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Estado de Minas

Estudo revela que leito do Rio S�o Francisco recebe 23 milh�es de toneladas de sedimentos por ano

Na pr�tica, � como se a cada ano um milh�o de carretas de detritos fossem lan�adas na �gua


postado em 24/09/2017 11:00 / atualizado em 04/10/2017 16:36

S�o Francisco, Pedras de Maria da Cruz, Janu�ria, Bonito de Minas, Manga, Matias Cardoso e Ja�ba – Dois mil e novecentos quil�metros de leito em uma bacia hidrogr�fica que irriga uma �rea quase igual � da Fran�a, abastecendo perto de 13 milh�es de pessoas. Os n�meros superlativos do Rio S�o Francisco combinam com seu passado de fartura. �poca em que por suas �guas circulavam grandes vapores, apitando enquanto rasgavam a correnteza levando mercadorias e pessoas. Com o tempo, o leito foi minguando, sendo sugado de um lado, aterrado de outro, polu�do por todos. Tanto que a hist�ria do chamado Rio da Integra��o Nacional desaguou a um ponto em que, hoje, at� a passagem de pequenas canoas � dif�cil em certos trechos.


Agredido s�culo ap�s s�culo, em seu lento curso de agonia o Velho Chico chegou a 2017 com o mais baixo volume em seu 516 anos de hist�ria, que se completam em 4 de outubro. O anivers�rio de seu descobrimento pelo navegador Am�rico Vesp�cio  encontrar� o manancial enfrentando uma esp�cie de senten�a de morte, executada enquanto seu curso � literalmente soterrado com reflexo de a��es humanas.
(foto: Arte/EM/D.A Press)
(foto: Arte/EM/D.A Press)

Os n�meros desse assassinato progressivo e cont�nuo saltam de estudo in�dito realizado pelo Corpo de Engenheiros do Ex�rcito dos Estados Unidos e pela Companhia do Desenvolvimento dos Vales do S�o Francisco e Parna�ba (Codevasf). Entre outros, o trabalho revela um dado assombroso, que traduz em n�meros algo que sempre se percebeu na pr�tica: o leito do rio recebe por ano nada menos que 23 milh�es de toneladas de sedimentos, da nascente na Serra da Canastra, em Minas, � foz no Oceano Atl�ntico, entre Alagoas e Sergipe. Na pr�tica, � como se a cada ano um milh�o de carretas de detritos fossem lan�adas na �gua. Para fazer frente a essa realidade, o estudo prop�e outras medidas controversas, que incluem a transposi��o de �guas de outras bacias – enquanto n�o terminou sequer a pol�mica sobre a transposi��o do pr�prio S�o Francisco.

O Estado de Minas teve acesso com exclusividade ao diagn�stico, fruto de um ano de levantamentos, que apontam que o soterramento do Velho Chico tem como uma das principais causas a a��o humana, especialmente o desmatamento, que desencadeia uma s�rie de outras consequ�ncias, em efeito cascata (veja arte). “A taxa de eros�o de cada uma das fontes de or�amento sedimentar tem sido impactada pelas modifica��es humanas da paisagem, que levaram a um aumento geral na produ��o de sedimentos”, diz um dos trechos do relat�rio.

De posse do estudo in�dito, a equipe do EM verificou de perto a situa��o dram�tica do S�o Francisco em diferentes pontos e percorreu de barco suas �guas, conferindo o quanto o leito est� assoreado, tomado por bancos e ilhas de areia, em uma situa��o que assombra milhares de pessoas que dele dependem. O Pantanal do Rio Pandeiros, considerado o ber��rio da bacia, tamb�m sofre intenso processo de degrada��o, alimentado por desmatamento e eros�o.

Em outro ponto, no Projeto Ja�ba, considerado o maior sistema de irriga��o da Am�rica Latina, pequenos produtores que dependem diretamente do S�o Francisco reclamam, preocupados, da proibi��o de capta��o de �gua no rio uma vez por semana. O chamado “Dia do Rio” � uma medida determinada pela Ag�ncia Nacional de �guas (ANA) para evitar que a vaz�o diminua ainda mais. A rigor, trata-se da primeira a��o de racionamento da �gua da hist�ria no canal principal do Velho Chico, reduzido pelo n�mero excessivo de outorgas para a capta��o de �gua e tamb�m pelo secamento dos seus afluentes.
(foto: Arte/EM/D.A Press)
(foto: Arte/EM/D.A Press)

MODELO MATEM�TICO
O estudo sobre o transporte de sedimentos para o S�o Francisco produzido com o aux�lio de engenheiros do Ex�rcito americano considerou dados relativos a tipos de solo, uso e ocupa��o de terrenos, topografia, clima (volume de chuva, temperatura, umidade relativa, radia��o solar e vento) e vaz�o dos rios da bacia. De acordo com a Codevasf, o objetivo foi verificar a origem do maior aporte de sedimentos no sistema, ou seja “descobrir se o aporte � causado por desmoronamento de margens ou pelo assoreamento dos afluentes”. “O resultado mostrou que o assoreamento � proveniente da �rea produtiva, e n�o das margens”, revela a entidade.

O levantamento foi feito com base em um modelo matem�tico que leva em considera��o diferentes fatores, entre eles a forma��o de ilhas e dep�sitos de areia no leito. “No geral, o modelo calcula que aproximadamente 23 milh�es de toneladas por ano de sedimento s�o depositadas dentro do canal, levando a um sistema de degrada��o”, assinala o relat�rio. O resultado refor�a estudo de 2002 feito pela pr�pria Codevasf, em associa��o com a Ag�ncia Nacional de �guas. Nele, de 73 trechos avaliados, 59 apresentaram assoreamento.

