Apesar do dom�nio de dispositivos digitais, brincadeiras como soltar papagaio, andar de carrinho de rolim� e pique-esconde ainda resistem no imagin�rio
Os amigos Arthur, 7 anos, e Lucas, 10, aproveitaram as f�rias escolares para brincar de papagaio nas ruas do Bairro Guarani, Regi�o Norte de Belo Horizonte (foto: Fotos: Gladyston Rodrigues/EM/DA)
"Mexer no telefone e soltar papagaio”. Essa foi a resposta de Arthur, de 7 anos, quando perguntado quais suas brincadeiras favoritas. Com as crian�as convivendo desde cedo com a tecnologia, encontrar meninos e meninas brincando na rua de pega-pega, pol�cia e ladr�o e rouba-bandeira tem sido cada vez mais dif�cil, at� mesmo nas periferias. Ainda assim, algumas brincadeiras resistem, como soltar papagaio - ou empinar pipa.
O m�s de julho � a �poca do ano mais f�cil para encontrar papagaios voando pelos c�us, devido �s f�rias escolares e �s condi��es de clima e vento. Os dias de recesso foram bem aproveitados por Arthur e seu amigo Lucas, de 10 anos, que se divertiam pelas ruas do Bairro Guarani, na Regi�o Norte de Belo Horizonte, nos �ltimos dias antes da volta �s aulas.
SEMPRE DE OLHO
“Se deixar, eles brincam o dia inteiro na rua”, conta Tatiana da Silva, 37, m�e de Lucas. Ela trabalha como cozinheira em um restaurante no bairro e se divide entre preparar o almo�o e ficar atenta aos meninos. Mesmo achando as ruas perigosas para crian�as ficarem sozinhas, ela entende a import�ncia das brincadeiras para que os meninos passem menos tempo no celular.
“Se eu tivesse tempo, eu levaria para um espa�o onde eles pudessem brincar, mas como n�o tenho, eles brincam na rua. A gente fica de olho, os vizinhos ficam de olho tamb�m”.
Essa sensa��o de inseguran�a evita que mais crian�as ocupem as ruas. O pedagogo e professor da UFMG Rog�rio Correia da Silva explica que um dos desdobramentos em termos menos crian�as brincando no espa�o p�blico � a perda destes conhecimentos que s�o transmitidos das crian�as mais velhas para as mais novas. “As brincadeiras que atravessam as gera��es s�o um patrim�nio que n�s temos, imaterial e material tamb�m. Tem a parte das fantasias, das cantigas de roda, das hist�rias, mas tem todo um conhecimento t�cnico de produ��o de brinquedos, das pr�ticas de brincadeiras, que as crian�as perpetuam isso por gera��es”, argumenta.
As irm�s Fab�ola Adriene, Fabiane Let�cia e Fl�via Eliza, juntas dos filhos: parque p�blico como op��o
ADOLETA
Distante dali, no Parque Municipal Am�rico Renn� Giannetti, no Centro da capital, as fam�lias que conseguiram sair da rotina e levar seus filhos para brincar na �ltima sexta-feira das f�rias aproveitaram um espa�o mais acolhedor e seguro. Foi o caso das irm�s Fl�via, Fab�ola e Fabiane, que levaram seus cinco pequenos para o parque.
Fab�ola Adriene, 36, conta que por ser trabalhadora do lar tem mais disponibilidade para passar tempo com seus filhos Alan Simon, 9, e Thales Gustavo, 6.
Adoleta � uma das brincadeiras tradicionais que a m�e ensinou a eles. A pr�tica envolve uma roda com crian�as intercalando as m�os. Alan conta que se diverte com a companhia da m�e. “S� n�o gosto quando ela � chata”, diz. Fab�ola retruca dizendo que o filho n�o sabe perder. “Esse da� tem um p�ssimo esp�rito esportivo”, brinca. O menino n�o deixa por menos: “e ela � muito raivosa”.
As brincadeiras favoritas de Fab�ola quando crian�a, pique-esconde e pique-cola, foram passadas para o filho. Alan, no entanto, ampliou as prefer�ncias. “Eu gosto de pular corda, ir no pula-pula, pique-esconde, pega-pega e brincar de corrida”, detalha o garoto.
