
Amigos e familiares s�o un�nimes: ele n�o espelhava e n�o tinha qualquer resson�ncia com a viol�ncia, mal-estar ou indisposi��o com o outro. Homem pacato, trabalhou a vida toda em prol da sa�de p�blica. E acreditava nela. Acreditava tamb�m num ambiente mais puro, mais harmonioso e grandioso. Tanto que, h� 20 anos, ao lado de dois amigos e colegas de profiss�o, fundou o projeto Manuelz�o, um dos �cones na busca pela revitaliza��o dos rios. Al�m da fam�lia, a medicina era a grande paix�o. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sua segunda casa. Abolia o carro. Preferia ir trabalhar de �nibus. Dizia serem os autom�veis antiecol�gicos e queimadores de muito combust�vel. E foi justamente dentro de um coletivo que a hist�ria de um homem tido como brilhante foi interrompida. �s 8h15, era atacado ontem com 10 facadas que lhe tiraram a vida, numa tentativa de assalto na parte dianteira da linha 9805 (Renascen�a/Santa Efig�nia), a caminho do trabalho, o professor e m�dico Ant�nio Leite Alves Radicchi, de 63 anos.
A confus�o chamou a aten��o de moradores e comerciantes da Rua Juazeiro, no Bairro S�o Crist�v�o, onde o ve�culo parou. “Tinha acabado de abrir a loja. No ponto de �nibus estavam tr�s pessoas. Quando olhei pela janela, vi o criminoso fazendo o movimento de dar as facadas. O professor ainda estava sentado no banco quando foi atingido”, disse uma testemunha que conversou com o Estado de Minas e pediu anonimato.
Segundo a testemunha, Alexandre correu em dire��o a um aglomerado. “Peguei um porrete que eu tinha em meu estabelecimento e corri atr�s dele. Quando vi que n�o conseguiria alcan��-lo, voltei e peguei meu carro. Rodei por v�rias ruas e n�o consegui encontr�-lo”, contou. A PM fez buscas na regi�o do Bairro Conc�rdia e prendeu Alexandre e a mulher dele. O motorista do 9805 dirigiu at� a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Odilon Behrens, onde deixou a v�tima. Segundo a assessoria de imprensa da unidade, Radicchi morreu por volta das 14h30.
Em conversa com os policiais, Alexandre contou uma vers�o que n�o convenceu a fam�lia da v�tima nem as testemunhas do crime. Ele alegou que o professor e outros cinco homens o agrediram em um bar na Rua Jacu� na noite de domingo. Parentes afirmam que Ant�nio n�o frequentava bares nem tinha sa�do na noite anterior ao crime. J� pessoas que presenciaram a cena dizem que o agressor queria roubar o celular e a mochila do passageiro. Na casa de Alexandre foram encontradas a jaqueta e o bon� usados por ele na hora do crime, com marcas de sangue.

PERFIL Ant�nio trabalhava no N�cleo de Educa��o em Sa�de (Nescon) da UFMG, no Departamento de Medicina Preventiva e Social. Foram 30 anos de universidade e quase 40 como m�dico. “Ele era contra qualquer tipo de viol�ncia. Sempre falava que a gente nunca deve reagir. � inacredit�vel o que ocorreu”, diz a cunhada de Ant�nio, Maria do Carmo Ferreira Radicchi, de 48. Cunhado dele, o m�dico Anderson Leonardo Rodrigues, de 43, foi aluno de Ant�nio, conhecido por seu engajamento na sa�de p�blica, e que tamb�m foi professor do internato rural, ajudou a formar v�rios professores e a melhorar as condi��es de sa�de de munic�pios por onde os futuros m�dicos passavam. “Estou perdendo um cunhado e um professor. Ele teve uma hist�ria dedicada � sociedade e recebeu isso como pagamento: ser assassinado por um drogado”, diz, emocionado e indignado.
Segundo Anderson, o professor gostava de pegar �nibus, que ele tomava pr�ximo de casa e ia direto � Regi�o Hospitalar, na Faculdade de Medicina da UFMG. “Ele n�o gostava de carro, porque achava antiecol�gico e dizia que queimava combust�vel demais”, lembra. Ant�nio n�o clinicava mais e tinha (regime de) dedica��o exclusiva na UFMG. “� revoltante o que ocorreu. Qualquer marginal acaba com a vida de pessoas brilhantes e boas. Neste pa�s, a vida n�o tem valor.”
Professor do Departamento de Medicina Preventiva e Social e coordenador do Manuelz�o, Marcus Vin�cius Poliano se lembra de quando Ant�nio, o professor Apolo Heringer e ele fundaram o projeto de meio ambiente. “Ant�nio era uma pessoa pac�fica e, por isso, nossa indigna��o, pois de modo algum merecia uma morte dessa”, diz. Ontem, na Faculdade de Medicina, o clima era de tristeza, indigna��o e um choque coletivo. “Um homem tranquilo e extremamente sereno. Jamais o vimos levantar a voz contra colega de trabalho, funcion�rio ou aluno. Era um cara incans�vel”, relata. De mem�ria impressionante, lembrava-se de cada aluno. Tido como exemplo, preferiu n�o se aposentar, embora tivesse o tempo necess�rio, para continuar ensinando sobre sa�de e meio ambiente.
Marcos foi, provavelmente, a �ltima pessoa a falar com Ant�nio, ontem, �s 8h06, exatos seis minutos depois que o colega havia embarcado no 9805. A liga��o foi para prevenir o amigo, sempre pontual, de que se atrasaria para a banca de mestrado, marcada para as 9h. “Como sempre muito sol�cito, ele me tranquilizou, dizendo que tocava o barco at� minha chegada”, contou. Pouco antes do hor�rio marcado para in�cio da apresenta��o, o telefone tocou. Eram colegas procurando Marcos e tamb�m ligando para o celular de Ant�nio. “Come�amos a procur�-lo, mas jamais imaginar�amos esse desfecho. Quarenta e cinco minutos entre meu telefonema e o in�cio da banca a hist�ria de vida de uma pessoa mudou absolutamente por nada. Estamos chocados, diz. “Nunca esperamos que chegue t�o perto. A sociedade est� contaminada por uma viol�ncia que n�o poupa ningu�m, nem as pessoas de bem. Uma vida inteira deixa de existir em fra��o de segundos sem absolutamente qualquer explica��o”
Por meio de nota, o Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG lamentou o falecimento do professor. Ant�nio deixa mulher, quatro filhos, uma neta, e uma legi�o de admiradores e saudade. O corpo ser� velado na Faculdade de Medicina da UFMG, a partir das 11h. O enterro ser� no Cemit�rio do Bonfim, em hor�rio ainda n�o definido at� o fechamento desta edi��o.
Ao comentar o crime, a Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Guarda Municipal, sustentou que mant�m a��es preventivas em �nibus do Move em dois corredores da capital. Mas informou que o assalto que resultou na morte do professor ocorreu fora do hor�rio da chamada Opera��o Viagem Segura, mantida nos hor�rios de pico do transporte coletivo nas avenidas Ant�nio Carlos e Nossa Senhora do Carmo. Segundo o �rg�o, s�o feitas 60 abordagens por dia durante o trabalho. Al�m disso, a Guarda informou manter a Opera��o Sentinela em tr�s pra�as da Regi�o Central de BH – Sete, da Esta��o e Rodovi�ria – como forma de prevenir assaltos e outros crimes. A corpora��o tem ainda o trabalho de guarda de pr�dios p�blicos da administra��o municipal e do entorno desses locais.
