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Estado de Minas COVID-19

O desafio gigante dos novos m�dicos no combate � pandemia

Em meio � ang�stia, � dedica��o e � supera��o, residentes contam como est�o enfrentando a maior guerra sanit�ria dos �ltimos cem anos no pa�s


30/08/2020 04:00 - atualizado 30/08/2020 07:35

Paulo César de Abreu Sales, professor e preceptor de anestesiologia do Hospital Universitário Ciências Médicas de Minas Gerais, e Bárbara Saldanha, médica residente, a um ano de concluir no HUCM-MG sua especialidade em anestesiologia (foto: ARQUIVO PESSOAL)
Paulo C�sar de Abreu Sales, professor e preceptor de anestesiologia do Hospital Universit�rio Ci�ncias M�dicas de Minas Gerais, e B�rbara Saldanha, m�dica residente, a um ano de concluir no HUCM-MG sua especialidade em anestesiologia (foto: ARQUIVO PESSOAL)

A sabedoria, a sapi�ncia e a sagacidade de Caetano Veloso nos deram de presente: “Cada um sabe a dor e a del�cia de ser o que �”. E asseguro que ser m�dico d�i. Ainda que a escolha parta (ou deveria partir!) de uma estirpe que carregue virtudes inerentes a poucos seres humanos, moldados para vivenciar o sofrimento que faz parte dessa escolha.

Prontos a lidar com a doen�a e a morte sem perder a ternura, a sensibilidade e entrar em desespero diante das ang�stias frente aos pacientes. Mesmo sabendo que, muitas vezes, ser�o incapazes de mudar o destino dos que lutaram para salvar a vida.

No enfrentamento da pandemia do novo coronav�rus, os profissionais da sa�de diariamente s�o colocados � prova. Levados � exaust�o. Uma categoria, em especial, a dos m�dicos residentes, no in�cio da viv�ncia em medicina, do dia para noite, se viram diante do maior desafio mundial da sa�de e postos a agir.

Como ser� que est�o atuando? Quais as dores, desafios, medos, afagos, obst�culos e aprendizado em suas rotinas? E as consequ�ncias para esses profissionais?

Para os pacientes, al�m de toda expertise t�cnica que esperam, a esperan�a � de que esses profissionais sigam o que, com maestria e excel�ncia, definiu o m�dico, professor e pesquisador norte-americano Tinsley Harrison, uma das figuras da �rea de sa�de mais importantes do s�culo 20: “As maiores oportunidades, responsabilidades ou obriga��es que podem recair sobre um ser humano consistem em ser m�dico. Para tratar de um doente, ele necessita de habilidade t�cnica, conhecimento cient�fico e compreens�o humana. Empregando esses atributos reunidos a coragem, humanidade e prud�ncia, ele proporcionar� um servi�o �nico aos seus semelhantes e contribuir� para a forma��o s�lida de seu pr�prio car�ter. O m�dico n�o deve pedir mais do que isso ao seu destino e nem se contentar com menos”.

Mas para ser este m�dico, como tamb�m � um ser humano, ele precisa ser cuidado, porque tem limites, demandas e sentimentos. O m�dico Paulo C�sar de Abreu Sales, professor e preceptor de anestesiologia do Hospital Universit�rio Ci�ncias M�dicas de Minas Gerais (HUCM-MG), tem sob sua responsabilidade 18 m�dicos residentes, dos quais sete foram infectados pela COVID-19, inclusive ele.

Nada que os desencorajassem: “Trabalho com resid�ncia m�dica h� 25 anos e este momento � absolutamente novo para todo mundo, desafio grande, como se interrompesse o treinamento dos mais jovens para desvi�-los para outras fun��es, tendo que conviver com uma doen�a com pouco conhecimento. Claro, criou-se uma situa��o de ang�stia e a rea��es distintas”.

