
Houve um tempo em que estudar os astros era muito perigoso. Cultivar ervas para fazer rem�dios, mais ainda. E manter a cultura ancestral, bem diferente da estabelecida pelos reis, sinal certo de persegui��o, tortura e morte na fogueira.
Foi assim durante o longo per�odo da Inquisi��o, o Tribunal do Santo Of�cio que come�ou na Espanha no s�culo 15, chegou mais tarde a Portugal e desembarcou no Brasil com os colonizadores para ficar tr�s s�culos.
Minas, ent�o, perdeu centenas de vidas. Para mostrar que a intoler�ncia em qualquer circunst�ncia representa o pior para a humanidade, est� de portas abertas em Belo Horizonte o Museu da Hist�ria da Inquisi��o, �nico do pa�s sobre o tema. O equipamento cultural completa seis anos amanh� com programa��o gratuita neste fim de semana.
“O enfoque maior est� na persegui��o aos judeus e crist�os-novos (judeus convertidos ao cristianismo), j� que representaram 85% dos condenados durante a Inquisi��o luso-brasileiras. Mas foram igualmente perseguidos e considerados hereges os alquimistas, feiticeiros, m�gicos, b�gamos, sacr�legos e bruxos. Trata-se de uma hist�ria pouco conhecida hoje e n�o presente nos livros did�ticos e curr�culos escolares”, explica Marcelo Miranda Guimar�es, presidente fundador do museu mantido pela Associa��o Brasileira dos Descendentes de Judeus da Inquisi��o (Abradjin) e com sede no Bairro Ouro Preto, na Regi�o da Pampulha.
Al�m do car�ter educativo e da conscientiza��o sobre as p�ginas tenebrosas dessa hist�ria, o acervo composto por 350 livros e 150 objetos, como r�plicas de instrumentos de tortura, traz ainda r�plicas de roupas da �poca, inclusive as de v�timas e algozes, pain�is contando a trajet�ria desde o in�cio do per�odo inquisit�rio – em Minas, a primeira visita oficial de inquisidores se deu em 1591 e o fim s� ocorreu em 1821 – e pequenas preciosidades, a exemplo de uma caixinha de marfim do s�culo 13 para guardar amuleto.
A Inquisi��o j� existia no s�culo 12, na Fran�a, para combater aqueles considerados hereges.
Conscientiza��o
Antes de mostrar as depend�ncias do museu, Marcelo d� in�cio � exibi��o de um v�deo com dura��o de 7 minutos, pe�a importante para se entender melhor cada passo a seguir. Na sequ�ncia, h� um depoimento da pesquisadora e especialista em Inquisi��o em Portugal e no Brasil, professora Anita Novinsky.

Com essas informa��es, fica mais f�cil compreender a hist�ria e suas li��es ao mundo contempor�neo. “N�o pode haver, em pleno s�culo 21, intoler�ncia religiosa, racial e preconceito contra as diferen�as, pois tudo isso traz muito sofrimento. Portanto, o objetivo do museu � combater a intoler�ncia e promover o respeito � dignidade humana”, diz Marcelo, mostrando tr�s cita��es destacadas nas paredes do museu.
O primeiro destaque se refere ao pedido de perd�o, em 2004, pelo papa Jo�o Paulo II (1920-2005), hoje S�o Jo�o Paulo II, pelos abusos cometidos durante a Inquisi��o. O segundo ressalta a Lei 9.459, de 15 maio de 1997, do Brasil, que considera crime as pr�ticas de discrimina��o e preconceito contra religi�es.
E, finalmente, a lei municipal de Belo Horizonte que institui o dia 31 de mar�o como de rever�ncia � mem�ria das v�timas da Inquisi��o. Para se ter uma ideia, registraram-se 800 processos envolvendo fam�lias mineiras, representando quase a metade das condena��es no Brasil, conforme estudos da historiadora Neusa Fernandes, a partir de pesquisas no Arquivo Nacional Torre do Tombo, em Lisboa, Na �poca, nas col�nias portuguesas, os processos chegaram a 40 mil.
Todos esses n�meros superlativos ganham mais for�a diante do material exposto no audit�rio multim�dia e nas salas Espanha e Portugal, Brasil, Minas Gerais, Memorial dos Nomes, Pesquisa e Objetos Judaicos e Torturas da Inquisi��o.
Marcelo mostra uma estante contendo documentos originais e livros, entre eles o Tratado de Pureza de Sangue, escrito em latim e datado de 1623 (o mais antigo do acervo), que consiste num manual com as diretrizes para os inquisidores identificarem os hereges, investigar os crist�os-novos e impor os supl�cios.
