O Estado do Rio de Janeiro vive uma situa��o singular desde que a pandemia come�ou.
Por um lado, h� o otimismo com o avan�o da vacina��o: muitas cidades j� aplicaram a primeira dose contra a covid-19 em praticamente toda a popula��o adulta.
Por outro, existe uma apreens�o com a chegada e o r�pido espalhamento da variante Delta do coronav�rus e o crescimento do n�mero de interna��es por infec��es respirat�rias, o que liga o sinal de alerta das autoridades e amea�a os planos de reabertura.
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"Os dados mostram um aumento recente das hospitaliza��es entre os grupos mais velhos. Isso est� acontecendo em outros lugares, mas, no Rio de Janeiro, a situa��o est� pior", avalia o pesquisador Leonardo Bastos, da Funda��o Oswaldo Cruz (FioCruz).
"As �ltimas estat�sticas sugerem que algo diferente est� acontecendo no Estado, mas ainda n�o sabemos exatamente o que �", completa.
O infectologista Alberto Chebabo, diretor m�dico do Hospital Universit�rio Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, v� essa mudan�a de cen�rio acontecer na pr�tica.
"Recentemente, houve um aumento na demanda por interna��o por covid-19, especialmente entre idosos e profissionais da sa�de", relata.
"Isso era uma coisa que n�o v�amos com essa frequ�ncia havia um bom tempo", complementa o especialista, que tamb�m � vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Mas o que est� por tr�s dessa piora? E ser� que o mesmo pode se repetir ao longo dos pr�ximos meses em outros Estados e regi�es do pa�s?
Crise fluminense
Ap�s um primeiro semestre de 2021 bastante complicado, marcado por uma segunda onda devastadora, o Rio de Janeiro viveu, entre maio e julho, uma tend�ncia de queda nos n�meros da pandemia.
Um cen�rio parecido, ali�s, ocorreu no restante do pa�s, com uma redu��o consider�vel nos diagn�sticos, nas interna��es e nas mortes pela doen�a nesse mesmo per�odo.
Mas h� dois detalhes importantes nessa hist�ria, que valem tanto para o Estado fluminense como para o Brasil todo. Primeiro, as notifica��es permaneceram muito altas, mesmo no per�odo de calmaria recente, com dezenas de milhares de casos e centenas de �bitos todos os dias.
O segundo ponto � que, de acordo com o Boletim InfoGripe, publicado periodicamente pela FioCruz, a taxa de transmiss�o de v�rus respirat�rios seguiu extremamente elevada em boa parte do territ�rio brasileiro, mesmo no momento de maior tranquilidade.
Isso nos colocou numa situa��o delicada, em que uma nova piora poderia estourar a qualquer momento.
E � justamente isso que parece estar acontecendo agora no Rio de Janeiro, com uma retomada no crescimento da covid-19.
Vamos analisar o que aconteceu com os casos da doen�a por l�, seguindo os registros compilados pelo Conselho Nacional de Secret�rios de Sa�de, o Conass.
Na primeira semana de maio, foram feitos mais de 39 mil diagn�sticos da infec��o, um recorde at� agora.
Na �ltima semana de junho, esse n�mero baixou para 14 mil, o menor n�vel desde o �pice da segunda onda.
Nos primeiros sete dias de agosto, por�m, foram detectados 27 mil novos casos.
E o que acontece com as hospitaliza��es?
"No pior momento da pandemia, n�s chegamos a ter cerca de 1,4 mil pacientes internados nos hospitais da regi�o e, agora, estamos na casa dos 700", calcula Chebabo.
Embora a ocupa��o de leitos no Estado esteja em 69% da capacidade, o que � considerado um n�vel de alerta m�dio nos relat�rios do Observat�rio Covid-19 da FioCruz, a situa��o da capital � cr�tica: atualmente, 96% das vagas dispon�veis para tratar a covid-19 nas institui��es cariocas est�o preenchidas.
