Os tr�s juntos somam mais de 300 anos, algo semelhante � hist�ria de Minas Gerais, e, individualmente, t�m casos para contar que n�o cabem neste mundo. Muitas alegrias, sabedoria de sobra, fam�lias grandes e momentos dif�ceis que ficaram l� no passado, ganhando o nome de experi�ncia. Neste Dia dos Pais, um trio bem especial de centen�rios de boa mem�ria – com orgulho, sim, senhor! – recebe o carinho de filhos e demais descendentes e celebra a vida comendo e bebendo do que gosta. Residente numa fazenda em Taquara�u de Minas, Armando da Concei��o, de 102 anos e “meio”, conforme faz quest�o de ressaltar, encontra no trabalho uma das for�as da longevidade.
Na vizinha Santa Luzia, Vicente de Paula, o cacula, pois acaba de completar um s�culo, ensina que comida boa � aquela acompanhada de angu. E em Lagoa Santa, tamb�m na Grande BH, o baiano “mineiro de cora��o” Jos� Ribeiro dos Santos declara o amor pela mulher Joana, de 85, e se recorda de m�sicas do tempo da Segunda Guerra. Para os tr�s, que nunca se encontraram, a viol�ncia � a pior inimiga do s�culo 21. Vale lembrar que Armando, Vicente e Jos� fazem parte de um grupo seleto de brasileiros. De acordo com o �ltimo censo demogr�fico (2010) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), h�, no pa�s, 24,2 mil pessoas com 100 anos ou mais, sendo quase 10% em Minas (2,6 mil). Do total nacional, a maioria � de mulheres (16,9 mil), tend�ncia tamb�m registrada no estado: 1,9 mil mulheres e 739 homens.

A chegada � Fazenda Arag�o, na comunidade rural de Campo de Santo Ant�nio, em Taquara�u de Minas, faz bem aos olhos e acalma o cora��o do visitante de maneira instant�nea. Pintada de azul e branco, singela com roseiras em flor no jardim, a casa de Armando da Concei��o � um convite ao descanso e � contempla��o da natureza. Melhor ainda se for para sentar ao lado dele, deixar-se contagiar pelo bom humor e ouvir hist�rias. Vi�vo h� sete anos, Armando foi casado por 74 anos com Maria da Piedade da Concei��o, tendo 13 filhos “todos vivos”, 36 netos e 37 bisnetos.
Apoiado numa bengala, por pura precau��o para descer escadas ou caminhar pelo amplo gramado, Armando tem certeza de que a sa�de se sustenta em tr�s pilares: beber, comer e trabalhar. “Tomo a minha pinga na hora do almo�o, gosto de ‘bochechar’, �s vezes mais de uma vez por dia. Nunca fez mal. Comer bem tamb�m � �timo. Agora melhor, s� um servi�o. Hoje n�o d� mais para agir como antes, ent�o fa�o o que posso. Sempre fui um homem dos sete of�cios e de 14 de precis�o.” Traduzindo: se precisar, se multiplica por dois.
Embora a paisagem conduza ao aconchego, o fazendeiro brinca que usa duas muletas quando precisa ir a Belo Horizonte ou Santa Luzia, onde nasceu na zona rural, em 15 de abril de 1916. “Com uma me apoio, com outra afasto um cachorro, se aparecer”, conta �s gargalhadas, sem se esquecer de um detalhe: “Se quebrar um osso, n�o tem como remendar mais”.
Na varanda, diante do pomar, onde colhe goiabas para fazer doce no tacho, das tr�s pequenas represas e das montanhas, Armando volta no tempo, mais exatamente em 1956, e se lembra de quando era dono de dep�sitos de material de constru��o e levava cimento e arame para a constru��o de Bras�lia (DF). Em cada viagem bate-volta, transportava 60 sacos de cimento e 20 rolos de arame. “Sa�a s�bado de madrugada e voltava no domingo � noite. Foi assim durante meses, muitas vezes sem ajudante para descarregar o caminh�o. Na marmita, levava a farofa que minha mulher preparava.”
CH� DE HORTEL� Depois da conversa na varanda, Armando sente o aroma do ch� de hortel� colhida pouco antes e convida os rep�rteres para saborear a bebida, na sala, com broa de milho, biscoitinhos e p�o de queijo. Nesse ambiente, faz quest�o de falar o nome de filho por filho: Edson (Dinho), Iraci, Elson (Nica), Elce, El�zio, Elizia Isabel, Ederval R�mulo, Maria �ngela, Eunice Elena, Marcos Geraldo, Alcides Luiz, o Cidinho, Ilza de F�tima e �ngelo Armando. “Para criar tantos filhos, tem que trabalhar muito, n�?”, argumenta com o sorriso de quem cumpriu a miss�o sem reclamar.