Conforme Paulo C�sar, as maneiras como as pessoas enxergam a situa��o � diferente: “H� m�dicos jovens que t�m o sonho da medicina, querem enfrentar o momento e est�o dispostos a fazer o melhor. E um grupo menor que tem medo, o que � natural, est�o come�ando a vida, da� querem se afastar, t�m um sintoma e acham que est�o contaminados. Mas a maioria deles est� determinada, decidida, prontas at� a perder o ano na faculdade na especialidade que escolheram, diminuir a carga hor�ria, para combater o desconhecido, para o que n�s, m�dicos, fomos forjados, a responsabilidade de ser m�dico. Ent�o, h� esta ant�tese. Dos 18 residentes sob minha responsabilidade, sete foram infectados atendendo nas UPAs, dando diagn�stico, no CTI, fazendo seu trabalho, apesar de toda prote��o e cuidado. O risco existe. Mas � muito bom ver que eles acreditam no preceito de ajudar o outro”.

A m�dica residente B�rbara Saldanha de Herculano, a um ano de concluir no HUCM-MG sua especialidade em anestesiologia (s�o tr�s anos), explica que, no in�cio, com tudo t�o incerto, teve medo. Mas buscou a tranquilidade e a prote��o para atuar na profiss�o que escolheu desde crian�a: “Fui me adaptando ao que estamos vivendo. Levamos bem. Preocupados, mas tentando ajudar. O pior � a dist�ncia da fam�lia, que mora no interior e estou longe h� meses.”

Para B�rbara, quando tudo isso passar, a maior li��o que levar� para a vida � a seguinte: “A empatia, sentir o que o outro passa, ver a dificuldade, se colocar no lugar do outro. A pandemia nos torna mais humanos, um saber al�m da t�cnica. E s� a adquirimos com a viv�ncia, no trato com os pacientes e as fam�lias, a miss�o de acalm�-los, levar seguran�a. Ao escolher a medicina nunca imaginei passar por isso, mas consigo estar feliz ao ver o qu�o podemos ser �teis e fazer a diferen�a na vida do paciente. Um grande aprendizado como m�dica e ser humano”.

Eduardo Gon�alves Ferreira, m�dico residente da Santa Casa em cl�nica m�dica, a 18 meses para finalizar a resid�ncia, confessa que a escolha pela profiss�o � algo que ainda n�o elucidou completamente: “N�o tive aquela voca��o cl�ssica que a maioria dos estudantes tem desde pequenos. Isso se reflete no fato de eu ter cursado engenharia por dois anos antes de ingressar na medicina. Acredito que a oportunidade de conhecer profundamente e de influenciar positivamente a vida de outra pessoa, bem como o grande leque de diferentes tipos de atua��es e especialidades tenham sido os principais motores de minha escolha. Dentro deste contexto, a escolha da especialidade n�o foi t�o complicada, uma vez que a cl�nica m�dica, sendo especialidade geral e de contato direto com o paciente, se encaixa perfeitamente nesses atrativos”.

Diante da COVID-19, Eduardo Gon�alves destaca que, por ser uma doen�a nova e ainda sem tratamento, � um grande desafio para toda a �rea da sa�de. “� verdadeiramente angustiante ser, muitas vezes, espectador da piora cl�nica de um paciente quando se esgotam todas as possibilidades terap�uticas dispon�veis. Por�m, novas possibilidades promissoras come�am a sair do papel. S� n�o podemos nos esquecer de um dos principais princ�pios da medicina: Primum non nocere: primeiro, n�o prejudicar. Por isso, � necess�rio muita cautela bem como se respeitar todas as etapas de seguran�a ao propor novo tratamento.”

Para Eduardo, a ang�stia principal de toda a classe m�dica � a incerteza. “N�o temos resposta exata para muitas de nossas perguntas atualmente: quando surgir� um tratamento realmente eficaz? Quando nossas vidas v�o voltar ao normal? Nossas vidas, realmente, v�o voltar ao normal? Perderei algum amigo pr�ximo ou membro de minha fam�lia? Convivendo e trabalhando diariamente com pessoas infectadas, esse sentimento aumenta de maneira exponencial.”

