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Estado de Minas Educa��o

Enem 2022: o que explica a fuga de alunos e o esvaziamento do exame?

Com 3,4 milh�es de inscritos, provas mant�m tend�ncia de queda na procura. Especialistas culpam corte de verbas, desest�mulo oficial, pandemia e crise econ�mica


04/12/2022 04:00 - atualizado 03/12/2022 20:42

Belo Horizonte - MG. Alunos chegam para o segundo e último dia de provas do Enem 2022 na UNI-BH unidade Buritis
Candidatos chegam para o segundo e �ltimo dia de provas do Enem 2022, em BH: al�m da queda no n�mero de participantes, aus�ncia foi de praticamente um ter�o dos inscritos (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 20/11/22)


Ano ap�s ano, o Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) mostra uma crescente evas�o no n�mero de jovens que disputam o acesso �s universidades. N�o � � toa que os 3,4 milh�es de inscritos na edi��o deste ano representam um dos menores volumes em mais de uma d�cada, desde que o exame se tornou a principal porta de entrada para o ensino superior no pa�s. A falta de perspectiva em rela��o aos estudos e a defici�ncia de pol�ticas p�blicas que apoiem os estudantes est�o entre os principais motivos, apontados por especialistas, para esse esvaziamento, que se intensifica ao longo dos anos. Uma queda que escancara os retrocessos da educa��o do Brasil.
 
Neste ano, 3.476.226 pessoas se inscreveram nos dois modelos do Enem, impresso e digital. S�o 5.325.616 a menos do que em 2014, ano em que o exame atingiu a maior quantidade de candidatos: 8.722.248. Uma redu��o de quase 61%. As inscri��es para as provas de 2022 ficam atr�s at� mesmo do per�odo anterior ao formato atual da prova. Em 2008, quando o objetivo do exame era apenas testar os conhecimentos dos concluintes do ensino m�dio, foram registradas 4.018.070 inscri��es. Foi somente a partir de 2009 que o Enem passou a valer como processo seletivo para as principais universidades p�blicas do pa�s. E os n�meros come�aram a despencar a partir de 2017.
 
Em Minas Gerais, a quantidade de inscritos tamb�m vem caindo e � a menor desde de 2009. Foram 301.350 candidatos mineiros em 2022, mais de 70% a menos do que em 2014, quando ocorreu o pico de inscri��es (1.057.521) no estado. Mesmo na compara��o com o ano passado, a redu��o foi grande: houve queda de 19,28%.
 
Al�m da queda no n�mero de inscritos, o Enem 2022 tamb�m teve uma das maiores taxas de absten��o da hist�ria: 32,4%, alta mesmo considerando a edi��o de 2020, quando 55,3% dos inscritos n�o participaram no primeiro ano da pandemia. J� a vers�o digital do exame teve taxa de absten��o superior a 50% nos dois dias de prova, para um total de 66.544 candidatos. No primeiro dia, 51,3% faltaram, enquanto no segundo houve 55,1% de absten��o. Em Minas, 30,2% dos candidatos n�o compareceram para a aplica��o impressa e 53,8% faltaram � prova digital.
Para o professor Luciano Mendes de Faria Filho, mestre em educa��o pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a evas�o do Enem � apenas a ponta do iceberg. “H� uma s�rie de fatores que colaboram para essa redu��o crescente de inscri��es no Enem. Nos �ltimos anos, tivemos uma verdadeira pol�tica de desincentivo � entrada de jovens no ensino superior”, avalia.
 
Esse desest�mulo veio, segundo Luciano, n�o apenas pelos cortes de or�amento para as universidades, mas, tamb�m, por declara��es de governantes. “Por exemplo, a fala do ex-ministro da Educa��o de que universidade deveria ser para poucos... Isso tem um impacto simb�lico muito grande para os jovens que almejam fazer o ensino superior, especialmente aqueles de baixa renda”, aponta.

Alunos sentem reflexo de aulas remotas

A estudante Camila Nat�lia Santos, de 17 anos, est� no segundo ano do ensino m�dio, mas, apesar da proximidade da conclus�o dessa fase da vida escolar, n�o tem expectativa de prestar o Enem. Ela relata se sentir atrasada depois de passar quase dois anos estudando em casa. “Ningu�m aprendeu nada. Todo mundo passou, porque olhava na internet e fazia as atividades em cima disso. Eu mesma fui uma dessas pessoas. Mas, se perguntar hoje, ningu�m sabe o que aprendeu, n�o sabe fazer uma conta. Foi uma situa��o que prejudicou todos”, avalia, em tom de des�nimo.
 
Camila e a amiga J�lia Beatriz Silva, de 15, sonham em cursar medicina, mas veem seu objetivo muito longe de se tornar realidade. “� complicado sonhar grande na situa��o em que a gente vive. Precisa fazer o Enem para passar em medicina, e eu acho a prova muito dif�cil, n�o me sinto preparada”, afirma. J�lia tamb�m reclama da falta de suporte durante o per�odo de aulas remotas. “Eu n�o assistia �s aulas on-line porque n�o entendia nada. N�o tinha explica��o do professor”, disse.
 
Matheus de Almeida, de 17, foi outro que decidiu adiar os planos de entrar na faculdade. “A gente n�o tem incentivo como os meninos da escola particular t�m. N�o me inscrevi para o Enem este ano, porque n�o me sentia preparado”, disse o jovem, que conclui o ensino m�dio no fim deste ano e espera conseguir uma vaga no ensino superior federal para cursar direito. Durante a pandemia, ele diz ter sentido mais forte o medo e a sensa��o de “n�o dar conta”. “Ningu�m da minha fam�lia tem faculdade. �s vezes, me pergunto se realmente vale a pena. N�o tenho dinheiro para pagar cursinho, ent�o, vou ter que me virar para estudar”, afirma.
 
