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Estado de Minas XENOFOBIA

Coronav�rus: humanidade sempre procura um culpado para pandemias

Hist�ria traz v�rios exemplos da necessidade de relacionar doen�as a nacionalidades, como a gripe espanhola


postado em 12/05/2020 04:00 / atualizado em 12/05/2020 19:49

A gripe espanhola recebeu esse nome devido à neutralidade do país na Primeira Guerra Mundial(foto: Reprodução/Rawpixel)
A gripe espanhola recebeu esse nome devido � neutralidade do pa�s na Primeira Guerra Mundial (foto: Reprodu��o/Rawpixel)

Gripe espanhola, mexicana, francesa, alem�, russa e africana. O que n�o faltam na hist�ria da humanidade s�o doen�as atribu�das a pa�ses e regi�es. Desta vez, para somar � conta, o mundo ganha mais uma: a gripe chinesa ou, para os menos radicais, COVID-19. Atualmente, em meio a uma pandemia que j� matou mais de 200 mil seres humanos, pessoas de todo o mundo insistem em atribuir ao novo coronav�rus uma nacionalidade. E na hist�ria h� v�rios exemplos semelhantes. Ao longo dos s�culos, v�rus se tornaram pe�as de disputas pol�ticas e motiva��es para discursos de �dio. O Estado de Minas analisou jornais de 1918, �poca da chamada 'gripe espanhola', e conversou com estudiosos para entender o porqu� dessa obsess�o pelo estrangeiro.

Em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, muito se discutiu sobre a origem de um v�rus misterioso que se espalhava ao redor do mundo. A Espanha, que vinha de neutralidade no conflito armado, acabou sendo v�tima. Isso porque, conforme explica a historiadora Anny Torres, sem a participa��o na guerra, o pa�s n�o censurava publica��es de jornais, que conseguiam noticiar o avan�o da doen�a dentro das fronteiras espanholas. Enquanto isso, a imprensa de outras regi�es n�o conseguia registrar a real situa��o.

“Por esse motivo, outros pa�ses fizeram refer�ncia � Espanha. O curioso � que os espanh�is falavam que era uma gripe francesa. Cada pa�s atribu�a o v�rus a uma nacionalidade”, explica Anny.

Com �nimos ainda mais exaltados diante da guerra, jornalistas e escritores da �poca faziam quest�o de levantar a hip�tese de o v�rus ter sido criado pela Alemanha, que, em 1918, j� estava mais pra l� do que pra c� no conflito. Em 24 de setembro do mesmo ano, o jornal de Juiz de Fora O Pharol noticiava: “A mysteriosa influenza hespanhola – que afinal bem pode ser mais um infame produto da infinita barbaria allem� – j� matou em Dakar cincoenta e tantos marinheiros e officiaes da esquadra brazileira enviada a combater os submarinos allem�es (sic)”.
(foto: Reprodução/Biblioteca Nacional )
(foto: Reprodu��o/Biblioteca Nacional )


Quase um m�s depois, em 20 de outubro, o jornal atacava a Pr�ssia, extinto estado-na��o que abrangia territ�rio hoje belga, tcheco, dinamarqu�s, alem�o, lituano, holand�s, polon�s, russo e su��o. “A malvada que por ahi anda, talvez com apoio de germanophilos que entendem que habitamos os dom�nios do Atilla actual, � prussiana. Sobre ella, pois, o anathema (an�tema) redobrado da civiliza��o (sic)”.

Conforme not�cia veiculada tamb�m no O Pharol, jornais americanos chegaram a divulgar que os Estados Unidos sabiam que “agentes allem�es, desembarcados de submarinos, foram encarregados de espalhar os germens da grippe hespanhola, disseminando-os pelos theatros e outros pontos de reuni�o da America (sic).”

''A tend�ncia do v�rus � promover uma retribaliza��o, n�s estamos formando pequenas tribos e com muita restri��o � proximidade''

Cl�udio Paix�o, professor da Universidade Federal de Minas Gerais



Mas em meio a tantas atribui��es sem nexo e sem prova, ainda havia tempo para humor. Em uma coluna chamada “Em Cinco Minutos…”, um jornalista da �poca ressaltava as belezas e as grandiosidades da Espanha e alertava: “Na glori�sa terra de Cervantes, � sabido, tudo tem propor��o sem similar em parte alguma…. se � uma flor, seu perfume � t�o forte que p�e um mortal adormecido por mais de vinte e quatro horas; se � uma doen�a, uma simples dor de dente, ou torna c�xa sua victima ou mata... uma hespanhola s� tem uma competidora: outra hespanhola”.

