
Orgulho dos belo-horizontinos, destaque no cora��o dos mineiros e cart�o de visita para quem chega ao Brasil: todas essas refer�ncias est�o imersas em estados s�lido e l�quido, arquitetura e poesia, afeto e admira��o. Com sete d�cadas de hist�ria, o conjunto moderno da Pampulha, na capital das Gerais, comemora hoje cinco anos da conquista do t�tulo de patrim�nio mundial, na categoria Paisagem Cultural, concedido pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco). No complexo do in�cio dos anos 1940 encontram-se as edifica��es projetadas por Oscar Niemeyer (1907-2012), quando Juscelino Kubitschek (1902-1976) era o prefeito de BH, pontificando a Igrejinha S�o Francisco de Assis, a Casa do Baile, o Museu de Arte (MAP) e o Iate T�nis Clube. Esse �ltimo, objeto de batalha judicial devido � constru��o de um anexo considerado irregular e de pedido da Unesco para demoli��o, sob pena de comprometer o t�tulo conquistado.
Logo de in�cio vem uma declara��o que soa bem tranquilizadora. "A Pampulha n�o corre o risco de perder o t�tulo. Estamos trabalhando com afinco para retomar o comit� gestor da Pampulha, que deixou de funcionar em 2019, formado pelos �rg�os de patrim�nio federal, estadual e municipal e outras institui��es. Ele � fundamental de acordo com a Unesco, pois mostra a articula��o necess�ria das tr�s esferas. Para perda de um t�tulo assim, seria preciso que tudo desse errado, mas estamos no caminho certo", diz a superintendente em Minas do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), D�bora do Nascimento Fran�a.
SONHOS E PESADELOS Concebido por Niemeyer como o bairro mais bonito do mundo, conforme escreveu no seu livro "As curvas do tempo", a Pampulha, � beira do lago de mesmo nome, traz sempre � tona as belezas da natureza e problemas que parecem pesadelos, a exemplo da qualidade das �guas do reservat�rio, espelhando constantes reclama��es de moradores e visitantes, e da urg�ncia na preserva��o do patrim�nio, caso do clube particular Iate, dono do anexo considerado "corpo estranho" e alvo de a��es do Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) e da Prefeitura de BH para demoli��o. Importante ressaltar que a PBH firmou compromisso com a Unesco para derrubada do chamado "puxadinho do Iate". Assim, ao longo da orla, h� pontos pol�micos e nevr�lgicos, bem como os pac�ficos ou j� sob controle, e de interroga��o, aguardando respostas. � o que mostra esta reportagem do EM nesta data especial, sem festa, devido � pandemia, e tamb�m de reflex�o e desafios.

Na audi�ncia de concilia��o na Justi�a, que ocorrer� at� o fim do ano, dever�o ser determinados prazo, responsabilidade na demoli��o e outros aspectos. Em todas as a��es, a dire��o do clube recorreu das decis�es, alegando nunca haver impedimento para constru��o do espa�o que abriga estacionamento, academia e sal�o de eventos.
O coordenador estadual das Promotorias de Justi�a de Defesa do Patrim�nio Cultural e Tur�stico (CPPC)/Minist�rio P�blico (MPMG), Marcelo Maffra, acompanha com aten��o o caso do Iate, sem isentar a PBH de cr�ticas: "Houve omiss�o deliberada do poder p�blico municipal ao longo de d�cadas, pois as autoridades sabiam da exist�ncia do anexo irregular e n�o tomaram atitude, n�o fiscalizaram, mesmo com a Regional Pampulha ali perto. Ser� que nunca viram? A situa��o s� foi escancarada com a conquista do t�tulo de patrim�nio mundial, que deu visibilidade internacional, mas ainda depende de muita preserva��o e conscientiza��o por parte da sociedade". Na avalia��o do promotor de Justi�a, s�o necess�rias a��es permanentes para combater o vandalismo, despoluir o reservat�rio, que demandou investimentos vultosos, al�m de garantir seguran�a e mobilidade para os visitantes.
