Santa Maria de Itabira, a cidade que vive uma trag�dia e chora os mortos

Santa Maria de Itabira amanheceu no notici�rio pela trag�dia que se abateu sobre a cidade: as fortes chuvas fizeram encostas ca�rem sobre algumas casas e o Rio Girau, que � s� um filete de �gua em tempos de seca, agigantou-se e tomou o munic�pio. Muita gente perdeu o pouco que tinha. Duas mortes foram confirmadas e pelo menos quatro pessoas ainda est�o desaparecidas.

Toda trag�dia � uma trag�dia, e toda morte � sentida. Mas no interior o choro � coletivo. Nas grandes cidades, as mortes s�o quase sempre an�nimas. S�o pessoas distantes que partiram. A dor n�o � t�o grande para todo mundo. No interior, a cidade se sente enlutada como um todo. Por ser um munic�pio de 10.836 habitantes, segundo o IBGE de 2018, as v�timas da chuva s�o amigos, parentes e conhecidos.

O autor que subscreve este texto conhece bem a cidade. Nasci em Itabira em 1989, porque Santa Maria n�o tem maternidade. Sempre morei na cidade, onde fiz meus melhores amigos e guardo lembran�as incr�veis da inf�ncia. A mudan�a para Belo Horizonte veio em 2007 para estudar. Pais, av� materna, tias e bons amigos ainda est�o por l�. Uma tia viu a casa rec�m-reformada praticamente submersa. O im�vel onde morei na inf�ncia virou continua��o do rio.

Santa Maria ainda � a t�pica 'Cidadezinha Qualquer' de Carlos Drummond de Andrade - n�o d� pra dizer que ela tenha sido a inspira��o do poeta itabirano, porque s� surgiu em 1943, treze anos depois da publica��o do livro 'Alguma Poesia'. O munic�pio da regi�o Central, a 30 km de Itabira e a 130 km de Belo Horizonte, ainda tem 'casas entre bananeiras / mulheres entre laranjeiras / pomar amor cantar'.

Embora alguma modernidade tenha chegado � cidade, Santa Maria vive no ritmo do poema de Drummond: 'Um homem vai devagar / Um cachorro vai devagar / Um burro vai devagar / Devagar... as janelas olham/ Eta vida besta, meu Deus'. Neste domingo, isso mudou. A vida besta, parada, tranquila, virou vida triste para todo mundo. Santa Maria ganhou as manchetes pela sua dor.

Na madrugada de domingo, as informa��es j� corriam pelos grupos de WhatsApp. A �gua invadiu as casas dos bairros que margeiam o Rio Girau: Lambari, Nova Santa Maria, Centro, Conselho e Po��o. Muita gente acordou sentindo a �gua no corpo. J� n�o dava tempo de salvar nada: eletrodom�stico, guarda-roupa, carro, TV, cama, roupa. Uma vida toda indo embora com o rio. Im�veis no Bairro Po��o, que fica pr�ximo a uma encosta, foram soterrados. Nesta manh� de domingo, o Corpo de Bombeiros conseguiu resgatar sobreviventes. Escolas ficaram destru�das; o com�rcio no centro da cidade foi atingido.

Santa Maria � conhecida na regi�o por ser continua��o da MGC-120, onde precisa passar quem vai para as regi�es de Guanh�es, Passabem, Ferros, �gua Boa, Rio Vermelho. A estrada ficou interditada pelos deslizamentos de terra.

Na cidade, nasceu o compositor Jos� Duduca de Morais, autor do hino do estado de Minas Gerais. A letra fala em 'lavradores de pele tostada, boiadeiros vestidos de couro... / Oper�rios da ind�stria pesada, garimpeiros de pedra e de ouro... / E poetas de doce mem�ria e valentes her�is imortais... / Todos eles figuram na hist�ria do Brasil e de Minas Gerais'. Agora, esses homens citados por De Morais, ao lado de outras mulheres valentes, ter�o a miss�o de reconstruir Santa Maria de Itabira.