
Mexerica diretamente do pomar, fub� do moinho, rapadura com leite e bombons caseiros de v�rios sabores. E tem ainda farinha de mandioca temperada, colchas coloridas de fuxico e outros produtos feitos com carinho e por m�os habilidosas. A comunidade rural de Noiva do Cordeiro, de Belo Vale, na Regi�o Central, apresenta at� sexta-feira, na Assembleia Legislativa, no Bairro Santo Agostinho, em Belo Horizonte, sua vasta criatividade na Feira de Artesanato, no espa�o cultural, realizada de dois em dois anos. Composta por mais de 300 pessoas, a maioria mulheres, a comunidade vive da agricultura e tem um sonho. “Queremos que o evento ocorra todos os anos. Seria muito bom para divulgar nosso trabalho e dar mais visibilidade aos produtos da horta e do pomar, que n�o t�m agrot�xico”, afirma o diretor consultivo da Associa��o Noiva do Cordeiro, Iram Leite.
Na tarde de ontem, muita gente se encantou com as mesas cobertas de embalagens de pimenta biquinho, ao natural ou em conserva, o amarelo dourado do fub� e os desenhos das colchas de cama. “Conhe�o a hist�ria da Noiva do Cordeiro e j� estive l�. Aqui, encontramos produtos org�nicos de �tima qualidade para comprar. Juntando essa trajet�ria a essa riqueza, fica tudo mais saboroso”, disse a analista de controle Dora L�cia Fortini, que provava o doce de leite na companhia da irm�, Cristina Fortini. Conhecedora de culin�ria, Dora explicou que a iguaria “est� no ponto certo”, com pouco a��car. “Venho todas as vezes, � muito bom”, disse a funcion�ria da ALMG, Cl�lia M�rcia Magalh�es.
Sorridente e orgulhosa da sua comunidade, a artes� Vilma Vieira percorria o ambiente destacando os tapetinhos de tear e os artigos em croch�, as geleias de frutas, as rapaduras em quatro sabores (normal, com coco, com leite e amendoim, as lingui�as de pernil, e os temperos para salada. “A farinha de mandioca temperada, com sal, coentro e cebola ‘bombou’! Foi chegando e acabando, mas vamos ter mais”, contou. O bolo de fub� tamb�m acabou r�pido, mas os visitantes n�o v�o ficar com �gua na boca, pois tem tamb�m bombons de maracuj�, coco e outros. “Convidamos todos os belo-horizontinos e moradores das cidades vizinhas”, disse Vilma, ao lado de Jennifer Fernandes, Ranielle Fernandes e Karollayne Fernandes.
SUPERA��O Cada fruta, vegetal, doce ou produto de cama e mesa evoca a hist�ria da comunidade Noiva do Cordeiro, distante 16 quil�metros da sede de Belo Vale, e que ficou isolada durante um s�culo de intoler�ncia e segrega��o. Os integrantes sabem que s�o �guas passadas, mas nunca � demais lembrar epis�dios traum�ticos para evitar a repeti��o. Para entender, � preciso voltar no tempo, mais exatamente ao fim do s�culo 19. Foi quando Maria Senhorinha de Lima, que agora d� nome � escola local, natural da localidade pr�xima de Ro�as Novas, se casou com o descendente de franceses Arthur Pierre. Tr�s meses depois, se sentindo infeliz, ela abandonou o lar e foi morar com Francisco Pereira de Ara�jo, no terreno onde hoje fica a comunidade. De fam�lia muito cat�lica, Maria Senhorinha, pelo seu comportamento, foi condenada, e os dois, rotulados de “pecadores e prostitutos” e amaldi�oadas as pr�ximas gera��es.
A atitude corajosa de Maria Senhorinha ganhou, � luz do moralismo, olhares de reprova��o. O casal continuou junto, construiu a casa e teve 12 filhos. Mas em meados do s�culo passado, An�sio Pereira, neto de Francisco e marido de dona Delina, fundou a seita protestante Noiva do Cordeiro, que batizou o local e converteu toda a fam�lia. A nova situa��o agravou as rela��es com os parentes cat�licos que residiam perto e imp�s regras r�gidas �s mulheres, impedidas at� de cortar os cabelos.
Em 1990, novos acontecimentos abalaram a estrutura local e, com um rompimento definitivo, ficaram na comunidade apenas as pessoas que defendiam uma sociedade temente a Deus, embora sem qualquer religi�o. Colhendo ainda, na �poca, os frutos de um passado hostil, a comunidade foi se fechando e se protegendo de olhares de preconceito. Em vez de acolhida no meio social, era caluniada. Como os homens n�o conseguiam emprego, estigmatizadas que as fam�lias estavam, eles se mudaram para outras cidades em busca de sustento, enquanto as mulheres passaram a se dedicar � lavoura.
SERVI�O
Feira de Artesanato Noiva do Cordeiro
Espa�o Cultural da Assembleia Legislativa, no Bairro Santo Agostinho, em BH
At� sexta-feira, das 8h �s 18h
ASFALTAMENTO DA ESTRADA Outro sonho dos moradores da Noiva do Cordeiro se refere ao asfaltamento da estrada que faz a liga��o da comunidade com o Centro de Belo Vale – dos 16 quil�metros, apenas seis foram pavimentados. O secret�rio do Executivo municipal, Enacson de Almeida (Naquinho), explica que o levantamento topogr�fico est� pronto, faltando recursos para a empreitada. “Toda a obra est� a cargo da prefeitura e o objetivo � asfaltar at� Ro�as Novas, ainda no atual mandato. At� chegar a Noiva do Cordeiro, faltariam dois quil�metros”, explica Enacson. Ele diz que a prefeitura j� implantou no local um posto de sa�de e dotou Noiva do Cordeiro de um posto artesiano.
Duro caminho para a fama

Em 6 de maio de 2007, reportagem “Heran�a de preconceitos”, do Estado de Minas, exp�s as persegui��es, expl�citas ou veladas, sofridas pela comunidade Noiva do Cordeiro. No ano seguinte, em 8 de mar�o, Dia Internacional da Mulher, os rep�rteres retornaram a Belo Vale e verificaram que a situa��o tinha mudado. As pe�as de lingerie confeccionadas pelas lavradoras e at� ent�o comercializadas de porta em porta j� eram vendidas numa loja. Da mesma forma, as rela��es com os moradores da cidade come�avam a melhorar, num avan�o para quem, at� ent�o, enfrentava desprezo nos postos de sa�de, indiferen�a na prefeitura e agressividade numa simples batida no tr�nsito. Mais de uma d�cada depois, como ocorreu em mar�o, a comunidade mostrou que se abriu com entusiasmo para o mundo, soube aproveitar bem as oportunidades, celebrou parcerias nas �reas de agricultura e arte e se tornou tema de document�rio, estudos universit�rios e programas de televis�o realizados por equipes do Jap�o, China, Estados Unidos, Fran�a, Inglaterra e Alemanha. Desse �ltimo pa�s, foram quatro reportagens. Atualmente, a comunidade se dedica tamb�m � produ��o de artigos pet, incluindo roupas de todos os modelos para os animais de estima��o, parte com escudos oficiais de times de futebol. O esquema � de terceiriza��o para uma empresa do setor.