Esta profus�o de questionamentos e d�vidas soma-se ao fato de que muitos colegas, enfatiza Eduardo, t�m se privado do conv�vio familiar h� v�rios meses, inclusive ele, bem como de intera��es sociais presencias. “Tudo isso gerou rela��es profundas entre n�s, residentes, uma esp�cie de conex�o a dist�ncia. Todos os dias compartilhamos experi�ncias, ang�stias, medos e isso � essencial para a sobreviv�ncia nesse contexto: utilizamos nossa conviv�ncia dentro do hospital para suprir essa demanda emocional.”

Eduardo refor�a que, sem sombra de d�vidas, ser m�dico em um contexto in�dito de pandemia � desafiador, por�m ao mesmo tempo gratificante. “Desde o in�cio, entendemos nossa situa��o especial pela faixa et�ria e a maioria se voluntariou para atuar na linha de frente da pandemia. Acompanhamos as mudan�as na din�mica da resid�ncia, o perfil dos pacientes, a mudan�a nas rela��es sociais. Nossa gera��o de m�dicos ficar� marcada pela incerteza de que uma doen�a nova e sem tratamento pode causar. Levarei como ensinamento principal a finitude e fragilidade de nossas vidas.”

Eduardo Gonçalves Ferreira, médico residente da Santa Casa(foto: CHRISTIANO SENNA/SCBH)
Eduardo Gon�alves Ferreira, m�dico residente da Santa Casa (foto: CHRISTIANO SENNA/SCBH)

Estudo aponta risco para sa�de mental


Pesquisadores da �rea de psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de Bras�lia e do Hospital Universit�rio de Bras�lia (HUB) desenvolveram estudo para analisar o impacto do trabalho de enfrentamento � COVID-19 na sa�de mental dos profissionais da sa�de.

Eles avaliaram o comportamento de m�dicos residentes do HUB envolvidos, entre abril e junho, no atendimento de pacientes com suspeita da doen�a, com o objetivo de identificar poss�veis quadros de ins�nia, depress�o e ansiedade.

De acordo com o professor de psiquiatria da FM Lucas Brito, que integra o grupo de pesquisadores, o medo intenso de se infectar, de contaminar entes queridos e de serem estigmatizados como transmissores da doen�a por parte da popula��o, s�o fatores que aumentam os n�veis de estresse desses profissionais.

Dados preliminares da pesquisa apontam que, entre os tr�s dist�rbios analisados, a ansiedade � a que mais afeta. Parte disso se deve ao medo de contaminar familiares. Cerca de 25% dos m�dicos residentes que responderam � pesquisa afirmaram j� ter cogitado trocar de especialidade devido � pandemia.

Frank Alvino Lima da Silva, médico residente em ortopedia no Hospital da Baleia
Frank Alvino Lima da Silva, m�dico residente em ortopedia no Hospital da Baleia


Os sintomas mais presentes

  • Ansiedade: incapacidade de relaxar, medo de que aconte�a o pior e nervosismo
  • Depress�o: cansa�o, dificuldade para se concentrar, pouco interesse e sentir-se mal consigo mesmo
  • Ins�nia: qualidade geral do sono prejudicada e sonol�ncia diurna
  • Outros: sobrecarga assistencial, superexposi��o ao v�rus, dificuldades de enfrentamento a algo t�o novo, do qual pouco se sabia, suspens�o das atividades de ensino (para estudantes e residentes) e mudan�a radical nas rotinas dos servi�os.
Fonte: Faculdade de Medicina da Universidade de Bras�lia e Hospital Universit�rio de Bras�lia (HUB)

Raquel Moreira Greco Cosso, médica residente da Santa Casa
Raquel Moreira Greco Cosso, m�dica residente da Santa Casa

Inspira��o dentro de casa

 

Raquel Moreira Greco Cosso, m�dica na Santa Casa de Belo Horizonte, com um ano e seis meses pela frente de resid�ncia, lembra que, quando pequena, dizia � m�e, m�dica que vivia trabalhando longas jornadas e sem muito tempo dispon�vel para a fam�lia, que jamais faria medicina.

