Refugiadas da Venezuela desembarcam em BH e ser�o abrigadas pela arquidiocese
Grupo de 20 mulheres que deixaram o pa�s vizinho para fugir da grave crise pol�tica e social ficar� em casa de acolhida coordenada por jovem conterr�neo que tamb�m trocou seu pa�s pela capital mineira
postado em 07/01/2020 06:00 / atualizado em 07/01/2020 07:54
Grupo ser� amparado na Casa de Acolhida ao Migrante Boa Viagem, no Santu�rio Arquidiocesano da Boa Viagem (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 19/11/2018)
O novo ano traz � capital 20 venezuelanas – mulheres que formam o primeiro grupo composto apenas por refugiadas e que ser�o acolhidas pela Arquidiocese de Belo Horizonte. Elas chegar�o ao aeroporto internacional de Confins �s 20h30, num voo procedente de Boa Vista (RR). De acordo com a arquidiocese, trata-se do quarto grupo amparado na Casa de Acolhida ao Migrante Boa Viagem, no Santu�rio Arquidiocesano da Boa Viagem. Os primeiros refugiados venezuelanos desembarcaram em BH em fevereiro de 2019, e, durante o ano passado, mais dois grupos vieram.
A Casa do Migrante promove atendimento emergencial e tempor�rio para ref�gio, promo��o e inser��o social dos estrangeiros, em fun��o da situa��o pol�tica e social do pa�s vizinho. A iniciativa oferece alojamento completo, alimenta��o, material de higiene pessoal, roupas, aulas de portugu�s, acompanhamento psicossocial e atividades que proporcionam a inclus�o social e encaminhamento para o mercado de trabalho.
Em nota, a Arquidiocese de BH informa que, com a Casa do Migrante, espera contribuir para “a constru��o de um mundo justo e solid�rio, onde migrantes e refugiados tenham seus direitos garantidos e suas hist�rias e identidades respeitadas”. No domingo, �s 11h, haver� missa de acolhida na Boa Viagem, celebrada pelo reitor do santu�rio, padre Marcelo Carlos da Silva. “Vamos precisar de doa��es de material de limpeza, alimentos e produtos para higiene”, diz o padre.
Se para as 20 mulheres BH ser� um “novo mundo”, com a oportunidade de refazer a vida e pavimentar os caminhos, para conterr�neos pioneiros foi como encontrar um lar. Um exemplo est� na trajet�ria do jovem Rider Daniel Zerpa Romero que, em 1º de maio de 2018, chegava � capital mineira com a confian�a de que, daqui, poderia ajudar o pai, vi�vo, e as irm�s de 10 e 8 anos, garantindo a dignidade da fam�lia na Venezuela e “o p�o de cada dia”.
Rider Daniel Zerpa Romero, de 21 anos, coordenador da Casa de Acolhida ao Migrante Boa Viagem: "Estou com o cora��o l� e os p�s firmes em Minas" (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Os meses se passaram e o jovem, agora com 21 anos, residente no Bairro Boa Vista, na Regi�o Leste da capital, viu que o �nico jeito seria trazer os tr�s para morar com ele. Afinal, o pa�s estava tomado pelos conflitos, com mortos, feridos, combate nas ruas e desesperan�a no ar. “Muito triste”, lamenta o estudante de teologia na PUC Minas, portador da c�dula de identidade de estrangeiro, concedida pelo Brasil, e coordenador da Casa de Acolhida ao Migrante Boa Viagem, vinculada � Arquidiocese de BH e em funcionamento num im�vel do Santu�rio Arquidiocesano Nossa Senhora da Boa Viagem, na Regi�o Centro-Sul.
Saudade e dor
As not�cias sobre a Venezuela, mostradas pela tev� e portais de not�cias, sempre fazem os olhos de Daniel, como � chamado em BH, perderem o brilho. Mas acolher as conterr�neas � motivo de alegria. “Estou feliz. Ser� um novo momento para a Casa”, afirma o jovem, que sempre sente muita saudade dos amigos, da m�sica, do mar. “Estou com o cora��o l� e os p�s firmes em Minas”, revela o jovem de Barinas, no estado de mesmo nome, onde nasceu Hugo Ch�vez (1954-2013, ex-presidente do pa�s latino-americano e l�der da Revolu��o Bolivariana), e que saiu de casa aos 17 para garantir a sobreviv�ncia.
