
Qual a idade de Belo Horizonte? Qualquer crian�a responder�, em um piscar de olhos: 120 anos. Mas se a pergunta incluir a express�o “verdadeira idade”, com certeza muita gente ficar� com cara de interroga��o. � que a hist�ria da que hoje � conhecida como capital dos mineiros vem de muito antes da transfer�ncia, em 1897, da sede do poder de Ouro Preto para o primitivo Arraial do Curral del-Rei, sobre a qual foi erguida a cidade; antes at� mesmo das sesmarias recebidas, em 1701, pelo bandeirante Jo�o Leite da Silva Ortiz. “BH tem um passado desconhecido. Muito antes dos pioneiros, j� havia ocupa��o humana, conforme vest�gios arqueol�gicos encontrados na forma de artefatos de pedra e cer�mica. O grande problema � que esse material foi levado para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou”, lamenta o promotor de Justi�a Marcos Paulo de Souza Miranda, tamb�m integrante do Instituto Hist�rico e Geogr�fico de Minas Gerais (IHGMG), com base em estudos da d�cada de 1940.
Na publica��o Arqueologia de Belo Horizonte, de dezembro de 1947, quando a capital comemorava 50 anos, o ent�o presidente da Academia Mineira de Ci�ncias e do IHGMG, professor An�bal Mattos, escreveu sobre a ancestralidade da capital e registrou em fotografias os vest�gios cer�micos (peda�os de potes de variados tamanhos e rodas de fuso) e l�ticos (machados, soquetes e bigornas de pedra) provenientes de antigas aldeias ind�genas existentes principalmente nas regi�es do Horto Florestal, no Bairro Santa In�s, e do C�rrego do Cardoso, no Bairro Santa Efig�nia, na Regi�o Leste. “Trata-se de um livro precioso”, diz Souza Miranda, explicando que o trabalho foi apresentado em 1938, em BH, e dois anos depois no 3º Congresso Rio-grandense de Hist�ria e Geografia, em Porto Alegre. Para o especialista, s�o necess�rias pol�ticas para proteger o patrim�nio arqueol�gico da capital.
Na sede do IHGMG, na Pra�a Raul Soares, Regi�o Centro-Sul da capital, com os olhos atentos sobre o op�sculo (texto impresso de poucas p�ginas) de An�bal Mattos, entende-se melhor a “pr�-hist�ria” de Belo Horizonte, metr�pole hoje com cerca de 2,4 milh�es habitantes que completa 120 anos de funda��o na pr�xima ter�a-feira. Mattos escreveu: “S�o p�ginas in�ditas de uma hist�ria que o belo-horizontino ainda n�o conhecia, e de cuja exist�ncia talvez nem suspeitasse”. Entre os achados estavam machados ind�genas, conhecidos popularmente como “pedras de raio”.
Em seu texto, o escritor e pesquisador revelou ainda que as melhores pe�as encontradas pelo doutor Soares de Gouv�a, que trabalhou em escava��es na regi�o do antigo Horto Florestal, hoje parte do Museu de Hist�ria Natural e Jardim Bot�nico da Universidade Federal de Minas Gerais (MHNJB/UFMG), “tinham sido enviadas a Roquette Pinto, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, vinculado � Universidade Federal do Rio de Janeiro”. E ressaltou: “Das jazidas arqueol�gicas que devem ter existido aqui, a mais importante at� agora � a do Horto Florestal”.
O professor Gilberto explica que em 2014 esteve no Museu Nacional, no Rio, e conversou com a diretoria sobre o acervo enviado na d�cada de 1940. Com surpresa, foi informado de que ningu�m sabia localiz�-lo. Dois anos depois, voltou � carga, com objetivo de tentar um comodato para a exposi��o dos bens, mas at� hoje n�o houve solu��o. “Continuamos aguardando uma posi��o do Museu Nacional”, diz o diretor, que est� � frente de uma empreitada valiosa: uma exposi��o, em 2018, sobre a arqueologia em Minas, contando 12 mil anos de ocupa��es no estado, sendo grande parte do acervo pertencente ao Museu de Hist�ria Natural da UFMG. “Ser� muito importante termos na mostra o acervo referente a Belo Horizonte”, afirma o ge�logo.
Caminhando pela �rea verde do museu, o professor Gilberto conta que ao serem encontrados os primeiros artefatos, em 1938, foi nomeada uma comiss�o para acompanhar os trabalhos e recolher o material. “Houve uma grande sensibilidade dessas pessoas. A quest�o, no entanto, era onde guardar, j� que n�o havia um museu especializado nessa �rea na cidade. Assim, as pe�as foram encaminhadas ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro.”
Hoje, em uma pequena exposi��o na Sala de Arqueologia Pr�-Hist�rica, podem ser vistos quatro artefatos – l�minas de machado picoteadas e polidas –, da Cole��o Anibal Machado, embora sem registro de proced�ncia. Em uma vitrine ao lado, h� pe�as que poderiam ser tamb�m vest�gios da primitiva ocupa��o de Belo Horizonte. Mas o diretor da institui��o n�o perde a esperan�a de mostrar o acervo maior em Minas, mesmo que n�o tenha sido encontrado um documento formal transferindo as pe�as para o Rio de Janeiro.
Palavra de especialista
Marcos Paulo de Souza Miranda, promotor de Justi�a e integrante do Instituto Hist�rico e Geogr�fico de Minas Gerais
ESTUDOS PREVENTIVOS
“Talvez o melhor presente que os administradores p�blicos possam ofertar a Belo Horizonte seja a incorpora��o, na pol�tica de licenciamento ambiental e urban�stico da capital, da realiza��o de estudos preventivos de arqueologia urbana para obras que demandem escava��es e revolvimento do solo, o que j� � praticado em outras capitais do pa�s, gerando informa��es preciosas. Tal medida teria um enorme alcance preventivo e, seguramente, contribuiria significativamente para a melhor compreens�o da extens�o do patrim�nio cultural da capital mineira, que n�o se resume a pr�dios neocl�ssicos ou ecl�ticos. � preciso pensar que, mesmo antes do surgimento do Arraial de Curral del-Rei, havia, comprovadamente, presen�a humana no territ�rio de BH, em torno do qual h� vest�gios arqueol�gicos que superam 10 mil anos de idade – a exemplo dos esqueletos encontrados na Lapa Vermelha, em Pedro Leopoldo, e Lapa do Santo, em Matozinhos, al�m de marcas deixadas por tatus e pregui�as- gigantes em paleotocas cavadas em afloramentos ferruginosos como na Serra do Gandarela, nos limites de Caet� e Santa B�rbara, ainda no per�odo Pleistoc�nico. Como os antigos seres humanos e animais da megafauna extinta n�o conheciam fronteiras e transitavam por toda a regi�o, certamente percorreram o solo belo-horizontino e aqui deixaram marcas de suas passagens.”