
Esmeraldas, Ribeir�o das Neves e Sabar� - � � noite que a espera pelo ru�do da �gua chegando pela tubula��o em dire��o � caixa d'�gua deixa de prontid�o a dona de casa Rita Correia, de 81 anos. Imediatamente, ela para o que estiver fazendo e corre para as torneiras da cozinha, do tanque e da �rea de servi�o. Moradora do Bairro Borges, em Sabar�, na Grande BH, a idosa sofre com a escassez praticamente di�ria, e precisa deixar seus baldes preparados para as noites, quando a �gua do sistema local da Copasa costuma chegar �s torneiras. Infelizmente, casos como o dela n�o s�o isolados. Pior: a aus�ncia total de fornecimento aflige quase 10% dos moradores da regi�o metropolitana da capital, em um cen�rio que chama a aten��o ainda pelo elevad�ssimo �ndice de desperd�cio do servi�o.
Os que ainda contam com um abastecimento, mesmo que prec�rio, precisam se preparar para usufruir do pouco que chega, quando chega.“Quem n�o aproveita a chegada da �gua, fica sem e precisa esperar para ver se o caminh�o-pipa vai vir no outro dia. Quando vou lavar muitas roupas, a caixa n�o aguenta e esgota r�pido. A gente � obrigada a pensar antes do que vai precisar no dia seguinte, para ver se usa a �gua quando ela chega ou se guarda”, disse, enquanto enfileirava baldes sob a torneira. Mas, naquela noite, para a sua triste surpresa, ao girar o registro, nem uma gota escorreu. “T� vendo?!”, desabafou, vencida.
Assim como na casa de dona Rita, garantir o abastecimento de �gua tratada na Grande BH ainda � um desafio para a Copasa e para prefeituras que mant�m servi�o aut�nomo. Com base no Sistema Nacional de Informa��es de Saneamento (SNIS), de cada 100 habitantes da �rea mais populosa de Minas Gerais, praticamente 10 n�o recebem fornecimento de �gua pot�vel, o equivalente a 9,3% de uma popula��o de mais de 5 milh�es de pessoas nos 34 munic�pios (veja quadro). A situa��o � ainda mais grave quando se mede o desperd�cio, que chega a 43,7%, em m�dia, da �gua captada na regi�o metropolitana, mesmo volume de Belo Horizonte, ambos acima da m�dia nacional, de 40,3%.
A Copasa, que fornece �gua para 21 dos 34 munic�pios da Grande BH, afirma que atende a “99,6% de economias residenciais ativas e inativas de �gua em rela��o ao n�mero de im�veis existentes na �rea de abrang�ncia” e que essa metodologia � a exig�ncia da Resolu��o ANA 106 de 04/11/2021. “(S�o) Os indicadores para aferi��o do cumprimento das metas de universaliza��o (abastecimento para todos) estabelecidos pela Lei Federal 14.026/2020, que prev� o prazo para meta de universaliza��o de 99% at� 2033”,informou a empresa.
Cruzando os dados referentes a desabastecimento e desperd�cio do SNIS, que tem sua base de refer�ncia no ano de 2021, o munic�pio de Sabar� desponta na Grande BH como o de pior situa��o, na soma de baixo atendimento e perda elevada. Por esse crit�rio, a cidade � seguida por Santa Luzia, Esmeraldas, Ribeir�o das Neves e Vespasiano, fechando as cinco de pior situa��o.
Em Sabar�, a cada cinco habitantes um n�o recebe �gua tratada, segundo os dados do SNIS. S�o 28.774 pessoas que precisam encontrar outras formas de abastecimento sem a garantia dos �rg�os reguladores. O desperd�cio no munic�pio tamb�m � enorme. De toda a �gua captada, tratada e enviada pelo sistema de abastecimento, 62,39% se perde no caminho, entre vazamentos e conex�es clandestinas.