Entre um gole e outro de ch�, o propriet�rio da Fazenda Arag�o se recorda do seu empenho na constru��o da capela e de resid�ncias no bairro de Nova Granja, em S�o Jos� da Lapa, na Grande BH. “Trabalhei muito ali tamb�m”, revela com o semblante pensativo, sem perder o fio da meada. Por onde passou, o homem de 102 anos e “meio” garante que s� fez amigos. “N�o tenho inimigos, amizade � importante demais na vida.” No esporte, jogando no meio de campo dos clubes Estrelinha e Santa Helena, na zona rural, era chamado de “matador”. E a� vem uma pontinha de saudade misturada com orgulho do f�sico, pois, centen�rio, Armando n�o ficou careca, nem tem barriga.
Em visita ao av�, o advogado Leopoldo Alves lhe d� um abra�o carinhoso e elogia as qualidades. “Um exemplo de vida, car�ter e honestidade. A cada dia, aprendo mais com ele. Sem d�vida, um grande homem.” Depois, seguem para dentro da casa, onde, em cada espa�o, h� mem�rias e muito ainda para fazer. “N�o gosto de ficar parado”, despede-se Armando.
VIDA NA SIMPLICIDADE Os 100 anos de Vicente de Paula foram muito comemorados, no dia 29, e teve mais festa, ontem, v�spera do Dia dos Pais, na casa da Rua Silva Jardim, no bairro S�o Geraldo, em Santa Luzia. A celebra��o reuniu os sete filhos, 17 netos e 16 bisnetos, al�m de vizinhos e amigos que n�o se cansam de tecer elogios ao homem de semblante tranquilo e boa paz. Os coment�rios s�o os mais variados: uns ressaltam a mem�ria, outros a disposi��o e tem os que se impressionam com o apetite. “Comida boa para mim � comida de angu. N�o gosto de comida de rico, n�o! Gosto de comida de pobre”, revela Vicente, que aprecia os pratos da culin�ria mineira, entre eles o frango ao molho pardo ou com quiabo e outros que combinam com o tradicional alimento feito com fub� de milho.
Na frente da resid�ncia, a fam�lia mandou p�r uma faixa saudando o centen�rio de Vicente, vi�vo de Maria de Jesus Barros Paula, conhecida como dona Lilia; e ele faz quest�o, com seu chapeuzinho charmoso, de posar para as fotos perto do port�o e da mensagem escrita (Parab�ns pelos 100 anos. Que Deus te ilumine e aben�oe). “A vida � boa, meus filhos s�o bons. Nunca deixei faltar o p�o de cada dia para eles.” Com a voz mansa, acrescenta que jamais foi de v�cios, pois prejudicam a sa�de. Li��es como essa foram passadas para os filhos Ant�nio, j� falecido, Francisco (Chichico), Jos� do Patroc�nio, Maria da Assun��o (Nininha), Carlos Santana, Jo�o Bosco, Vicente e Messias Eust�quio.
Ferrovi�rio aposentado, Vicente trabalhou na antiga Central do Brasil, principalmente na pedreira na comunidade de Ribeir�o da Mata, que fornecia material para as estradas. “Nunca fumei cigarro. S� mesmo para acender o estopim da dinamite para explodir a pedreira.” A� para e reflete, parecendo percorrer uma estrada do tempo com altos e baixos, mas com a plenitude que um s�culo de vida traz.
HONRA Depois da conversa no port�o, � hora de saborear os deliciosos past�is de carne e queijo oferecidos pela fam�lia. Vicente se serve de um e diz que viver � ter for�a para romper barreiras, em qualquer idade ou �poca. Nascido em 1918, quando o mundo assistia ao fim da Primeira Guerra (1914-1918) e o Brasil era diferente em todos os sentidos, ele acredita que, al�m da viol�ncia da atualidade, a fome � um dos piores males do mundo. “J� foi muito pior do que hoje, tudo era mais dif�cil no meu tempo de jovem.”
A men��o do conflito � a senha para Vicente se lembrar da convoca��o para lutar na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Demonstrando intimidade com o tempo e seus personagens, conta que foi dispensado pelo ent�o presidente Get�lio Vargas (1882-1954). “Get�lio me dispensou, pois eu era casado. Servi no Ex�rcito em 1940 e, quando chamado em 1942, a realidade aqui em casa j� era outra”, recorda-se o homem ao receber um beijo carinhoso dos bisnetos Miguel e Let�cia, ambos de 3, Maria J�lia, de 6, e Sofia e Maria Heloisa, de 9, e Camila, de 13.
A conviv�ncia em fam�lia faz bem a Vicente, paparicado por todos e alvo de gratid�o. M�e de Camila, a neta Darlen Cristine de Paula, de 43, diz que o av� sempre pergunta pela menina. “Fico impressionada com a mem�ria dele.” Para a neta Sofia, Vicente � um exemplo, enquanto Carlos, de 66, garante que ter um pai assim � motivo de honra. “� um vencedor. Criou os filhos e quatro sobrinhos.”
