Mariana – Do olho d’�gua que se avolumava num lago at� correr pela fazenda sobrou apenas o solo �mido e coberto por mato. Uma aus�ncia que o estrume de gado ressecado, nas velhas margens, mostra ser antiga e indica que nem sequer os bois perdem tempo procurando o que beber por ali. Adiante, o antigo curso de c�rrego deu espa�o � eros�o.
Essa situa��o desoladora resume um pouco o estado em que se encontram v�rias nascentes do Ribeir�o �guas Claras, em Mariana, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Mariana. O manancial � o principal tribut�rio do Rio Gualaxo do Norte, o curso d’�gua mais atingido pelo rompimento da Barragem do Fund�o.
E muitos ambientalistas e especialistas apostam que o �guas Claras � uma das respostas para o rio voltar a ter sa�de, depois de ter sido soterrado por cerca de 50 milh�es de metros c�bicos de lama e rejeitos da Samarco.
Basta, para isso, que o ribeir�o tenha suas margens, nascentes e �reas de recarga preservadas para injetar mais l�quido de qualidade no curso degradado. “Chegamos � conclus�o de que a remo��o dos rejeitos do leito do rio traria mais impactos, na maior parte dele, do que se deixarmos a for�a do pr�prio manancial levar embora, aos poucos, esse material”, indica o engenheiro agr�nomo especialista em programas socioambientais da Funda��o Renova Leonardo Ferreira.
Muitas dessas nascentes ser�o alvo de preserva��o devido � compensa��o ambiental acertada pela Samarco na Justi�a por causa do desastre, mas uma parte importante pode ser recuperada, segundo o Instituto Estadual de Florestas (IEF) revelou, pela prioriza��o do Programa de Regulariza��o Ambiental (PRA) naquela regi�o. A nascente que secou � emblem�tica n�o apenas por exibir o resultado que a degrada��o ambiental pode alcan�ar.
� volta do olho d’�gua esgotado s� h� pasto. “Essa nascente secou claramente devido ao desmatamento que a gente observa no entorno da �rea onde deveria haver �gua. N�o tem nada de mata ciliar. A �rea de preserva��o permanente (APP) foi totalmente devastada. De acordo com a legisla��o, deveria ter uma cobertura de 30 metros de florestas em cada margem e 50 metros de raio em volta da nascente”, observa Daniel Louren�o Peixoto, da secretaria municipal de Meio Ambiente de Mariana.
Pouco � frente, no caminho para outra nascente, a reportagem se deparou com provas de que a devasta��o daquelas �reas de preserva��o n�o � coisa antiga. Empilhadas numa curva da trilha, atr�s de um monte e camuflada pela mata, estavam pelo menos 20 metros c�bicos de madeira rec�m-cortada da mata da APP, o que num c�lculo m�dio, renderia cerca de 180 �rvores derrubadas.
Hist�rico
O secret�rio-executivo do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce (CBH-Doce), Edson Valgas de Paiva, afirma que as a��es de repara��o das APPs na bacia do Doce s�o bem-vindas n�o apenas em decorr�ncia do acidente da Samarco, mas tamb�m por um hist�rico de grave devasta��o. “Essa � uma das bacias mais degradadas de Minas Gerais e a prioridade de sua recupera��o � reconhecida por muitos atores presentes nela, inclusive o governo.
Os impactos ambientais provocados pelo rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, sobretudo nas APPs, agravaram ainda mais a situa��o dos rios diretamente afetados”, afirma.
De acordo com a Funda��o Renova, aliado aos programas de repara��o de danos ambientais, h� duas a��es compensat�rias que preveem a recupera��o de 40 mil hectares de APPs fora da �rea atingida e de 5 mil nascentes da Bacia do Doce.
“Os trabalhos de cercamento de nascentes e conserva��o ser�o em toda a bacia, de Minas Gerais ao Esp�rito Santo. N�o significa que se concentrar�o nos locais mais atingidos, como os 100 quil�metros entre a Barragem do Fund�o e a Represa de Candonga. Os lugares ser�o definidos pelo CBH-Doce e poder�o ser fontes de abastecimento de cidades prejudicadas ou onde o esgoto � um grande problema, por exemplo”, informou o engenheiro agr�nomo e especialista em programas socioambientais da Funda��o Renova, Leonardo Ferreira.
Pol�mica sobre quem paga a conta
Apesar dos planos divulgados pela Funda��o Renova, a Comiss�o Especial do Conselho Seccional da OAB/MG que acompanha desde novembro de 2015 os desdobramentos e a��es efetivadas para recupera��o dos danos ambientais e socioecon�micos causados pelo rompimento da barragem em Mariana afirma que n�o teve acesso ao plano de recupera��o de APPS do Vale do Rio Doce.
“N�o nos foi franqueado o acesso a esse plano, mas, sem d�vida, a Bacia do Rio Doce merece, no momento, uma aten��o especial. De todo modo, a pol�tica ambiental do estado deve ser discutida nos espa�os competentes onde haja a participa��o da sociedade, como o Conselho Estadual de Pol�tica Ambiental e o Conselho Estadual de Recursos H�dricos”, informou o secret�rio-geral da Comiss�o de Meio Ambiente da OAB/MG, Bernardo Campomizzi Machado.
No caso dos danos ocorridos em APPs por conta do rompimento da barragem, o entendimento � de que a Samarco e n�o os propriet�rios deveriam recompor o que foi atingido ou est� na �rea de influ�ncia. “Embora preveja a lei que o propriet�rio (de terra) � respons�vel pela recupera��o do dano ambiental causado, no caso da barragem da Samarco n�o h� d�vida sobre quem seja o causador do dano”, afirma a presidente da Comiss�o Estadual de Direito Ambiental da OAB/MG, C�ntia Ribeiro de Freitas.
De qualquer forma, para a presidente da comiss�o, cabe ao estado proporcionar aos atingidos a oportunidade de regularizar os respectivos im�veis de acordo com suas possibilidades, mas n�o franquear qualquer linha de financiamento � Renova, como j� foi ventilado. “Cabe tamb�m ao Estado verificar sobre a necessidade de uma funda��o privada utilizar de linha de financiamento para recuperar as �reas atingidas. A princ�pio n�o nos parece razo�vel a utiliza��o de dinheiro p�blico para tal fim, pois a Funda��o Renova tem como mantenedora as duas maiores mineradoras do mundo, a Vale e a BHP Billinton”, disse.
O CBH-Doce informa ter investido nos �ltimos quatro anos mais de R$ 22 milh�es em a��es que visam � universaliza��o do saneamento, proporcionando a elabora��o de planos municipais de saneamento b�sico para 165 cidades da bacia. H� investimento de R$ 170 milh�es previstos at� 2020 em programas hidroambientais, com a��es de recupera��o de APPs e nascentes, programa de controle das atividades geradoras de sedimentos, adequa��o de estradas rurais, al�m do saneamento rural.
Flagrante de degrada��o
Enquanto se mapeia as �reas de Preserva��o Permanentes (APPs) por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para recuperar essa vegeta��o, a reportagem do Estado de Minas mostrou na edi��o de ontem flagrantes de florestas que continuam sendo devastadas, inclusive a mata atl�ntica.
Dados do Instituto Estadual de Florestas (IEF) mostram que a Zona da Mata � a regi�o mineira que mais carece de recomposi��o vegetal, exatamente o local onde madeireiros foram flagrados colocando abaixo as �rvores protegidas por lei. Especialistas e ambientalistas apontam a falta de fiscaliza��o como incentivo para o desmatamento.