
Apenas 43 passos separam dois tempos da hist�ria do artista pl�stico Athos Bulc�o (1918-2018), mestre na arte da azulejaria, nas rela��es com Belo Horizonte. Na Pra�a da Liberdade, do mesmo lado da rua, est�o o Edif�cio Niemeyer, refer�ncia moderna com a fachada revestida pelos ladrilhos hidr�ulicos assinados por ele, e a exposi��o comemorativa do centen�rio de nascimento do carioca, atra��o do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Quem se dispuser a conhecer mais sobre o trabalho de Bulc�o, chamado de “o artista de Bras�lia”, vai se surpreender ao encontrar duas obras no pr�dio da Secretaria Regional Oeste, no Bairro Salgado Filho. A rigor, foi uma descoberta at� para a equipe do Estado de Minas, pois, no site da Funda��o Athos Bulc�o, que registra as obras do artista pl�stico, a informa��o era de que duas pe�as dele, com fun��o ac�stica, est�o no pr�dio do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em BH.
Com essa informa��o, e a partir da entrevista com a secret�ria-executiva da funda��o, Val�ria Cabral, que confirmou a exist�ncia dos trabalhos, a mat�ria come�ou a ser apurada. Contudo, a assessoria do TCE informou que n�o guardava as pe�as. A segunda op��o, aleatoriamente, foi procurar no Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) em Minas.
De novo, veio a negativa dos assessores que trabalham na sede, na Rua Inconfidentes, no Bairro Funcion�rios, na regi�o Centro-Sul da cidade. Mais pesquisa e, rastreando os trabalhos, foi poss�vel chegar ao � ex-sede do TCU, hoje cedida � Prefeitura de Belo Horizonte para funcionamento da Regional Oeste. Novos contatos com a PBH e as portas se abriram: no local do antigo plen�rio, est�o as obras em verde e azul. A localiza��o foi comunicada � secret�ria-executiva da Funda��o Athos Bulc�o, Val�ria Cabral.
Em BH, h� obras tamb�m no acervo da Rede Sarah de Hospitais de Reabilita��o, no Bairro Gameleira, na Regi�o Oeste. Como perda lament�vel, vem a revela��o de que, num shopping da regi�o da Pampulha, as pe�as foram retiradas sem deixar resqu�cios, deixando apenas a pintura branca no lugar de cores vibrantes. Na capital, conforme explicou Val�ria, o ent�o jovem artista foi assistente de C�ndido Portinari (1903-1962) no painel sobre a vida de S�o Francisco. Ela diz que Athos Bulc�o apenas pintou os azulejos, ficando toda a cria��o a cargo de Portinari.

INTERROGA��O A vida do artista tem sabor de descoberta para todos os p�blicos. Basta observar e acompanhar um grupo de professores na Pra�a da Liberdade. Os olhos deles brilharam diante do Edif�cio Niemeyer e, no semblante de alguns, veio a interroga��o ao ouvir o nome de Athos Bulc�o (1918-2018), o carioca de m�ltiplos talentos que deixou vasto legado mundo afora, principalmente em azulejaria. Durante visita ao espa�o p�blico, na Regi�o Centro-Sul da capital, a turma da rede municipal viu, � luz do conhecimento, o pr�dio de 1954 projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) e dono, na fachada, das pe�as azuis e brancas assinadas por Bulc�o.
“Estamos fazendo muitas descobertas aqui na pra�a”, disse Gl�ucia Botelho, da Unidade Municipal de Educa��o Infantil (Umei) Padre Tarc�sio, na Vila Mar�ola, tamb�m na Centro-Sul, ao fazer a visita guiada. Os belo-horizontinos podem se orgulhar, j� que h� outros trabalhos do artista pl�stico, como na Secretaria Regional Oeste da prefeitura, no Bairro Salgado Filho.