A necessidade de atribuir a gripe a uma nacionalidade parou em Portugal e, por incr�vel que pare�a, tamb�m nos Estados Unidos. No pa�s europeu, a gripe � chamada de pneum�nica. J� nos EUA, h� quem a chame de “Spanish flu”, mas o nome correto � “flu pandemic”.

“V�rus chin�s”

De fato, h� estudos e teorias que apontam que o governo de Xi Jinping possa ter segurado informa��es sobre o tamanho real da situa��o da COVID-19 no pa�s ou, at� mesmo, falhado na condu��o do combate � doen�a. No entanto, em muitas ocasi�es, os ataques passam da linha cr�tica e se tornam xenof�bicos, como j� relatado por estrangeiros ao redor do mundo.

Capa da revista alemã Der Spiegel retratou atribuiu o vírus à China(foto: Reprodução/ DER SPIEGEL)
Capa da revista alem� Der Spiegel retratou atribuiu o v�rus � China (foto: Reprodu��o/ DER SPIEGEL)
Em v�rias ocasi�es, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se referiu � pandemia como “v�rus chin�s”, creditando a doen�a ao pa�s que primeiro registrou o cont�gio. Associa��es semelhantes foram feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) e pelo Ministro da Educa��o, Abraham Weintraub. Em meio aos ataques, a Organiza��o Mundial da Sa�de faz quest�o de excluir qualquer refer�ncia a lugares, quando se trata do nome da doen�a.

“No in�cio do coronav�rus, fizemos refer�ncia � gripe como se fosse a 'gripe da China' ou a 'gripe de Wuhan'. Mas a pr�pria OMS decidiu que n�o temos que nomear esse tipo de epidemia ao nome do lugar, justamente para n�o fazermos essa associa��o entre uma determinada comunidade com a doen�a”, explica a historiadora Anny Torres. Ela tamb�m cita o exemplo da gripe su�na, que inicialmente foi chamada de gripe do M�xico.

No s�culo 16, a s�filis foi creditada pelos europeus como uma doen�a francesa, enquanto na Fran�a, ela era tratada como italiana.
 

Obsess�o humana

(foto: Reprodução/Pxhere)
(foto: Reprodu��o/Pxhere)
Mas, afinal, porque tendemos a associar os v�rus e pandemias a nacionalidades? De acordo com o doutor em psicologia social e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Cl�udio Paix�o, isso tudo est� relacionado ao que a psicologia chama de proje��o. Ou seja, atribu�mos o erro ao outro, para n�o nos responsabilizarmos por nada.

“No caso da pandemia, em que o v�rus viaja de um lugar para o outro, a tend�ncia � que as pessoas fa�am isso. Aquela pessoa que vem de fora � vista como uma amea�a. Isso para a economia ps�quica � f�cil, eu acuso algu�m e a� me livro do problema, a responsabilidade � do outro”, comenta o professor.

O psic�logo ainda alerta para o que vem depois do v�rus. Isso porque, segundo ele, momentos como este s�o bastante prop�cios a polariza��es. “A tend�ncia do v�rus � promover uma retribaliza��o, n�s estamos formando pequenas tribos e com muita restri��o � proximidade. Imagina um desconhecido que entra no seu pr�dio, algu�m que tem um estere�tipo diferente do seu. A amea�a que � representada por algu�m que vem de fora acaba sendo potencializada nessa situa��o”, explica.


Informa��o e autoconsci�ncia


Por mais que essa amea�a prim�ria seja algo normal do comportamento humano, � necess�rio refutar essa conduta. Em um mundo t�o globalizado como o atual, pr�ticas xenof�bicas est�o longe de ser aceit�veis e devem ser recha�adas toda vez que aparecerem. Conforme explica Paix�o, h� duas maneiras de lutar contra esse sentimento de repugn�ncia: informar e conscientizar.

“� importante que tenhamos uma autoconsci�ncia e uma percep��o muito grande do que � que a gente sente e do que temos medo para aprender a trabalhar com essas quest�es. Uma coisa � eu ter medo de me contaminar, mas a outra � responsabilizar o outro ou torn�-lo uma amea�a. O outro m�todo � a informa��o: no caso do coronav�rus, � importante saber que ele teve origem naquela regi�o, mas que na realidade os chineses tamb�m s�o v�timas. � um caminho racional”, finaliza.

*Estagi�rio sob supervis�o do editor �lvaro Duarte


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