Em outra prateleira, se encontram os rolos de microfilmes dos processos sobre os condenados, de extrema utilidade para pesquisadores.
SERVI�O
Museu da Hist�ria da Inquisi��o
Rua C�ndido Naves, 55, Bairro Ouro Preto, na Regi�o da Pampulha, em BH. Telefone: (31) 2512-5194
Aberto de ter�a a sexta-feira, das 9h �s 16h
Entrada: R$ 10, com meia para idosos e crian�as (� recomend�vel idade acima de 10 anos)
Sites para consulta: www.anussim.org.br e www.museudainquisicao.org.br
Do banimento � chance de retorno
Numa das salas, em destaque o visitante ver� um pergaminho manuscrito com partes da Tor� (livro das escrituras sagradas judaicas), adquirido em Jerusal�m e que pertencera a judeus sefarditas marroquinos, no s�culo 16. “S�o palavras escritas em hebraico, da direita para a esquerda.
A Tor� � sempre manuscrita”, observa Marcelo, que professa o juda�smo messi�nico e descende do casal de primos em primeiro grau e crist�os-novos Maria Jos� da Silveira e Florentino da Costa Silva, que se estabeleceu em Mariana e depois migrou para o Leste de Minas, fundando a localidade de Sapucaia, em Caratinga.
O nome dos antepassados portugueses � a senha para Marcelo, que ocupa a cadeira 39 do Instituto Hist�rico e Geogr�fico de Minas Gerais (IHGMG), falar sobre o museu como fonte de refer�ncia para quem almeja a cidadania portuguesa – que ele j� conseguiu.
E o museu oferece consulta em banco de dados para o interessado pesquisar a sua genealogia. Em fevereiro de 2015, uma lei federal de Portugal, a 30A, garantiu o direito de retorno ao pa�s a todos os descendentes de judeus sefarditas de origem lusitana. “Sefardita vem a palavra Sefarad, que, em hebraico, quer dizer Espanha. Assim, ficaram conhecidos os judeus que viviam na Pen�nsula Ib�rica (Portugal e Espanha)”, explica.
A exposi��o � baseada na ordem cronol�gica das fases da Inquisi��o, durante o qual podem ser vistos objetos referentes aos h�bitos e costumes “her�ticos”, al�m de uma c�mara com r�plicas dos instrumentos de tortura.

Olhando os aparelhos de tortura, como o pol�, o potro, a guilhotina dos p�s e o garrote, o jovem est� certo de que “nada disso, em especial o �dio e a persegui��o, pode se repetir”.
A muse�loga Marilza de Oliveira Alves, lembra de grandes personagens da hist�ria universal que morreram durante a Inquisi��o, como o italiano Giordano Bruno (1548-1600). O frade, te�logo e fil�sofo foi para a fogueira por ter desafiado as ideias ent�o vigentes, entre as quais a de que a Terra era o centro do universo.
Marilza conta que, na Am�rica Latina, h� museus dedicados ao assunto tamb�m em Cartagena, Col�mbia, e no M�xico, sendo o de BH o �nico nos pa�ses de coloniza��o portuguesa. “Nem Portugal tem um museu espec�fico”, acrescenta Marcelo.
Programa��o
» Hoje
19h – Palestra da historiadora, doutora e muse�loga Neusa Fernandes, pioneira dos estudos no Brasil sobre a Inquisi��o em Minas no s�culo 18
Visita gratuita ao museu
» Amanh�
Visita guiada (gratuita) das 10h �s 15h
Garimpo de d�cadas
A curiosidade do fundador e presidente do Museu da Hist�ria da Inquisi��o, Marcelo Miranda Guimar�es, surgiu aos 13 anos. “Em casa, ouvi que �ramos descendentes de crist�os-novos portugueses e n�o parei mais de pensar nisso”, conta.
Adulto, formado em engenharia e alto executivo de uma multinacional sider�rgica alem�, ele come�ou a pesquisar com profundidade sobre o assunto no Arquivo Nacional Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal, durante o per�odo em que trabalhou na Alemanha e entre as idas e vindas ao Brasil.
A primeira cole��o pessoal, base da exposi��o, se formou aos 25 anos, ap�s ‘garimpo’ em antiqu�rios e leil�es em Toledo e Madri, na Espanha, e Porto, em Portugal. Com o tempo, outros objetos foram sendo adquiridos, at� o dia em que amigos sugeriram que o pequeno tesouro deveria ir para o museu.
E ent�o vieram doa��es de pe�as e cria��o da Associa��o Brasileira dos Descendentes de Judeus da Inquisi��o (Abradjin), que mant�m o museu e re�ne 1,5 mil associados.