"� poss�vel que, em algum momento pr�ximo, precisemos suspender cirurgias eletivas e readequar os leitos para atender a demanda da covid-19 mais uma vez", diz o vice-presidente da SBI.
O m�dico explica que esse novo aumento nos diagn�sticos e nas hospitaliza��es ainda n�o impactou as taxas de �bitos.
"N�s s� vamos poder analisar se h� um crescimento nas mortes daqui a algumas semanas, at� porque a piora vem em ondas. Primeiro as pessoas se infectam, da� elas ficam doentes, s�o internadas e demoram um tempo para se recuperar ou morrer", explica Chebabo.
Os ingredientes por tr�s da piora
De acordo com os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, n�o � poss�vel destacar um �nico fator por tr�s do repique fluminense.
"Existem algumas hip�teses que ajudam a entender o que est� acontecendo, mas elas n�o s�o excludentes", contextualiza Bastos.
"� preciso considerar a chegada da variante Delta do coronav�rus, o relaxamento da popula��o e das medidas restritivas e at� uma eventual perda de efetividade das vacinas com o passar do tempo", lista o pesquisador.
Essa � uma figura que gero toda semana, ela n�o entra no fio padr�o pois geralmente uso as hospitaliza��es por SRAG, aqui temos SRAG com confirma��o por COVID-19. Vou botar uma lupa no RJ pic.twitter.com/mT1rUt3yem
— Leo Bastos (@leosbastos) August 21, 2021
Vamos come�ar pela Delta: a linhagem que surgiu na �ndia foi identificada no Brasil a partir de maio de 2021 e, desde ent�o, as equipes de vigil�ncia est�o acompanhando como ela se espalha pa�s adentro.
E o Rio de Janeiro � perfeito para entender a progress�o dessa variante. Isso porque o Estado possui a Rede Corona-�mica RJ, um projeto que re�ne pesquisadores de v�rias institui��es e tem como meta acompanhar as diferentes linhagens do coronav�rus, detectar o surgimento de muta��es e entender como essas altera��es gen�ticas influenciam no andamento da pandemia.
"A cada 15 dias, n�s coletamos de forma aleat�ria cerca de 380 amostras de pacientes infectados de v�rios munic�pios do Rio de Janeiro, que s�o sequ�ncias", conta a geneticista Ana Tereza Vasconcelos, do Laborat�rio Nacional de Computa��o Cient�fica, uma das institui��es que faz parte da iniciativa.
E a evolu��o das variantes em terras fluminenses � bem clara: entre janeiro e julho de 2021, a Gama (detectada originalmente em Manaus) era a linhagem mais frequente, com larga vantagem sobre as demais concorrentes.
Em agosto, por�m, a Delta se tornou predominante e, de acordo com a �ltima nota t�cnica da Rede Corona-�mica RJ, ela j� est� presente em 61% das amostras analisadas pelos laborat�rios parceiros.
"Em paralelo ao crescimento da Delta, n�o podemos ignorar tamb�m o que ocorre com as outras variantes. A Gama tem sofrido muta��es e j� encontramos nove sublinhagens dela por aqui", alerta Vasconcelos.
"O coronav�rus est� se modificando constantemente para continuar circulando entre n�s", diz.
O pior (ainda n�o) passou
Apesar de a Delta ser mais transmiss�vel que as vers�es anteriores, ela n�o pode ser encarada como a �nica culpada pela situa��o no Rio de Janeiro at� porque as medidas de preven��o, como o distanciamento f�sico, o uso de m�scara e a ventila��o dos ambientes, continuam a funcionar contra essa e as demais variantes.
� por isso que os especialistas tamb�m chamam a aten��o para o relaxamento das pol�ticas de restri��o como outro fator que ajuda a explicar o agravamento recente.