No mesmo grupo, F�bio J�nior Oliveira Rodrigues, da Umei Jardim Guanabara, na Regi�o Norte, se mostrava surpreso ao aliar o nome do artista pl�stico � obra. “Sei da import�ncia de Oscar Niemeyer para BH, conhecia este pr�dio, mas n�o tinha ideia de quem era Athos Bulc�o. Esse tipo de informa��o, sobre o patrim�nio cultural, � de grande valor”, afirmou F�bio J�nior, �nico homem do grupo e que trazia, assim como as 20 colegas, p�ginas impressas com fotos e texto sobre os monumentos do Circuito Liberdade. � frente do grupo estava a coordenadora do curso de forma��o de professores de educa��o infantil da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a pedagoga Ana Cl�udia Figueiredo, e a professora da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) Mar�lia �vila, que dava as explica��es sobre o conjunto.
A exposi��o citada pela educadora est� a apenas 43 passos do Edif�cio Niemeyer e celebra os 100 anos de nascimento de Athos Bulc�o: no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), s�o apresentadas as diferentes atua��es do carioca morto aos 90 anos, a exemplo de cenografia, figurino, fotografia, pintura, desenho e escultura, e um segmento dedicado a artistas mais jovens que o t�m como refer�ncia. Bem na lateral esquerda, tendo o Edif�cio Niemeyer como cen�rio, h� um cubo gigantesco, com r�plicas dos ladrilhos hidr�ulicos (20cm x 20cm) da fachada do pr�dio e azulejos de outros de Bras�lia e S�o Paulo.
�CONE Presente � abertura da mostra 100 Anos de Athos Bulc�o, que vai at� 24 de junho, a secret�ria-executiva da Funda��o Athos Bulc�o, Val�ria Cabral, lamenta a situa��o dos ladrilhos hidr�ulicos da fachada do pr�dio �cone do nobre espa�o p�blico. “Estavam imundos e, como op��o perigosa, fizeram uma limpeza no estilo lava-jato, usando um produto qu�mico que tirou a cor original das pe�as. Enfim, ficou descaracterizado em toda a extens�o”, disse Val�ria, que trabalha h� 22 anos na funda��o criada h� 25 e se refere ao artista pl�stico como professor. “Em Bras�lia, h� 260 obras do professor. Ele � mat�ria obrigat�ria no quarto e quinto per�odos do ensino fundamental da rede p�blica”, contou.
No cubo, h� tamb�m uma refer�ncia aos azulejos criados, na d�cada de 1990, especialmente para um shopping da Regi�o da Pampulha. “Eram nas cores amarelo, laranja e preto”, conta Val�ria Cabral, mostrando a face em preto e branco com a assinatura do artista. Hoje, trata-se apenas de uma sess�o nostalgia, pois sa�ram de cena em 2006 para n�o voltar. O sentimento de perda domina o ambiente, mas, bola para frente e a secret�ria-executiva cita outras obras em BH: o acervo da Rede Sarah de Hospitais de Reabilita��o, no Bairro Gameleira, na Regi�o Oeste.
No Bairro Salgado Filho, o trabalho de Bulc�o tamb�m pode ser admirado, desta vez no audit�rio da Secretaria Regional Oeste. S�o duas pe�as em madeira, uma azul e outra verde, nas laterais, com fun��o ac�stica para o antigo plen�rio de 60 lugares. Inaugurado em 1997, o pr�dio era ocupado pelo Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) at� ser cedido, por tempo indeterminado, � PBH. Segundo Val�ria Cabral, o projeto esteve a cargo do arquiteto Jo�o Filgueiras Lima (1931-2014), conhecido como Lel�, e respons�vel pelos edif�cios-sede do TCU Brasil afora. “Na verdade, o arquiteto dizia que projetava para Athos integrar”. Val�ria explica que o artista se preocupa com tudo, do desenho a estudo de cores, passado pelo tom dos tapetes. “Nada era por acaso, obedecia a crit�rios.”