No Bairro Borges, de Sabar�, um dos problemas segundo os moradores � a falta de condi��es das caixas de abastecimento da Copasa. Uma delas, no alto de um morro sob o qual se abrem as ruas e casas, a ferrugem se alastra pela estrutura met�lica, recentemente pintada de branco e com o logotipo da companhia de abastecimento. Na base da torre, furos escoam a �gua tratada que falta para muitos, escorrendo pela terra at� a rua.
No lote vizinho, um inc�ndio transformou em cinzas a vegeta��o e atingiu tamb�m a caixa d'�gua, ampliando o desgaste da estrutura. O cercamento e as portas de acesso ao reservat�rio tamb�m ficam escancarados e h� sinais de vandalismo, como na placa que descreve o sistema que foi jogada no ch�o.
Onde n�o falta, vaza
Se na parte alta do Bairro Borges a �gua n�o chega, na parte baixa a realidade � de mais desperd�cio de �gua tratada, com vazamentos aflorando do asfalto e dos passeios com frequ�ncia, chegando a amedrontar moradores pelo rico de lavar e remover o solo dos alicerces das moradias, o que traz preocupa��es com poss�veis abatimentos e desabamentos.
� uma das preocupa��es do vigilante aposentado Jos� L�zaro Mar�al, de 72 anos, morador da Rua Rio das Velhas e que de repente viu se formar um pequeno chafariz no passeio diante de sua garagem. “Tem tr�s dias que minha filha e eu ligamos todos os dias para a Copasa vir aqui resolver isso. O pior � que vai minando, vai tirando a terra debaixo da entrada da minha garagem, a gente fica com medo de formar um buraco, o cimento ceder e a roda do carro cair com o peso quando passar”, disse.
Fora as infiltra��es escondidas sob o solo, a tubula��o rompida despejava grande volume de �gua tratada pelo asfalto, engolida ao longo do trajeto por bocas de lobo da drenagem de chuvas, com destino ao Rio das Velhas. O restante seguia at� empo�ar diante da Escola Municipal Irene Pinto.
Uma equipe da Copasa compareceu ao local e abriu um buraco para acessar e reparar a tubula��o, fechando depois a escava��o. Interpelados pelo morador sobre a demora, os trabalhadores mostram o chamado com data do dia anterior. “� verdade. Fiz essa chamada no dia anterior e vieram hoje. S� esqueceram de dizer que fiz outros – dois dias antes e tr�s dias antes. � sempre a mesma desculpa. E n�o duvido que logo ficaremos sem �gua de novo ou com outros vazamentos, porque essa tem sido a nossa rotina”, reclama o aposentado.
Combater perdas � indispens�vel
Os problemas que levam ao abastecimento deficiente e ao alto �ndice de desperd�cio da capta��o e distribui��o de �gua s�o diversos e muitos deles est�o ligados, avalia o vice-presidente do Comit� da Bacia Hidrogr�fica do Rio S�o Francisco e diretor do Instituto Guaicuy, professor Marcus Vin�cius Polignano. “A situa��o envolve a empresa de saneamento e a ag�ncia reguladora (Arsae). Realmente, temos uma taxa de perda muito alta. Pensando que temos uma fragilidade de disponibilidade no territ�rio e sofremos com a escassez imposta pelas mudan�as clim�ticas, n�o d� para desperdi�ar”, afirma.
Por outro lado, o ambientalista ressalta que h� tamb�m a��es como sabotagem, liga��o direta e vazamentos da rede antiga. “O que se teria de fazer como pol�tica p�blica � estabelecer um plano de metas paulatino. Ter uma programa��o para que haja redu��o das perdas. Ao mesmo tempo, � necess�rio chegar � universaliza��o, que � garantir o acesso a todos para abastecimento. Isso envolve pol�ticas p�blicas, para ajudar o pequeno a ter condi��es. Subsidiar mais pode valer mais a pena do que ter esse n�vel de perdas.”
Segundo a Copasa, o �ndice de perdas � composto por diversos fatores, “entre eles o uso n�o autorizado por meio de fraudes nas liga��es e pelo abastecimento de ocupa��es urbanas, a imprecis�o t�cnica da medi��o e os vazamentos em rede”.