“Mas, com o tempo, aprendi o quanto ela amava a profiss�o, se envolvia e se dedicava e isso serviu de grande inspira��o para a minha escolha. Quando decidi que faria medicina, soube que n�o poderia ter escolhido outra carreira. E a cl�nica m�dica me conquistou porque sempre gostei de ter contato direto com os pacientes, conversar e entender os seus problemas e tentar ajudar a resolv�-los da melhor forma.”

Raquel conta que, no in�cio da resid�ncia, jamais poderia imaginar as mudan�as que o hospital sofreria em t�o pouco tempo. “Tivemos grandes reformas para receber os pacientes infectados, aumentando o n�mero de leitos dispon�veis, perdemos importante espa�o de atendimento inicial aos doentes do hospital geral e tivemos grandes altera��es no formato dos plant�es os quais est�vamos acostumados. Todo processo de mudan�a gera ansiedade e incertezas e necessita de tempo para adapta��o.”

Para a residente, em uma pandemia em que se espera que 80% da popula��o se infecte e que parte dessas pessoas sejam assintom�ticas ou apresente sintomas leves, todos se tornam suspeitos. “Assim, n�o � incomum nos envolvermos com doentes de alta complexidade, que se internam por diversos motivos e que passam a apresentar, ap�s alguns dias, sintomas sugestivos de infec��o por COVID-19. Por outro lado, � gratificante quando atendemos no ambulat�rio pacientes que acompanhamos durante a interna��o e apresentam melhora importante ap�s a infec��o.”

Raquel revela que � uma das suas maiores preocupa��es em rela��o � pandemia � de representar risco para os pais, com quem mora. “Al�m disso, ir para o hospital e, principalmente, para os plant�es nos quais o atendimento aos pacientes suspeitos da COVID-19 � mais frequente, tem gerado muita ansiedade. Vi v�rios colegas residentes sendo infectados e ainda me preocupo em ser a pr�xima afastada do grupo. Esses afastamentos acabam sobrecarregando o servi�o, pois os colegas t�m que assumir as fun��es pelas quais o residente afastado � respons�vel, sobrecarregando ainda mais uma rotina que j� � bastante complexa.”

Antes de iniciar a resid�ncia, Raquel afirma que j� imaginava que a curva de aprendizado m�dico seria muito grande. “Mas a pandemia trouxe � tona alguns valores que, muitas vezes, n�o ficavam t�o evidentes. Precisamos aprender a trabalhar em equipe, a respeitar o colega e ajud�-lo sempre que poss�vel. E nos tornamos dependentes de uma conviv�ncia cordial para que o trabalho desenvolvido consiga ser bem-feito.”

Raquel alerta tamb�m que a pandemia lembra constantemente que a medicina n�o � capaz de solucionar todas as doen�as existentes. “E m�dico detesta se sentir impotente! Temos sido desafiados a aprender a oferecer conforto para as fam�lias, quando n�o temos respostas completas sobre a evolu��o dos pacientes.”

MADUROS E CAPACITADOS

Frank Alvino Lima da Silva, de 31 anos, escolheu a ortopedia como especialidade m�dica e atua desde mar�o de 2019 no Hospital da Baleia. S�o tr�s anos para concluir a forma��o. Como a institui��o prima pelo tratamento multidisciplinar, o seu contato com pacientes infectados pelo Sars-CoV-2 pode ocorrer desde a primeira consulta.

