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Estado de Minas EDUCA��O

75 anos de ensino amea�ados? Por que a Fucam teme projeto do governo de MG

Comunidade escolar cr� que proposta de incorpora��o da Funda��o Caio Martins por secretaria de estado pode ser fim da institui��o que j� formou 80 mil alunos


15/05/2023 04:00 - atualizado 15/05/2023 05:23

Audiência pública na Assembleia Legislativa
Incorpora��o da institui��o, que tem seis unidades, cinco delas no Norte de Minas, vem sendo debatida em audi�ncias p�blicas: projeto dever� ser votado no m�s que vem na Assembleia (foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A. Press)


Ex-alunos e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), est�o em meio a um impasse envolvendo a Funda��o Educacional Caio Martins (Fucam), entidade respons�vel pela forma��o de mais de 2 mil crian�as e adolescentes na zona rural do estado. Com 75 anos de hist�ria, a funda��o entrou na mira do governo Zema, que prop�s a incorpora��o de suas atividades pela Secretaria Estadual de Educa��o (SEE). Servidores e ex-alunos da institui��o questionam a medida e afirmam que isso significar� a extin��o da entidade. O futuro da Fucam ser� decidido, no pr�ximo m�s, em plen�rio na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Para tentar resguardar o trabalho desempenhado pela funda��o, os parlamentares propuseram a cria��o de uma unidade especial dentro da estrutura da Secretaria de Educa��o. A entidade, ent�o, deixaria de ser uma funda��o e se tornaria uma coordenadoria especial: a Coordenadoria Educacional Caio Martins (Cecam), o que garantiria a manuten��o dos cursos e atividades ofertados atualmente pela entidade. Na primeira gest�o do governador Zema, a institui��o esteve vinculada � SEE e agora a proposta � transferir todas as compet�ncias para a pasta, incluindo a gest�o de contratos, os servidores e os bens m�veis. Mesmo com a altera��o na proposta, especialistas e ex-alunos ainda questionam o futuro da oferta de servi�os, a perman�ncia dos profissionais n�o efetivos e a destina��o do patrim�nio.

O Projeto de Lei (PL) 359/23, que integra um conjunto de medidas propostas pelo governo como parte de uma reforma administrativa, passou pelo aval de quatro comiss�es da Assembleia Legislativa, e foi barrado apenas pela de Educa��o. Assim, ap�s a vota��o em 1º turno no plen�rio, a proposta ser� analisada novamente por essa comiss�o antes da vota��o  no 2º turno e, se aprovada, para a san��o de Zema.

HIST�RIA

Com seis unidades espalhadas por Minas Gerais, a Fucam foi criada com o objetivo de oferecer ensino gratuito e de qualidade para jovens carentes da zona rural do estado. Instalada na fazenda Santa Tereza, local antes utilizado para cria��o de animais da cavalaria da Pol�cia Militar, no munic�pio de Esmeraldas, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, a primeira escola da entidade deu vida a um projeto inovador na educa��o. “O estado estava inserido em uma situa��o de fragilidade econ�mica e social, especialmente no interior, j� que est�vamos vindo de um p�s-guerra. Essa realidade chegou ao gabinete do ent�o governador pelo deputado Coronel Manoel Jos� de Almeida, que era natural de Janu�ria, no Norte de Minas”, conta Stela Aparecida Santos, presidente da Associa��o dos Ex-alunos da Fucam.

Fundada em 1948, a escola admitia exclusivamente meninos e adotava o sistema de lares, tamb�m conhecido como col�gio interno ou internato. Com aulas em tempo integral, al�m da educa��o b�sica, a entidade abarcava a pr�pria fazenda em seu processo pedag�gico, por meio da cria��o de animais e do cultivo de frutas, verduras e legumes. Uma parte da produ��o era vendida para custear as lavouras e a outra ia para os refeit�rios da escola. “Era uma grande fam�lia. Os alunos sa�am das mais diversas regi�es e ficavam internados, s� voltavam para casa nas f�rias. Isso era importante para as fam�lias que n�o conseguiam custear o deslocamento dos filhos at� a escola. Tamb�m havia aqueles que eram �rf�os e moravam l�”, relata Stela.

