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Estado de Minas DE PAI PARA FILHO

Profiss�o de calceteiro � perpetuada entre poucas fam�lias que dominam o of�cio

Respons�vel pela manuten��o das cal�adas portuguesas da capital e tida como uma especialidade em extin��o, a profiss�o � passada de pai para filho


postado em 09/12/2017 06:00 / atualizado em 01/02/2018 18:12

Maximiliano Ferreira aprendeu o trabalho com o pai e é um dos poucos profissionais responsáveis por perpetuar esse serviço em BH(foto: Jair Amaral/EM DA Press)
Maximiliano Ferreira aprendeu o trabalho com o pai e � um dos poucos profissionais respons�veis por perpetuar esse servi�o em BH (foto: Jair Amaral/EM DA Press)

“Tem que acertar pedrinha por pedrinha. Precisa ter muita paci�ncia, sen�o os desenhos ficam errados.” Enquanto maneja o martelo, o calceteiro Cl�ves Ferreira dos Santos, de 62 anos, explica as artes do of�cio que comp�e o mosaico por onde passos apressados tra�am seus rumos em passeios de Belo Horizonte. Cl�ves � um dos poucos integrantes de uma linhagem que domina o trabalho de restaura��o de cal�adas portuguesas da capital. O of�cio, que aprendeu com o irm�o mais velho e pratica h� pelo menos 35 anos, � sua grande paix�o, e faz parte da heran�a que deixar� para o filho, hoje com 37 anos. Nascido em Pedro Leopoldo, na regi�o metropolitana, Cl�ves se mudou para BH ainda crian�a. Foi onde que aprendeu tudo sobre a profiss�o.

Da capital mineira, j� embarcou para deixar sua marca em cal�adas de S�o Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Goi�s. Mas � na esquina das ruas Levindo Lopes e Ant�nio de Albuquerque, na Savassi, Centro-Sul de BH, onde est� seu trabalho preferido, do qual se orgulha: “Foi feita h� mais de tr�s d�cadas. Trabalho meu, de meu irm�o e de um colega. Ficou muito bem feito e est� intacto”. Em cada canto em que trabalha, o processo se repete: a prepara��o do solo, o assentamento cuidadoso das pedras com o uso de areia e cimento, o tra�o correto que formar� diversos desenhos. Na correria do dia a dia, � prov�vel que as formas geom�tricas embaixo dos p�s passem despercebidas. Mas n�o para o detalhista Cl�ves: “Cada cal�ada de BH tem um desenho diferente. Pode reparar”.

Os mosaicos s�o catalogados pela prefeitura por ruas, e precisam ser seguidos pelos calceteiros. Cl�ves conta que s�o centenas os tipos de desenhos. “S� eu e outras seis pessoas fazemos esse tipo de trabalho aqui. H� muito pedreiro que se intitula calceteiro, mas dos antigos, somos poucos. � um trabalho que exige muita dedica��o”, conta. Palavra rara como o of�cio, calceteiro tem lugar no dicion�rio e significado claro: “Trabalhador que cal�a ruas e outros caminhos com pedras ou paralelep�pedos, ou que reveste cal�adas com as chamadas pedras portuguesas”.

Orgulhoso do of�cio, Cl�ves passou a ensinar as t�cnicas para o filho Maximiliano Ferreira, de 37. “Como estou envelhecendo, estou ensinando para o meu filho continuar o trabalho. Foi assim que eu ganhei o meu p�o de cada dia e criei minha fam�lia. Acho importante algu�m dar continuidade ao trabalho, que � um presente para Belo Horizonte”, contou.

Maximiliano conta que se interessava pelo of�cio desde muito jovem, mas foi em 1996, quando viajou com o pai a servi�o, que come�ou a aprender. “Estamos h� 21 anos trabalhando juntos. Tudo o que sei aprendi com ele. No come�o eu tinha um pouco de dificuldade, mas hoje j� tenho pr�tica”, conta, tamb�m entre uma e outra martelada. Ele pontua que � trabalho longo, mas muito proveitoso: “Cada dia fa�o um servi�o diferente, e � muito gratificante ver o desenho pronto”.


De Portugal para Manaus, Rio e BH

Segundo o estudo “Pedra portuguesa em Belo Horizonte: do iminente desaparecimento � consolida��o da preserva��o”, desenvolvido em 2013 pela Funda��o Municipal de Cultura, a cal�ada em pedra portuguesa foi usada pela primeira vez no Brasil no Largo de S�o Sebasti�o, em frente ao Teatro Amazonas, em Manaus, em 1896.

Em 1905, foi empregada na capital carioca com uso do mesmo padr�o chamado “Mar Largo” que pavimentava a Pra�a Dom Pedro IV e as margens do Rio Tejo, em Lisboa. No Rio de Janeiro, surgiu primeiramente na pra�a do Theatro Municipal e logo depois na cal�ada da Praia de Copacabana. Na d�cada de 1970, o padr�o foi revisado por Roberto Burle-Marx, que o rebatizou como Padr�o Copacabana.