J� recebeu casos de paciente com fratura ou mesmo no pr�-operat�rio e descobriu-se a presen�a do v�rus, ou naqueles internados que enfrentam doen�as ortop�dicas, de uma dor de coluna a feridas pelo tempo acamado. Assim como os pacientes da di�lise, que apresentam doen�as ortop�dicas, � comum o rompimento de tend�es, os idosos com osteoporose e os que necessitam de cuidados paliativos.

“Lidamos com uma doen�a recente, h� muitas incertezas seja diante da conduta m�dica, no cuidar do paciente e at� mesmo com a nossa seguran�a pessoal. Ela n�o tem uma face bem definida. No hospital, todos est�o em contato constante e, claro, nos aflige. No entanto, nossa fun��o � responder a todas as necessidades do paciente e nos cuidarmos integralmente diante da diversidade. Houve mudan�a de h�bito, �culos e m�scara s�o indispens�veis, e o aprendizado � rico. O medo existe, mas n�o fomos formados para nos acovardar no momento em que o paciente mais precisa de n�s”, enfatiza o residente. Para Frank, no fim, o saldo ser� “de grande maturidade e capacidade diante de situa��es at�picas. O mais importante, acredito, � que passaremos a ter confian�a de que conseguimos superar momentos dif�ceis.”

QUATRO perguntas para...

Sarah Maciel, 31 anos, m�dica residente de medicina de emerg�ncia HC/UFMG, atua no Hospital das CL�nicas, Hospital Metropolitano Dr. C�lio de Castro, Hospital Odilon Behrens e UPA Centro-Sul

Por que quis ser m�dica? O que a moveu?

Desde a inf�ncia, me interessava pelo trabalho do meu pai, que � cirurgi�o, muito querido por sua t�cnica e por ser humano e acolhedor com seus pacientes. Quando pequena, meu passatempo favorito era ir com ele ao hospital nos fins de semana, mesmo que fosse para ficar na portaria esperando. Na escola, me apaixonei pela biologia, pelo corpo humano. Ent�o, � medida que fui crescendo, a medicina veio como decis�o natural, no sentido de unir o cuidado e a empatia ao estudo da ci�ncia.

Como tem sido seu trabalho na linha de frente no trato com pacientes infectados com a COVID-19? O que mais a tem impactado?
Trabalho em um CTI e em algumas salas de emerg�ncia de BH. Alguns locais exclusivos para pacientes com COVID-19. Como trabalho com os pacientes graves, vejo a pior face da doen�a, mesmo com boas estruturas hospitalares, com respiradores, medica��es, equipe multidisciplinar etc. Os procedimentos nesses pacientes s�o muito arriscados, pois a oxigena��o deles est� muito comprometida. Muitas vezes, mesmo ap�s conectados a um respirador, essa oxigena��o n�o melhora, fazendo com que os �rg�os do corpo n�o funcionem corretamente e ent�o tudo se complica ainda mais. S�o dif�ceis de sedar, de se adaptarem ao ventilador. Muitos acabam evoluindo para uma interna��o prolongada, com insufici�ncia renal, infec��es hospitalares etc. N�o existe medica��o que mate o v�rus, apenas o suporte e as medica��es que ajudam o corpo a elimin�-lo. Mesmo assim, �s vezes o corpo n�o aguenta. Muitos v�o a �bito, muitos ficam com sequelas graves. A not�cia do �bito � sempre arrasadora, porque muitos familiares viram seus parentes h� semanas e n�o poder�o se despedir, uma vez que existe protocolo rigoroso regulando o transporte, vel�rio e enterro desses pacientes. Tudo se torna mais frio e impessoal.

