu r�mel. Sou um transgressor da imagem.”
Danielle e Paula Zaidan, de 23, bailarina e integrante do Lipstick, explicam que o vogue � mais do que uma dan�a, se transformou num estilo de vida. Paula lembra que tem alunos com idades que v�o de 15 a 60 anos. “Muito legal ver pessoas com mais de 50 anos que sabem das limita��es, mas n�o deixam de sentir que dan�am vogue.” Nas jams, tanto a estudante Mariana Serrano, de 16, quanto a advogada Rafaela Viana, de 30, e o cen�grafo Ricardo Bizafra, de 31, n�o t�m medo de se arriscarem. “Vim para c� para escapar do mundo corporativo engessado e quadrado”, diz Rafaela, que no trabalho tem responsabilidades cont�beis e jur�dicas. Para Bizafra, o vogue o possibilitou dan�ar, o que era uma vontade antiga. Ele ainda garante que n�o se sente desconfort�vel com o gestual que remete, ao observador mais conservador, ao universo feminino.