O clima de alegria domina o ambiente e cada um faz uma revela��o. Com jeito tranquilo, Vicente d� aten��o a todos e segue no seu ritmo. Gosta de ficar perto do fog�o a lenha, conversar com os vizinhos e levar os dias sem atropelos. E a despedida serve como li��o nestes tempos: “A gente deve evitar o que nos faz mal”.
COMPANHEIROS H� 70 ANOS O amor abriu caminhos e continua pavimentando a longa estrada de Jos� Ribeiro dos Santos, que completou 100 anos em 14 de junho e tem sempre ao lado a mulher Joana Alves dos Santos, de 85, com quem est� casado h� quase sete d�cadas. “� o grande amor da minha vida”, declara-se o homem que ganhou o sustento como carpinteiro e marceneiro e mora em Lagoa Santa, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Depois de um beijo carinhoso dos dois, Jos� agradece a companhia do filho ca�ula R�benes, solteiro, que mora na resid�ncia e seguiu o of�cio do pai, com uma oficina no terreno vizinho.
Nascidos em Vit�ria da Conquista (BA), Jos�, chamado na intimidade de Zeca, e Joana, carinhosamente tratada pelo marido de Ninha, vieram para Minas em 1965 com os filhos Cl�udio, Maria Cl�udia e Carlos Eug�nio, ambos falecidos, Paulo, Elane e R�benes, hoje com 54. De in�cio, se estabeleceram em Nanuque, no Vale do Mucuri; 10 anos depois, chegaram a Belo Horizonte e h� 18 anos a Lagoa Santa. “Minas � nossa casa”, declara-se mais uma vez o centen�rio, que ganhou festa de anivers�rio e vai ver a fam�lia reunida novamente neste domingo para festejar o Dia dos Pais. Presentes, os quatro netos.
Orgulhoso por ter a mesma profiss�o de S�o Jos�, e de ser xar� do pai adotivo de Jesus, Zeca conta, sorrindo, que, nos tempos de jovem, recebeu dos amigos o apelido de Z� Magrinho. Um segundo depois, os olhos se enchem de l�grimas e, baixinho, segreda que anda muito sentimental. Joana enxuga o rosto, acaricia os cabelos fartos, mais parecidos com algod�o, e diz que n�o h� dinheiro neste mundo que pague tanta felicidade. “N�s nos casamos em 14 de mar�o de 1950, s�o muitos anos juntos. E ser�o muito outros”, alegra-se. “Gra�as a Deus. S� amei esta mulher, mais ningu�m”, completa o marido.
PERFUME Um suco natural de maracuj� refresca a tarde e Jos� vai at� o jardim, na companhia da mulher e do filho. Ao ar livre, recorda que sempre gostou de perfume na hora de sair de casa e de doce na sobremesa. Joana confirma a predile��o, que vem desde Vit�ria da Conquista. Ao rememorar a juventude, o baiano de cora��o mineiro volta aos tempos em que se alistou no Ex�rcito e acabou n�o indo para a guerra. E como se tivesse sido ontem, canta por inteiro uma marchinha de um antigo carnaval, que op�e o l�der nazista Adolf Hitler (1889-1945) e o ent�o presidente Get�lio Vargas (1882-1954). “Quem � que usa cabelinho na testa/e um bigodinho que parece mosca/S� cumprimenta levantando o bra�o/� � � � palha�o/Quem tem um G que representa a gl�ria/quem tem um V que ficar� na hist�ria/Com seu sorriso que nos d� prazer/� � � � vit�ria.”
Se o nome de Hitler dava arrepios ao rapaz do interior do Brasil, o de Get�lio Vargas, agora, s� traz boas recorda��es. “A primeira vez que votei para presidente foi no Get�lio. Depois, votei de novo. Fiquei muito triste quando ele morreu. Gostava dele, muitos brasileiros tamb�m.” S� para lembrar, leitor, no pr�ximo dia 24 faz 64 anos da morte do ex-presidente.
De repente, Jos� revela o gosto pelo of�cio que escolheu e que j� n�o pode mais desempenhar. “Sou do tempo em que a gente trabalhava pegando a madeira no mato e depois serrava ‘de dois’, cada um segurando o gurpi�o (serrote) de um lado.”
A neta Carolina Ribeiro dos Santos, de 30, advogada, transborda-se de emo��o. “Vov� Zeca � velhinho com alma de crian�a. De poucas, mas s�bias palavras, representa o homem forte antigo, com ares de do�ura e sensibilidade quase infantil. Pai e av� amoroso, marido irretoc�vel. Sempre incluiu a generosidade e a excel�ncia em tudo o que se prop�s. Certamente, meu m�ximo exemplo! N�o h� quem eu admire mais, a quem tenha mais a agradecer.”