O desalento de Camila, J�lia e Matheus exp�e a falta de estrutura e recursos de escolas p�blicas, especialmente superados os momentos mais cr�ticos da pandemia de COVID-19. Por�m, o ac�mulo de defasagens na aprendizagem vem desde a alfabetiza��o. No ensino m�dio, o percentual de estudantes que abandonaram institui��es na rede p�blica saltou de 2,3%, em 2020, para 5%, em 2021, conforme aponta o Censo Escolar da Educa��o B�sica. A taxa de aprova��o tamb�m caiu: de 95% para 90,8% em rela��o ao ano de 2020. Em Minas, a porcentagem de alunos que conclu�ram o ensino m�dio em 2019 foi de 68,9%.
 
N�o foi a pandemia que criou problem�ticas como evas�o escolar e distor��o entre idade e s�rie escolar no Brasil, mas, segundo especialistas, a crise sanit�ria certamente agravou o cen�rio, com o fechamento de escolas e a ado��o for�ada das aulas on-line. “Uma pol�tica p�blica vai retroalimentando a outra. Quando uma engrenagem para, afeta todos, incluindo o Enem”, declara o professor da UFMG Luciano Mendes de Faria Filho.
 
O baixo n�mero de estudantes que concluem a educa��o b�sica est� relacionado a outro problema: a situa��o econ�mica das fam�lias. Muitos alunos deixam a escola pela necessidade de complementar a renda em casa. “Apenas cerca de 30% dos jovens que entram na educa��o b�sica de fato chegam a concluir o ensino m�dio. Isso escancara um cen�rio de desigualdade. Com a crise econ�mica, as pessoas come�am a ficar ainda mais desestimuladas com o futuro”, avalia a professora Maria Teresa Gonzaga Alves, doutora em educa��o pela UFMG.
 
Essa realidade escancara a falta de pol�ticas p�blicas mais amplas para incentivar esses jovens e de perspectivas sobre o ensino superior, apontam especialistas. "� medida que as pessoas passam fome, a primeira preocupa��o n�o � com a escola. Se os pais ganham um sal�rio melhor, isso permite que as crian�as e os adolescentes possam se dedicar aos estudos”, aponta Luciano Faria Filho.

Falta de perspectiva e a gera��o nem-nem

Ao mesmo tempo em que cresce uma perigosa desconex�o entre a escola e o Enem, a propor��o de jovens que nem trabalham e nem estudam atingiu seu maior patamar em 2020: 25,5%, conforme dados da pesquisa Pnad Cont�nua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). “Est� aumentando e justamente entre os setores mais pobres, o que aponta para um aprofundamento da crise econ�mica e social do pa�s”, destaca professor Luciano Mendes de Faria Filho, mestre em educa��o pela UFMG.
 
Ele ressalta que pol�ticas voltadas para emprego e garantia de um sal�rio digno t�m impacto direto na educa��o. “Vai ser dif�cil a gente recuperar essa perspectiva dos jovens. Voc� almeja fazer um ensino superior tamb�m porque espera melhorar de vida, sonha ter um projeto de vida melhor. E, hoje, na situa��o em que estamos, com 30 milh�es de pessoas passando fome e em meio a desemprego, isso por si s� j� � um desincentivo. Muito estudante pensa: 'Para que vou estudar nesse cen�rio?'”, sinaliza.
 
Para a professora e doutora em educa��o Maria Teresa Gonzaga Alves, no entanto, a mudan�a de formato do Enem tamb�m ajuda a explicar a discrep�ncia entre os n�meros de 2014 para c�. “O exame teve uma subida muito r�pida, mas isso porque antes tinha outras finalidades que, hoje, deixaram de existir. � o caso, por exemplo, de se usar a nota para conseguir a certifica��o do ensino m�dio, entre as edi��es de 2009 e 2016. Isso fez com que o exame tivesse uma ades�o muito r�pida”, explica.
O Enem deixou de ser usado como certificado para conclus�o do ensino m�dio em 2017, ano em que 6.731.186 inscri��es foram registradas. Outro ponto, segundo a professora, � o fato de a isen��o para os alunos de escola p�blica agora ser concedida apenas uma vez. “Isso faz a pessoa pensar, antes de se inscrever, se de fato tem expectativa de usar a nota”, avalia.

Para o MEC, n�meros “dentro do esperado”

Em entrevista coletiva realizada anteontem, o ministro da Educa��o, Victor Godoy, minimizou a crescente evas�o no total de inscritos no Enem. Para ele, os n�meros est�o dentro do esperado. “N�o vejo isso como uma quest�o decorrente da atua��o do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira, ligado ao MEC). Tivemos um per�odo de pandemia e isso certamente trouxe desafios para o Enem, para toda educa��o brasileira”, afirmou, destacando, ainda, que o n�mero de candidatos no exame � maior do que o de estudantes concluintes do ensino m�dio.
 
Outra poss�vel explica��o para a discrep�ncia entre as inscri��es ao longo dos anos, segundo Godoy, � o fato de a nota ser v�lida por um ano. Questionado sobre a queda gradativa dos inscritos, ele levantou a possibilidade de “n�meros inflados nos dados de anos anteriores” e disse que uma investiga��o sigilosa sobre o assunto j� est� em andamento.


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