No jardim e no interior do Santu�rio da Boa Viagem, Daniel, fluente em portugu�s, conta a trajet�ria fora da terra natal. N�o se considera propriamente um refugiado, mas um migrante. Decidido a seguir o caminho religioso, ele foi para a vizinha Col�mbia, ingressando, em Bogot�, no semin�rio dos scalabrinianos (Congrega��o dos Mission�rios de S�o Carlos). “Fiquei tr�s anos, at� que veio a crise interior, enquanto a crise econ�mica aumentava na Venezuela. Como eu poderia ajudar meu pai e minhas irm�s, sem trabalhar? O carisma dos scalabrinianos � a migra��o, ent�o a sa�da era mesmo buscar 'uma sa�da” e enviar dinheiro para casa”.
Op��es
Lembrando dos tempos de inf�ncia em Barinas e a situa��o hoje na Venezuela, quando “o sal�rio m�nimo d� para comprar um frango e um quilo de caf�”, Daniel conta que o pai, advogado, era um oficial de alta patente e n�o conseguia manter a fam�lia com t�o poucos recursos. Al�m de tudo, n�o havia o que comprar, principalmente rem�dios, e o sistema de sa�de estava em frangalhos. “Enquanto eu fazia tr�s refei��es por dia, no semin�rio, os tr�s quase passavam fome. Ficava muito triste, e a� surgiram tr�s op��es a seguir: It�lia, Peru e Estados Unidos. Foi ent�o que um padre chamado Maur�cio, mineiro, falou que o melhor seria vir para o Brasil. E citou tr�s motivos: “Um pa�s que acolhe bem os estrangeiros, com uma pol�tica migrat�ria flex�vel para imigrantes e onde se poderia ter uma carteira de trabalho”.
At� chegar a BH, o jovem viajou uma semana. Saiu de Bogot�, atravessou a Venezuela e chegou a Paracaimo, em Roraima, com passaporte, em tr�s dias de �nibus. A rota seguinte, por avi�o, foi a ida para Manaus (AM) e Belo Horizonte, com passagens pagas por um religioso. Embora tivesse feito contato com a Arquidiocese de BH, Daniel explica que a chegada ao Brasil “tinha que ser por terra”. Primeiro, o venezuelano foi para uma par�quia na capital mineira at� se tornar coordenador de setor na Arquidiocese de BH. Sereno, Daniel conta que quer muito ajudar outras pessoas. “Ningu�m te impede de sair, mesmo com fronteiras fechadas. Mas � necess�rio pagar uma taxa de R$ 150, cobrada por alguns militares da Venezuela. Imagina pagar esse valor num pa�s com o sal�rio m�nimo t�o baixo”, afirma.
Cada not�cia que chega da Venezuela parece uma seta lan�ada no cora��o do jovem. “Quero, um dia, voltar a viver no meu pa�s, mas n�o nessas condi��es. No in�cio, a proposta de Ch�vez era boa, de ajudar os pobres, mas perdeu o rumo, levou o pa�s � mis�ria, mesmo com petr�leo. Temos que sobreviver, meu pai arranjou trabalho nos servi�os gerais de uma escola e agradecemos pelo emprego. Que nunca nos falte o p�o, o trabalho e o cora��o acolhedor dos fi�is”.
Ao falar a �ltima frase, Daniel retoma o brilhos nos olhos. E agradece todo o apoio recebido em BH, em especial o da Igreja Cat�lica, tanto para ele como para 13 venezuelanos que conseguiram emprego na capital, Tiradentes, na Regi�o do Campo das Vertentes, e Carmo do Cajuru, no Centro-Oeste. “Se tenho a lamentar sobre meu pa�s, s� tenho a agradecer ao Brasil”. Com a urg�ncia de quem aprendeu a falar portugu�s em dois meses, “pela necessidade”, Daniel guarda uma palavra que abre seus caminhos e fala � capital mineira: “Obrigado”.