FRENTES DE TRABALHO A gest�o do conjunto moderno fica a cargo do munic�pio, com apoio dos �rg�os de patrim�nio, e Jana�na Fran�a explica que a atua��o se d� em tr�s frentes: ambiental, com foco na lagoa, edifica��es e a��es educativas de culturais. No primeiro caso, s�o desenvolvidos trabalhos de limpeza, despolui��o, desassoreamento, intercepta��o de esgotos clandestinos em toda a regi�o e constru��o de redes pela Copasa, entre outros. "Estamos no caminho certo", garante a gerente. No in�cio, o t�tulo favoreceu o turismo, embora a pandemia tenha interrompido o fluxo.
Para moradores, h� muito para ser feito. "Esta regi�o � ecologicamente rica, temos agora muitos ip�s floridos na tonalidade rosa, tucanos, enfim, belezas demais. Mas somos obrigados a conviver com o mau cheiro da lagoa e o excesso de pernilongos", diz o diretor da Associa��o Comunit�ria Viver Bandeirantes, Jos� Am�rico Mendicino. "O t�tulo teve aspectos importantes, pois conseguiu impedir, por enquanto, a verticaliza��o nas ruas centrais do Bandeirantes. Se n�o fosse por ele, poderia ser diferente ", avalia.
Nos pontos pac�ficos, h� destaques. A Igrejinha S�o Francisco de Assis foi totalmente restaurada e reaberta para missas e visita��o p�blica; os jardins planejados pelo paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994) receberam revitaliza��o caprichada, favorecidos pela cria��o de um viveiro no Jardim Bot�nico; a Casa do Baile teve retirada uma guarita, seguindo orienta��es da Unesco, e a ciclovia passa por melhoramentos.
H� tamb�m os pontos de interroga��o, entre eles o Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo cassino. Mesmo com dinheiro em caixa, a PBH ainda n�o p�s em pr�tica a interven��o. A complexidade da obra exigiu sucessivas revis�es e complementa��o do projeto. Lembrando que a biblioteca e os arquivos de documentos foram levados para o Museu Casa Kubitschek, na regi�o, Jana�na surpreende ao contar que os projetos originais de Niemeyer para a Pampulha nunca foram encontrados, o que seria fundamental para as obras de restauro. Uma das vers�es � que o arquiteto costumava presentear amigos com seus projetos.
OBRA DE ARTE O conjunto moderno da Pampulha foi concebido para criar uma obra de arte total, integrando as pe�as art�sticas aos edif�cios e esses � paisagem, apresentando as quatro primeiras obras assinadas por Niemeyer e os jardins planejados por Burle Marx, pain�is com azulejos do pintor C�ndido Portinari (1903-1962) e esculturas de artistas renomados, como Alfredo Ceschiatti (1918-1989), Augusti Zamoyski (1893-1970) e Jos� Alves Pedrosa (1915-2002).
Formado por uma paisagem que agrega quatro edif�cios articulados em torno do espelho d'�gua de um lago urbano artificial, o conjunto moderno da Pampulha s� ganha elogios do secret�rio de Cultura e Turismo de Minas, arquiteto e historiador Le�nidas Oliveira. Presidente da Funda��o Municipal de Cultura na administra��o do ex-prefeito M�rcio Lacerda (2009 a 2016), Le�nidas conseguiu colocar a ideia de indica��o a patrim�nio mundial no plano de governo. A proposta vinha, sem sucesso, desde 1996. Ganhou for�a em 2012.
Certo de que o t�tulo n�o corre risco de perda, o secret�rio faz quest�o de citar o nome de pessoas que trabalharam na bem-sucedida empreitada: os arquitetos Jurema Machado, ex-presidente do Iphan; Fl�vio Carsalade, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador t�cnico do dossi� de candidatura apresentado � Unesco; Luciana Feres e Carlos Henrique Bicalho, que foram diretores na PBH; e a historiadora Michele Arroyo, na �poca superintendente em Minas do Iphan.
Mem�ria - Reconhecimento
Foi em 17 de julho de 2016, em Istambul, Turquia, durante a 40ª Sess�o do Comit� do Patrim�nio Mundial da Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, Ci�ncia e Cultura (Unesco), que o Conjunto Moderno da Pampulha foi reconhecido como Patrim�nio Mundial. Uma curiosidade: a reuni�o seria realizada no dia anterior, mas, pela tentativa de golpe de estado no pa�s, teve que ser suspensa, com todos os representantes dos pa�ses visitantes, inclusive do Brasil, orientados a n�o sair dos hot�is em que estavam.