ENTRE GERA��ES
Foi apresentando brincadeiras da inf�ncia para sua filha de 3 anos, Louise Cristine, que o guarda municipal Erick Coelho, 44, descobriu um hobby. “Eu pintei uma amarelinha no ch�o, depois teve balan�o, futebol, brincadeira de fazer paraquedas e arremessar, fazer avi�ozinho. A� resolvi fazer um carrinho de rolim� e arrumar algum lugar para andar”.
Certo dia, enquanto brincava com o carrinho pela esplanada do Mineir�o, Erick conheceu o grupo Amigos do Rolim�, que organiza um encontro de entusiastas do brinquedo todas as quintas-feiras, no come�o da noite.
A partir dali, Erick e sua mulher, Cleide Coelho, 41, passaram a frequentar os encontros - juntos da filha, claro. Eles at� constru�ram um carrinho com espa�o para todos descerem a rampa da esplanada juntos. “Fomos emendando madeira, rolim� e vendo a forma que saia”, conta Erick, que aprendeu a construir o brinquedo quando era crian�a.
Brinquedo mais t�pico nas periferias, o carrinho de rolim� � feito geralmente com restos de madeira, pregos e rolim�s, que s�o rodinhas de ferro com esfera retiradas, geralmente, de caixa de marcha de carros.
O jornalista T�mer Pimentel, 34, membro do grupo Tribo do Rolim�, que tamb�m faz parte da organiza��o dos encontros na esplanada do Mineir�o, explica que os eventos semanais re�nem de 50 a 100 pessoas. “Aqui tem beb�, idoso, crian�a. Geralmente voc� v� os pais brigando com os filhos para brincar mais de carrinho de rolim�”, relata.
Parque Lagoa do Nado, na Regi�o da Pampulha: um dos locais que receberam programa��o da prefeitura durante as f�rias escolares
Espa�os para crian�as foram tomados por carros
Durante as f�rias de julho, a Prefeitura de Belo Horizonte promoveu o programa BH em F�rias. Foram 22 eventos realizados em pra�as e parques das nove regionais da cidade para estimular a pr�tica de atividades f�sicas e recreativas.
Na programa��o constaram oficina de skate, patins e slackline, oficina de bolha de sab�o, brinquedos infl�veis, breakdance e brincadeiras tradicionais, como pula-corda, peteca e bambol�.
O casal formado por Rog�rio da Silva, 42, e Daniele Lins da Cunha Silva, 36, aproveitou a viagem por Belo Horizonte para levar os filhos Pedro, 6, e Sofia, 7, para brincar no Parque Lagoa do Nado, na Regi�o da Pampulha, na �ltima sexta-feira (28).
Enquanto o filho Pedro praticava escalada no equipamento infl�vel instalado no parque, o pai contou que, quando crian�a, tamb�m fazia o mesmo, mas usava as pedras de uma cachoeira perto de casa para se empoleirar.
A fam�lia mora em Sabin�polis, a 166 km da capital mineira. Os pais contam que por ser uma cidade pequena (15 mil habitantes) e tranquila, eles deixam os filhos brincarem na rua. “Eu gostava muito de brincar de rouba-bandeira e eles brincam disso quase toda semana. Futebol tamb�m, pular corda”, explica Rog�rio.
NOS GRANDES CENTROS
O professor Rog�rio Correia explica que, al�m da criminalidade, os grandes centros urbanos n�o foram projetados para acolher a inf�ncia e que isso explica termos menos crian�as brincando nas ruas. “A gente percebe que cada vez mais os espa�os p�blicos que eram destinados a essas pr�ticas de brincadeira, como ruas e campos de futebol, se tornaram espa�os para circula��o de carros. Com isso, as crian�as foram se confinando nas escolas”.
A manuten��o de brincadeiras entre pais e filhos � importante para o desenvolvimento das crian�as e podem ser um �timo ponto de contato para criar conex�es entre a fam�lia, conforme explica o pesquisador. “Falar das suas experi�ncias de inf�ncia � importante, construir brinquedos juntos, criar momentos de brincadeiras dentro de casa, ter momentos fora de casa, fazer passeios para conhecer e explorar o espa�o ao entorno”, lista o docente. (DL)