A liga��o de Bulc�o com Belo Horizonte passa pelas m�os de Oscar Niemeyer, com quem trabalhou muito em Bras�lia (DF). Os dois se conheceram na casa do paisagista Burle Marx (1909-1994), criador dos jardins da Igreja S�o Francisco de Assis, do Museu de Arte da Pampulha (MAP) e outros no entorno da Lagoa da Pampulha. Jovem, Athos estava fazendo um desenho, o qual agradou Niemeyer. Na sequ�ncia, o arquiteto disse que ele poderia fazer azulejos para o teatro municipal de Belo Horizonte, que nunca sa�ram do papel. Na capital, o jovem foi assistente de C�ndido Portinari (1903-1962) no painel sobre a vida de S�o Francisco. Val�ria Cabral explica que Athos Bulc�o apenas pintou os azulejos, ficando toda a cria��o a cargo de Portinari.
REVESTIMENTO Sobre a limpeza do Edif�cio Niemeyer (de 15 andares, com 45 metros de altura e um ter�o ocupado por ladrilhos hidr�ulicos, onde n�o h� janelas), o engenheiro Frederico Alexandre Costa Alves, da MKS Edifica��es, respons�vel pela restaura��o, informa que os “ladrilhos hidr�ulicos estavam naturalmente descorados”. Para se fazer uma compara��o, explicou, foi deixada, “sem lavar”, uma faixa do lado da Avenida Brasil. Frederico acrescenta que a limpeza foi manual, embora com uso de produtos qu�micos para tirar o encardido do revestimento. J� a dire��o do Shopping Del Rey, em nota, informa que o painel de revestimento, assinado por Athos Bulc�o, integrou o projeto arquitet�nico original do centro de compras. “A obra ficou na portaria de entrada do empreendimento durante 15 anos e foi encoberta ap�s apresentar sinais de desgastes naturais do tempo, que comprometeram a forma est�tica criada pelo artista. A tomada de decis�o sobre o processo de revitaliza��o do espa�o foi analisada por uma equipe de especialistas, comandada pelo arquiteto respons�vel pelo projeto. Antes de optar pela substitui��o da serigrafia, os respons�veis verificaram a lista de obras tombadas pelo Iphan (Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional).”
QUEM FOI
» Athos Bulc�o nasceu no Rio de Janeiro em 2 de julho de 1918 e passou a inf�ncia em Teres�polis (RJ). Perdeu a m�e, Maria Antonieta da Fonseca Bulc�o, de enfisema pulmonar antes dos cinco anos, sendo criado com o pai, Fortunato Bulc�o, entusiasta da siderurgia, amigo e s�cio de Monteiro Lobato, com o irm�o Jayme, 11 anos mais velho, e com as irm�s adolescentes Mariazinha e Dalila, que substitu�ram a m�e.
» Enquanto crescia, o menino passava muito tempo em casa e, por ser muito t�mido, misturava fantasia e realidade, conforme texto da Funda��o Athos Bulc�o. Na fam�lia, havia um interesse pela arte e suas irm�s o levavam frequentemente ao teatro, a espet�culos das companhias estrangeiras, � �pera e � Com�dia Francesa. Athos, aos quatro anos, ouvia Caruso no gramofone, e ensaiava desenhos sem, no entanto, chamar a aten��o da fam�lia. Chegou �s artes gra�as a uma s�rie de acidentais e providenciais lances do acaso.
» Na juventude, foi amigo de alguns dos mais importantes artistas brasileiros modernos, os maiores respons�veis por sua forma��o: Carlos Scliar, Jorge Amado, Pancetti, Enrico Bianco, que o apresentou a Burle Marx, Milton Dacosta, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Ceschiatti, Manuel Bandeira e outros.
» Aos 21 anos, os amigos o apresentaram a Portinari, com quem trabalhou como assistente no mural de S�o Francisco de Assis, na Pampulha, em BH, e aprendeu muitas li��es importantes sobre desenhos e cores. A trajet�ria art�stica de Athos Bulc�o � especialmente consagrada ao p�blico em geral. Quem viaja pelo mundo, pode ver os trabalhos dele na Fran�a, Arg�lia, �ndia, Nig�ria, Cabo Verde e It�lia. Faleceu ap�s uma parada cardiorrespirat�ria em dia 31 de julho de 2008, aos 90 anos.