Para regi�es de vulnerabilidade social, a companhia afirma estar desenvolvendo um projeto com a��es de mobiliza��o para ades�o dos moradores �s redes de �gua. “S� no Morro das Pedras, o projeto visitou 2.099 im�veis, tendo ades�o de 2.005 fam�lias, com 1.330 obras realizadas. Diante do sucesso desse projeto, a Copasa est� se preparando para expandir a iniciativa para outras regi�es. J� para as ocupa��es urbanas, a companhia vem atuando, em conjunto com as prefeituras, no intuito de promover a devida regulariza��o e a implanta��o das redes”, informou.
Com rela��o �s perdas por vazamentos de �gua, a Copasa afirma investir em tecnologias para a sua identifica��o em 14 das 34 cidades da Grande BH. “O trabalho de pesquisa e corre��o imediata de vazamentos n�o vis�veis tem produzido resultados positivos. Desde abril de 2022, in�cio do contrato, j� foram percorridos mais 16.500 quil�metros de rede e corrigidos mais de 4.500 vazamentos”, acrescentou a empresa.
Com rela��o � situa��o do Bairro Borges, em Sabar�, a Copasa afirma que os vazamentos ocorridos j� foram corrigidos. “As reclama��es de desabastecimento na parte alta do bairro ocorreram em raz�o da redu��o de press�o causada por esses vazamentos. Com as manuten��es realizadas, a situa��o foi normalizada. J� com rela��o aos bairros de Esmeraldas e Ribeir�o das Neves, no entorno da BR-040, existem obras em andamento e previstas para os pr�ximos meses com o objetivo de melhorar o abastecimento da regi�o e reduzir a necessidade de refor�o por caminh�o-pipa.”
Os �ndices de pessoas que n�o recebem �gua encanada fornecida regularmente pelos servi�os p�blicos em Santa Luzia, e Esmeraldas Ribeir�o das Neves s�o parecidos com os de Sabar� (21,41%), com falta de alcance do abastecimento chegando a 23,53%, 28,67% e 18,58% da popula��o n�o atendida por �gua pot�vel encanada, respectivamente. Contudo, os tr�s munic�pios sob concess�o da Copasa t�m popula��o significativa, o que transforma o quantitativo de n�o atendidos em um montante expressivo, com 52.022 pessoas desassistidas em Santa Luzia, 19.390 em Esmeraldas e 62.971 em Ribeir�o das Neves.
Munic�pio vizinho de Neves, Esmeraldas est� em situa��o t�o ruim que parte de seus bairros � beira da BR-040 precisam ser abastecidos com caminh�es-pipa que fazem a capta��o da �gua justamente em pontos da cidade pr�xima. Um deles fica no Bairro Cidade Neviana, na Pra�a Neviana, onde quatro caminh�es se utilizam do hidrante instalado para levar �gua para v�rias comunidades �s margens da rodovia, nos bairros de Esmeraldas, como Quinta S�o Jos�, Vivendas Barbosa, Parque Sabi� e Novo Ceasa e at� mesmo na pr�pria cidade de Neves, como Vale da Prata, Metropolitano e Veneza.
Mesmo quem tem liga��es de �gua e recebe o abastecimento pelo qual pagou ainda sofre com paralisa��es de fornecimento. Em 2021, ano do mais recente estudo do Sistema Nacional de Informa��es de Saneamento, a Grande BH teve 448 paralisa��es de fornecimento, o que representaria 1,2 por dia naquele per�odo. A dura��o das paralisa��es somadas chega a 5.023 dias, ou m�dia de 11,2 dias sem �gua somando cada interrup��o de fornecimento.
Belo Horizonte registrou 0,6 paralisa��es por dia ou 1,2 a cada dois dias, sendo que a m�dia � de 11,3 dias de dura��o para cada interrup��o. Sabar� registrou apenas seis interrup��es de sistema e 69 dias de dura��o. Santa Luzia aparece com 20 interrup��es e 227 dias e Ribeir�o das Neves chegou a 25 suspens�es de fornecimento por 312 dias.