PAMPULHA PONTO A PONTO
Veja a situa��o dos elementos da Paisagem Cultural e a��es para preserva��o do Patrim�nio Mundial:
» PONTOS PAC�FICOS
» Considerado o cart�o-postal mais conhecido de BH, a Capela Curial S�o Francisco de Assis, popularmente chamada Igrejinha da Pampulha, foi reaberta em 2019 ap�s obras de restaura��o executadas com recursos no valor de R$ 1,1 milh�o do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan). As missas foram retomadas, assim como a visita��o.
» Outro �cone do complexo arquitet�nico, a Casa do Baile, atual Centro de Refer�ncia de Urbanismo, Arquitetura e Design de Belo Horizonte, recebeu interven��o em dezembro de 2017, conforme compromisso assumido com a Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (Unesco). Foi retirada a guarita que funcionava como bilheteria (instalada fora do projeto original). Est� aberta com exposi��o fotogr�fica do franc�s Marcel Gautherot.
» A Pra�a Dino Barbieri, ao lado da igrejinha, recebeu requalifica��o, sendo integrada ao templo vinculado � Arquidiocese de BH para formar um espa�o �nico. Tamb�m a Pra�a Alberto Dalva Sim�o, localizada no encontro das avenidas Santa Rosa e Otac�lio Negr�o de Lima, foi alvo de interven��o. A exemplo dos demais integrantes do conjunto moderno, recebeu ilumina��o monumental.
» Os jardins idealizados pelo paisagista Burle Marx mereceram cuidadoso trabalho de preserva��o a partir de documentos originais. Para produ��o de mudas e plantio nos canteiros em torno das edifica��es modernas, foi criado um viveiro no Jardim Bot�nico da PBH. As a��es foram conduzidas pela prefeitura, Funda��o de Parques Municipais Zoobot�nica e Sudecap. O manejo das capivaras, conduzido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, resolveu um problema cr�tico para a regi�o.
» A ciclovia, com 7,5 quil�metros de extens�o, est� sendo revista para consulta p�blica, de forma a atender melhor a turma que gosta de pedalar ao longo da orla.
» PONTOS NEVR�LGICOS
» O maior trauma do conjunto moderno da Pampulha se encontra no Iate T�nis Clube, que � particular e teve um anexo de 4 mil metros quadrados constru�do entre 1977 e 1984. Apelidada de "puxadinho", a situa��o da constru��o, considerada irregular, est� na Justi�a, pois a Prefeitura de BH pede a demoli��o do que j� foi chamado "corpo estranho" � obra de Niemeyer. At� o fim do ano, a PBH vai entregar em ju�zo o projeto de demoli��o devendo ser acordado, em audi�ncia, como o servi�o ser� feito. A retirada foi recomendada pela Unesco antes mesmo da conquista do t�tulo, em 17 de julho de 2016.
» O t�tulo de patrim�nio mundial na categoria Paisagem Cultural inclui as edifica��es modernas e o espelho d'�gua, mas entra ano, sai ano e as �guas da Pampulha refletem problemas s�rios como polui��o, sujeira carreada pelos c�rregos do munic�pio e de Contagem, mau cheiro e muitos pernilongos. A PBH desenvolve uma s�rie de a��es ambientais, incluindo desassoreamento, limpeza, intercepta��o de esgotos, com 95% de rede na regi�o, a cargo da Copasa, entre outras.
» PONTOS DE INTERROGA��O
» Desde 2019, o Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo cassino, est� fechado. O restauro tem cap�tulos de "novela", com recursos assegurados (R$ 8 milh�es) pelo munic�pio via opera��o de cr�dito. Na �poca do extinto PAC Cidades Hist�ricas, houve aprova��o de um projeto de restauro. O tempo passou e ele se tornou obsoleto, demandando revis�o e complementa��o. A biblioteca e os arquivos documentais foram transferidos para o Museu Casa Kubitschek, mas o acervo, na reserva t�cnica, fica distante dos olhos do p�blico.
» A sinaliza��o interpretativa do conjunto moderno da Pampulha tamb�m est� longe dos olhos do p�blico. A expectativa � que as placas cheguem por meio de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES), captados pela Organiza��o das Cidades Brasileiras do Patrim�nio Mundial. A sinaliza��o seguir� os padr�es da Unesco.