ESTUDO PROP�E MAIS TRANSPOSI��ES

Pesquisadores e t�cnicos que fizeram o estudo que apontou a marca de 23 milh�es de toneladas de sedimentos lan�adas a cada ano no leito do Rio S�o Francisco – trabalho resultante de parceria entre o Corpo de Engenheiros do Ex�rcito dos Estados Unidos e a Companhia do Desenvolvimento dos Vales do S�o Francisco e Parna�ba (Codevasf) – prop�em interven��es para conter o assoreamento e aumentar o volume do leito, visando tamb�m a garantir condi��es de navega��o. Entre elas est�o as sempre pol�micas obras de transposi��o de bacias.
Ilhas de sedimentos no meio do leito denunciam avanço do processo de assoreamento(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Ilhas de sedimentos no meio do leito denunciam avan�o do processo de assoreamento (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

No caso, a bacia do S�o Francisco – que � “doadora de �guas” em um projeto de transposi��o para o Nordeste cuja pol�mica nem sequer foi encerrada, menos ainda as obras –, passaria a receber recursos h�dricos de outros rios. Os projetos incluem o desvio de �gua do Rio S�o Marcos para o Rio Paracatu (por t�nel), do Rio Parana�ba para o Paracatu e do Rio Grande (saindo do vertedouro da Usina de Furnas) diretamente para o Velho Chico.

O estudo tamb�m registra um quarto projeto que foi cogitado pela Codevasf “para desviar �gua da Bacia do Tocantins para a Bacia do S�o Francisco”, que “n�o foi considerado” no relat�rio final. O trabalho apresenta ainda a proposta de constru��o de cinco barragens em cursos d’�gua da bacia: tr�s barramentos no Rio Paracatu, um no Rio das Velhas (munic�pio de Santo Hip�lito, Regi�o Central) e outro no Urucuia, como forma de aumentar a capacidade de armazenamento e de normaliza��o do curso.
Mesmo em pontos onde o São Francisco parece caudaloso é possível caminhar bem longe das margens com água abaixo do joelho(foto: Alexandre Guzanshe/em/d.a press)
Mesmo em pontos onde o S�o Francisco parece caudaloso � poss�vel caminhar bem longe das margens com �gua abaixo do joelho (foto: Alexandre Guzanshe/em/d.a press)

PREVIS�O SOMBRIA
Mas, se transposi��o e barragens s�o apontados no estudo como poss�veis sa�das para o rio, para ambientalistas e professores o mesmo tipo de obra de engenharia agravou os problemas do manancial e ainda pode ser fatal para a bacia. Um dos estudiosos de cerrado no Brasil, Altair Sales Barbosa, professor aposentado da PUC de Goi�s (PUC-GO), destaca que a transposi��o do S�o Francisco tende a acelerar o processo de assoreamento. “As consequ�ncias da transposi��o ser�o danosas e, em curto espa�o de tempo, levar�o � morte a maioria dos afluentes do S�o Francisco, incluindo o pr�prio rio. Isso acontecer� porque a din�mica (das �guas) ser� alterada e o transporte de sedimentos arenosos aumentar� de forma assustadora. Um dos resultados ser� o assoreamento, j� que a maioria dos afluentes do S�o Francisco corre por �reas cuja caracter�stica principal � a ocorr�ncia de um arenito frouxo”, diz.

Associado ao desmatamento, esse quadro traz a amea�a de um futuro sombrio. Com solo fr�gil e a retirada da cobertura vegetal nativa, “o transporte da areia para o leito principal dos rios aumentou em mais de 60%”, estima Sales Barbosa. “Em termos ambientais, herdamos a possibilidade de viver um futuro incerto, com rios secos e a �gua pot�vel cada vez mais dif�cil e cara”, adverte o professor. Para ele, os reservat�rios (barragens) contribuem com o problema ao acumular grande quantidade de sedimentos, ficando cada vez mais rasos.

REPRESAS
O hidr�logo Jos� do Patrocinio Tomaz Albuquerque, professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande, afirma que o soterramento do Velho Chico � um processo decorrente da “ocupa��o do espa�o pelo homem com os chamados ciclos econ�micos”, como o gado, a eletrifica��o e a irriga��o. E acrescenta que as represas afetam de outra forma a quest�o do assoreamento.

O especialista destaca que o transporte natural dos sedimentos para o mar foi drasticamente reduzido, em parte devido � constru��o de barragens. “Nos per�odos de enchentes, os sedimentos n�o conseguem atingir, em sua totalidade, o oceano. Isso ocorre por duas raz�es: uma natural, relacionada com a intensidade das chuvas m�ximas, que ocorrem cada vez menos; e a outra, artificial, resultante da a��o humana, com a constru��o dos reservat�rios de superf�cie, que regularizam, mas reduzem a vaz�o m�dia natural do rio.” Isso resulta em menor capacidade de transporte de sedimentos e sua consequente deposi��o no leito, explica. Como solu��es, al�m da recomposi��o da cobertura vegetal da bacia e da revitaliza��o das nascentes e veredas, ele sugere “um controle severo da explora��o das �guas subterr�neas”.

O professor Apolo Heringer Lisboa, idealizador do projeto ambiental Manuelz�o, ressalta que as origens do processo de soterramento do Rio S�o Francisco encontram-se em Minas Gerais e na Bahia, onde brotam 90% das �guas da bacia. “Essas origens se encontram no modo humano de tratar o solo no seu processo econ�mico de produzir mercadorias. Os processos produtivos agr�colas, minerais, industriais e da constru��o civil liberam solo devido ao desmatamento e a escava��es inerentes ao trabalho humano sobre a natureza, sem os devidos cuidados e conhecimentos que garantiriam a sustentabilidade ambiental.”


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