Pessoalmente, como tem lidado com a pandemia? Quais os medos, anseios, desafios que a doen�a desperta logo no in�cio da sua carreira?
Em qualquer que seja o local, o trabalho acontece sob um n�vel mais elevado de tens�o, pois todos t�m medo de se contaminar, uma vez que n�o se pode excluir a possibilidade de COVID-19 mesmo em um paciente que n�o tem sintomas. Num ambiente com pacientes confirmados, voc� come mal, n�o se hidrata, vai pouco ao banheiro, n�o tira o EPI em nenhum momento. Essa preocupa��o com a contamina��o deixa o trabalho muito mais pesado, tenso, porque, na maior parte das vezes, voc� pensa em como fazer para n�o contaminar as pessoas que voc� ama, para que elas n�o passem por aquilo que os seus pacientes est�o passando. Vi meus pais duas vezes desde o in�cio do isolamento, de longe, sem contato f�sico e mesmo assim com medo. Tamb�m � angustiante essa incerteza, de n�o saber quando (ou se) isso vai passar de vez, o que vir� depois disso tudo. � revoltante ver que diante de todo o esfor�o dos profissionais, do sofrimento dos pacientes e do desespero da popula��o desempregada, alguns governantes ignorem a ci�ncia, os dados, as orienta��es globais. Voc� se sente impotente, nadando contra a corrente.

Depois que tudo passar, que li��es acredita que ficar�o? Como acha que se sair� como m�dica depois de enfrentar situa��o t�o limite?
Venho aprendendo muito, porque esses pacientes exigem muito estudo. � prov�vel que outras pandemias venham a acontecer, ent�o um aprendizado adquirido agora poder� ser de grande valia no futuro. Ficar�o marcas, mas acho que mais forte em alguns aspectos.

DEPOIMENTO

Eterno tatear

“O in�cio da carreira � um per�odo que assombra todo rec�m-formado. Come�ar a caminhar com as pr�prias pernas, sem a supervis�o direta de um professor, e assumir a responsabilidade sobre o tratamento e a vida de um paciente fazem com que percamos o sono constantemente. Somado a todas as inseguran�as dos primeiros plant�es, lidar com uma pandemia �, no m�nimo, inusitado. N�o h� prepara��o na gradua��o, n�o h� protocolos bem definidos, o trabalho se torna um eterno “tatear”, tanto em quest�es t�cnicas ou em lidar com emo��es, as nossas e dos pacientes. As demandas aumentam, pacientes com outras doen�as chegam mais graves – afinal, h� um medo disseminado em procurar o pronto-atendimento –, as perdas acontecem. Vi colegas desistirem de seus empregos – por medo ou para resguardar seus entes. Vi colegas se engajando cada vez mais na busca de melhores condutas e otimizar a assist�ncia ao paciente. Assisti de perto � aproxima��o e uni�o da equipe de sa�de em um per�odo em que o contato f�sico se tornou algo distante. A vigil�ncia constante se tornou rotina, e as m�scaras, antes t�o inc�modas, agora comp�em naturalmente o uniforme de cada dia. Quando nos questionam sobre o medo de adoecer, de acontecer o pior, muitos se surpreendem com minha facilidade em responder: o importante � cumprir com meu trabalho. Ap�s seis anos de gradua��o, repletos de dificuldades, obst�culos, aprendizado m�dico e humano, exemplos incont�veis de servir e cuidar do pr�ximo (aos meus mestres, que infelizmente n�o consigo nomear todos, meu muito obrigada), acredito piamente que cumprir com o juramento que me foi confiado � um dever maior que qualquer medo ou inseguran�a. Ser m�dico, em frente � pandemia ou simplesmente no dia a dia do sistema de sa�de brasileiro, � um lembrete constante de Hip�crates: ‘Dedicar a vida a servi�o da humanidade, ter a sa�de do paciente como primeira preocupa��o e manter, por todos os meios ao nosso alcance, a honra da profiss�o m�dica’.”

Jade Tomazelli, m�dica generalista formada em janeiro de 2020, atua no pronto-atendimento (UAI), em Uberl�ndia

Jade Tomazelli, médica generalista, atua no pronto-atendimento em Uberlândia(foto: Arquivo pessoal)
Jade Tomazelli, m�dica generalista, atua no pronto-atendimento em Uberl�ndia (foto: Arquivo pessoal)


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