Os mosaicos ornamentais nas cal�adas chegaram a BH em 1920, motivados pela visita dos reis da B�lgica. A Pra�a da Liberdade, na Regi�o Centro-Sul, onde a fam�lia real ficaria hospedada, foi totalmente reformada usando-se a pavimenta��o de origem portuguesa nas cal�adas e saibro nas alas internas.

A pesquisa aponta que as reformas tiveram um efeito multiplicador na cidade e, j� nos anos 30, todos os passeios da Avenida Afonso Pena receberam o cal�amento em pedras portuguesas. Em poucos anos, quase todas as cal�adas da zona urbana j� tinham os mosaicos. Da� em diante, o mosaico de pedras foi se espalhando pelo Centro e bairros de BH. “Foi uma iniciativa do governo da capital na �poca”, explica a arquiteta e urbanista Liana Valle, da Secretaria Municipal de Administra��o Regional Centro-Sul (GERPH-CS), que participou do estudo da PBH. Hoje, no Hipercentro, elas podem ser encontradas em diversos trechos, como no eixo da Avenida Afonso Pena, na Pra�a Rio Branco e na Rua Guajajaras.

PADRONIZA��O Com o passar das d�cadas, outros revestimentos come�aram a ser empregados, o que acarretou descaracteriza��o da continuidade dos desenhos. A pesquisa da Funda��o Municipal de Cultura mostrou que, com as in�meras interven��es para obras nas cal�adas para instala��o de infraestrutura, houve desconfigura��o e problemas no estado de conserva��o, com o desprendimento de pedras. “Em 1991, houve um concurso p�blico de ideias para a requalifica��o da �rea central da cidade, patrocinado pela Prefeitura de BH. Uma das equipes vencedoras desenvolveu um trabalho tendo como objeto o Eixo da Avenida Afonso Pena, tratado como ‘eixo simb�lico’ da capital. Um dos itens considerados pelos arquitetos foi o tratamento das cal�adas no percurso, suas esquinas e os primeiros quarteir�es das ruas transversais”, comentou a Liana Vale.


Mosaicos em recomposi��o

Em 2006, as cal�adas do Hipercentro de Belo Horizonte estavam muito danificadas pela passagem de redes de cabeamento �tico. A necessidade da administra��o municipal de estabelecer regras de recomposi��o levou a Secretaria Regional Centro-Sul, a Diretoria de Patrim�nio Cultural e a BHTrans a retomarem os estudos sobre os mosaicos feitos em 1991, inclusive incorporando medidas de acessibilidade previstas na Associa��o Brasileira de Normas T�cnicas (ABNT) e outras recomenda��es do C�digo de Posturas do munic�pio.

“A pedra portuguesa foi ent�o mantida nas cal�adas da �rea central, que � formada por in�meros conjuntos urbanos protegidos pelo Conselho de Patrim�nio Cultural, considerando-se esses mosaicos como ‘tapetes’. Desse modo, buscou-se a recupera��o desse acervo tradicional das cal�adas de Belo Horizonte, com novas regras, de acordo com os tempos atuais”, explica a arquiteta e urbanista Liana Valle, da prefeitura. Segundo ela, embora ainda se encontrem vest�gios de cal�adas em pedra portuguesa espalhados por toda a cidade, apenas na �rea central e no Bairro Belvedere III a obrigatoriedade foi mantida. “No Belvedere, foi uma iniciativa dos pr�prios moradores, que contrataram a equipe para padronizar as cal�adas do bairro”, completou a arquiteta.

MANUTEN��O
“� fundamental, como em qualquer revestimento de cal�adas em locais com muito movimento, que seja feita uma manuten��o peri�dica e refeitos os trechos danificados”, lembra Liana Valle. A legisla��o do munic�pio responsabiliza o propriet�rio do im�vel pela implanta��o e manuten��o  da cal�ada diante de sua fachada. Em pontos implantados pela PBH, a pr�pria prefeitura � a respons�vel pela manuten��o.

� nessa manuten��o que o calceteiro se torna essencial. No entanto, Cl�ves Ferreira se sente quase uma esp�cie em extin��o, pois faltam profissionais no mercado e a procura por eles est� cada vez maior. Depois que as cal�adas portuguesas se tornaram padr�es a serem seguidos em toda a cidade, desencadeou-se uma grande falta de m�o de obra especializada. Em 2011, foram trazidos de Portugal tr�s mestres calceteiros para ministrar aulas durante 10 dias, no intuito de fomentar o interesse de jovens aprendizes da �rea da constru��o civil. (Com S�lvia Pires, estagi�ria sob supervis�o do editor Roney Garcia)


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