Mais � frente, em 1953, a unidade de Esmeraldas passou a receber meninas em seu corpo estudantil, que iniciam o Curso Normal Regional para seguir carreira no magist�rio. Um ano antes, mais uma escola Caio Martins foi consolidada, desta vez, na Vila de Buritizeiro, cidade de Pirapora. A nova unidade trazia os ensinos que j� existiam em Esmeraldas, al�m de novos cursos profissionalizantes como serralheria e eletricidade. “Quando o Coronel Manoel viu que essa experi�ncia estava dando certo, ele come�ou a pensar em formas para que o projeto fosse ampliado. Assim, foram inauguradas novas unidades”, detalha. Ao longo dos anos, a Fucam se expandiu. Hoje, atende mais de 2 mil alunos na zona rural de Minas, em institui��es de Esmeraldas, Riachinho, Buritizeiro, S�o Francisco, Janu�ria e Juven�lia.

Com o passar dos anos, a institui��o se consolidou como refer�ncia na educa��o b�sica e profissionalizante. “Chegou um momento em que a escola n�o atendia apenas alunos em situa��o de vulnerabilidade social, mas passou a ser modelo em educa��o de qualidade. As vagas remanescentes eram oferecidas para a comunidade em geral. Tinha uma prova de sele��o”, aponta Stela. Quase 30 anos ap�s a inaugura��o da primeira unidade, um projeto de lei transformou as Escolas Caio Martins em funda��o. Com isso, a institui��o passou a ter personalidade jur�dica pr�pria, autoridade administrativa-t�cnica e financeira, sem fins lucrativos.

Atendendo �s exig�ncias do Minist�rio P�blico de Minas Gerais, a Fucam teve que adequar sua forma de atendimento ao Estatuto da Crian�a e do Adolescente (ECA), criado em 1990, e deixou de trabalhar com internato. Hoje, oferece cursos profissionalizantes, t�cnicos, aulas de cultura, esportes e a��es de sustentabilidade, al�m de abrir espa�o para movimentos, associa��es e diversas organiza��es sociais da regi�o.
 
Amauri Wagner Rodrigues, de 51 anos, que ficou órfão aos 3 e estudou na Fucam
�ramos eu e mais sete irm�os. Se n�o fosse a Fucam, eu n�o seria quem sou hoje. Est�o jogando nossa educa��o no lixo, um projeto pedag�gico de 75 anos desperdi�ado"
 

Refer�ncia para regi�o carente

 Com uma trajet�ria marcada por v�nculos estreitos com as comunidades onde atua, o passado da Fucam se cruza com a hist�ria dos mais de 80 mil alunos que passaram pela institui��o. “Sou educadora h� 31 anos, sei o quanto a passagem por essa unidade de ensino contribuiu para a profissional e ser humano que eu sou hoje”, considera Stela. Com saudosismo marcado na voz, ela lembra os tempos de escola. “Ap�s a sa�da, n�s temos um sentimento de gratid�o � institui��o. O que n�s vivemos, o companheirismo, a fraternidade, a amizade � algo que nos acompanha”, disse. “Ao longo de 75 anos, a Fucam formou um n�mero significativo de profissionais, tanto no magist�rio quanto na �rea de t�cnico agr�cola”, completa.

A Fucam tem uma rela��o hist�rica com o Norte de Minas, regi�o marcada por desigualdades econ�micas e que, hoje, tem quatro escolas da funda��o, localizadas em Buritizeiro, S�o Francisco, Janu�ria e Juven�lia. �rf�o aos tr�s anos, Amauri Wagner Rodrigues, de 51, encontrou na Fucam um vislumbre de esperan�a e fraternidade. "�ramos eu e mais sete irm�os. Se n�o fosse a Fucam, eu n�o seria quem sou hoje”, afirma. Ele � contr�rio � proposta do executivo estadual de absorver totalmente as atividades da funda��o. “A maioria das entidades n�o olha para essas regi�es carentes. Est�o jogando nossa educa��o no lixo, um projeto pedag�gico de 75 anos desperdi�ado”, lamenta.

Os ex-alunos s�o un�nimes em frisar as contribui��es da funda��o para sua vida, n�o apenas no �mbito profissional, mas tamb�m na sua forma��o como cidad�os. “Eu chego a arrepiar quando penso nessa trajet�ria. Disciplina, organiza��o, senso cr�tico, tudo isso eu aprendi na escola”, afirma o t�cnico em agroneg�cio Renan Montalv�o Costa, de 52. Se hoje Renan tem uma profiss�o, ele � categ�rico ao afirmar que � gra�as a Caio Martins. Nos corredores da escola, Renan tamb�m encontrou o amor: foi l� que conheceu a esposa e, hoje, completa mais de 30 anos de relacionamento. “Meu pai tamb�m se formou na Caio Martins. Era e ainda � uma grande fam�lia para mim”, disse em entrevista ao Estado de Minas.