"As pessoas acham que, ap�s a vacina��o, est� tudo liberado e podemos voltar ao normal, mas n�o � bem assim. N�o estamos no momento de deixar as m�scaras de lado", aconselha Vasconcelos.

Nesse sentido, os an�ncios feitos por munic�pios do Rio de Janeiro sobre a realiza��o de megaeventos, como o R�veillon e o Carnaval, n�o ajudam em nada, avaliam os especialistas.
"� claro que o gestor p�blico precisa se programar e planejar as coisas, mas falar abertamente em festas agora, neste momento, passa uma sensa��o de normalidade que n�o existe na pr�tica. A pandemia n�o acabou", critica Chebabo.
"N�o sabemos o que vai acontecer nos pr�ximos meses. O cen�rio muda muito rapidamente", completa.
Quem precisa de refor�o?
Falando das vacinas, existe atualmente muita discuss�o sobre uma eventual perda de efic�cia.
Os estudos indicam que elas continuam importantes para proteger os casos graves, as hospitaliza��es e as mortes, mas alguns grupos mais vulner�veis parecem sofrer com uma diminui��o da imunidade seis meses ap�s tomarem as duas doses.
Essa queda na prote��o vacinal tamb�m ajudaria a explicar o recente aumento nas interna��es de indiv�duos mais velhos no Rio de Janeiro, como mostram os relatos colhidos pela BBC News Brasil e as �ltimas edi��es do Boletim Infogripe.

Foi justamente para lidar com isso que, a exemplo de pa�ses como Israel, Estados Unidos e Chile, o Minist�rio da Sa�de anunciou que idosos e imunossuprimidos (portadores de HIV, indiv�duos em tratamento de c�ncer, rec�m-transplantados, entre outros) tomar�o uma terceira dose do imunizante a partir de 15 de setembro.
Em paralelo ao refor�o para os grupos mais vulner�veis, os cientistas consideram essencial que todo mundo que j� recebeu a primeira dose volte ao posto de sa�de na data estipulada para a segunda aplica��o.
O Rio de Janeiro de hoje � o Brasil de amanh�?
Por fim, � natural questionar se o agravamento da pandemia em um Estado pode se repetir ou se espalhar para o restante do pa�s at� o final do ano.
Para Bastos, a situa��o local deveria representar, sim, uma preocupa��o.
"O Rio de Janeiro � um ponto de conflu�ncia e tem uma grande conex�o com outras regi�es brasileiras, especialmente com S�o Paulo", analisa o pesquisador da FioCruz.
"E sabemos que, quando a piora chega em S�o Paulo, ela se espalha mais facilmente para outros lugares", conclui.
Para Vasconcelos, tudo indica que a variante Delta tamb�m esteja se espalhando por v�rios Estados do pa�s e os dados do Rio de Janeiro chamam a aten��o justamente por existir ali uma vigil�ncia gen�mica do coronav�rus, ao contr�rio do que acontece em outros locais.
"� o popular 'quem procura, acha'. Como n�s estruturamos uma rede de laborat�rios com capacidade de fazer esse acompanhamento gen�mico, acabamos observando com detalhes a presen�a dessa e de outras variantes", conta.
Para conter o avan�o do problema no Rio de Janeiro ou no resto do Brasil, Chebabo diz que � hora de acelerar a vacina��o.
"Precisamos ampliar a nossa cobertura vacinal, com a garantia da segunda dose a todo mundo, a oferta da terceira a quem precisa e o avan�o da prote��o entre os adolescentes", aponta.
"Em paralelo, precisar�amos fazer tudo aquilo que n�o foi feito at� agora para conter a transmiss�o viral, como reduzir a circula��o de pessoas e criar programas de testagem, rastreamento e isolamento de casos", lembra Bastos.
De acordo com as �ltimas informa��es do Conass, o Rio de Janeiro j� registrou oficialmente 1,1 milh�o de casos e 61,9 mil mortes por covid-19 desde que a pandemia come�ou.
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