Professor questiona impactos da medida

Na avalia��o do professor Luciano de Faria Filho, mestre em educa��o pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a absor��o das atividades da Fucam pela Secretaria de Estado de Educa��o pode agravar problemas sociais e econ�micos em uma regi�o j� bastante fragilizada. “Esse discurso de que a Secretaria de Educa��o vai continuar com as atividades � muito fraco. Mesmo que a proposta n�o seja de extin��o, n�o h� uma avalia��o efetiva dos impactos que isso pode trazer para a regi�o”, afirma Luciano. Ele destaca a import�ncia do trabalho de profissionaliza��o de jovens carentes da zona rural. Mesmo a proposta de transformar a Fucam em uma coordenadoria especial n�o agradou especialistas e ex-alunos. “Isso s� muda o nome, a proposta segue a mesma. Precisamos de pol�ticas que fortale�am os equipamentos p�blicos de educa��o, e n�o o contr�rio”, argumenta.

A comunidade escolar denuncia que o verdadeiro interesse do governo estadual est� centrado no patrim�nio da Fucam, que tem sete fazendas sob sua gest�o. “Quem ganha s�o o agroneg�cio e a especula��o imobili�ria”, crava a presidente da associa��o de ex-alunos. O governo de Minas, por outro lado, diz que o uso atual do patrim�nio ser� mantido. Stela ressalta que o coletivo de ex-alunos chegou a propor ao governo uma readequa��o das modalidades de ensino, priorizando atendimento a crian�as e adolescentes e revitalizando os cursos profissionalizantes, mas n�o recebeu qualquer retorno. Eles tamb�m questionam a falta de di�logo do executivo com os membros da Fucam e as comunidades que dependem da entidade. “Tudo est� sendo feito sem transpar�ncia que � o que mais nos preocupa. N�o h� qualquer di�logo com a gente”, afirma.

Para o futuro, os ex-alunos da Fucam vislumbram investimentos para que a entidade retome sua voca��o como propulsora de uma educa��o de qualidade �s fam�lias carentes. “Al�m de um nome muito forte, ela tem uma estrutura muito bem distribu�da, em regi�es que t�m uma car�ncia muito grande de profissionais de n�vel m�dio. Um dos maiores gargalos de produ��o das fazendas s�o profissionais qualificados. Se a Fucam deixar de exigir, n�s perdemos n�o s� uma refer�ncia, mas um importante instrumento de combate a desigualdade social”, avalia o ex-aluno Guilherme Barbosa Pereira, 52, que hoje � diretor de uma escola em S�o Francisco. “A funda��o tem todo um cuidado com a forma��o integral, que vai al�m da educa��o b�sica. Ensina senso cr�tico, disciplina, tudo isso eu carrego comigo na minha atua��o como educador”, aponta.

O QUE DIZ O ESTADO 

Segundo a Secretaria de Estado de Educa��o, o Projeto de Lei (PL) 359/23, que transfere as compet�ncias da Fucam para a autarquia, significa a absor��o e n�o a extin��o da entidade. As unidades de ensino da funda��o n�o ser�o fechadas. Ao contr�rio, a proposta � que a estrutura da Fucam esteja diretamente ligada ao gabinete do secret�rio de Educa��o, Igor Alvarenga. O intuito do projeto � modernizar os servi�os j� prestados pela entidade, sob a gest�o da Secretaria de Educa��o. O deputado estadual Gustavo Valadares (PMN), l�der do governo de Romeu Zema (Novo) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), defende a extin��o e diz que a ideia � expandir o projeto pedag�gico inaugurado pela Fucam. “Reconhecemos a hist�ria e tradi��o da Funda��o, n�o haver� preju�zo para ningu�m. Estamos no caminho de solu��es que atendam a todos n�s”, afirmou durante a audi�ncia.

Como a Fucam j� est� vinculada � secretaria h� quase quatro anos, a pasta argumenta que j� conhece as principais atividades desenvolvidas pela entidade e tem autonomia de atua��o. A absor��o � defendida como uma forma de planejar efetivamente a amplia��o das atividades da Fucam, que seria o objetivo principal do Executivo estadual. Al�m das compet�ncias da Fucam, a SEE tamb�m vai absorver os servidores, a gest�o dos contratos sob responsabilidade da entidade e os bens m�veis. Enquanto isso, as propriedades urbanas e rurais onde funcionam as unidades da Fucam ser�o incorporadas ao patrim�nio estadual por interm�dio da Secretaria de Estado de Planejamento e Gest�o (Seplag). A proposi��o tamb�m estabelece que os servidores da funda��o podem ser cedidos a outros �rg�os do poder executivo.


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