
Conte�do verificado: Postagens no Instagram e no Twitter de um m�dico defendendo que ivermectina � um rem�dio “enviado por Deus”, seguro em altas doses e com estudos j� comprovados de sua a��o antiviral.
� enganoso o conte�do de postagens feitas pelos perfis de um m�dico no Twitter e no Instagram em que ele afirma que a ivermectina � um “rem�dio enviado por Deus”, barato, seguro em altas doses, pouco metabolizado no f�gado e n�o filtrado nos rins e que sua a��o antiviral j� foi comprovada em estudos. O medicamento, de fato, � barato, mas ele n�o � seguro em altas doses, n�o tem efic�cia antiviral comprovada e deve ser utilizado apenas como antiparasit�rio, como indica a bula. Doses al�m do recomendado podem provocar intoxica��o e rea��es que v�o desde urtic�ria at� convuls�o.
Al�m disso, segundo especialistas ouvidos pelo Comprova, o teor de metaboliza��o do medicamento no f�gado ou de filtragem pelos rins n�o �, por si s�, um indicativo de que ele seja seguro e que possa ser tomado em altas doses. Isso porque, ainda que um medicamento tenha baixa toxicidade, n�o quer dizer que ele n�o possa fazer mal. A ivermectina tem muitas intera��es medicamentosas e seu uso � recomendado em dose �nica, e n�o di�ria ou semanalmente, como vem sendo prescrita pelos defensores do “kit covid” e do “tratamento precoce”.
De acordo com a bula do medicamento, a ingest�o de altas doses pode provocar intoxica��o e, nestes casos, o paciente deve procurar assist�ncia m�dica imediatamente levando, se poss�vel, a bula ou a embalagem do medicamento. S�o relatados com maior frequ�ncia les�es cut�neas at� urtic�ria, incha�o, dor de cabe�a, tontura, falta de disposi��o, n�usea, v�mitos, dor abdominal, diarreia, convuls�es, altera��o do equil�brio, falta de ar e altera��es na sensibilidade. A Food and Drug Administration (FDA) alerta para a possibilidade de coma e at� morte em caso de overdose.
Como verificamos?
Primeiramente, buscamos informa��es profissionais do usu�rio @CanaldoFalcao1 em seu perfil no Twitter e encontramos o registro profissional de Marcos Falc�o Farias Monte, sob o n�mero 8608-AL, no Conselho Regional de Medicina do Estado de Alagoas. Tamb�m analisamos um canal do Telegram mantido pelo m�dico, por meio do qual encontramos um estudo envolvendo a ivermectina como potencial profil�tico para covid, compartilhado por ele. O material foi publicado no peri�dico Journal of Clinical and Diagnostic Research, considerado de m�dia relev�ncia, sem ser de excel�ncia nacional ou internacional.
Em seguida, a partir de postagens em que o m�dico defendia e prescrevia a ivermectina e outros medicamentos do chamado “kit covid”, entramos em contato com especialistas para falar sobre os efeitos da droga e o impacto de altas doses. Para isso, ouvimos o infectologista F�bio Amorim, m�dico do Instituto Couto Maia, em Salvador, unidade de refer�ncia para doen�as infectocontagiosas, e tamb�m o hepatologista Raymundo Paran�, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do n�cleo de pesquisa em Hepatologia do Complexo Hospitalar Universit�rio Professor Edgard Santos (HUPES/UFBA).
Buscamos informa��es sobre o uso da ivermectina para pacientes com covid-19 junto � Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) e sobre os efeitos do medicamento em reportagens, como esta, publicada pelo "Correio", e esta outra, do UOL.
Por fim, tamb�m entramos em contato por meio de um n�mero de celular dispon�vel na conta do Twitter de Marcos Falc�o. Ele respondeu por outro n�mero de telefone, exigindo o n�mero de registro do jornalista e n�o respondendo �s quest�es propostas. Tamb�m tentou intimidar o profissional, amea�ando denunci�-lo, processar o Comprova e, ao fim, compartilhou trechos da conversa nas redes sociais, desmerecendo o trabalho da checagem.
O Comprova fez esta verifica��o baseado em informa��es cient�ficas e dados oficiais sobre o novo coronav�rus e a COVID-19 dispon�veis no dia 16 de junho de 2021.
Verifica��o
O que diz a bula da ivermectina
Dispon�vel no bul�rio eletr�nico da Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), a bula da ivermectina recomenda a ingest�o de uma dose �nica do medicamento para tratar doen�as causadas por vermes ou parasitas. Na maior parte das doen�as – estrongiloid�ase, filariose, ascarid�ase, escabiose e pediculose –, a dosagem recomendada � de 200 mcg por quilo de peso corporal. Uma pessoa que pesa entre 66 kg e 79 kg, por exemplo, deve tomar dois comprimidos e meio. Acima desse peso, o paciente deve calcular a quantidade de mcg por kg para tomar a dosagem correta.

No caso do tratamento para oncocercose, a dose oral �nica deve ser de 150 mcg/kg de peso corporal. Uma pessoa que pesa entre 65 kg e 84 kg deve tomar dois comprimidos.

A bula esclarece que a dose n�o deve ser repetida, a menos que haja recomenda��o m�dica e ap�s a realiza��o de exames laboratoriais. Tamb�m informa que, “em caso de intoxica��o acidental ou na exposi��o significativa a quantidades desconhecidas de formula��es veterin�rias de ivermectina em humanos, seja por ingest�o, inala��o, inje��o ou exposi��o de �reas do corpo”, o paciente deve procurar assist�ncia m�dica imediatamente levando, se poss�vel, a bula ou a embalagem do medicamento.
A bula da ivermectina informa que foram relatados alguns sintomas ap�s a ingest�o de dose acima da recomendada. Com maior frequ�ncia aparecem les�es cut�neas at� urtic�ria, incha�o, dor de cabe�a, tontura, falta de disposi��o, n�usea, v�mitos, dor abdominal, diarreia, convuls�es, altera��o do equil�brio, falta de ar e altera��es na sensibilidade.
Problemas no f�gado e nos rins
No post verificado aqui, Marcos Falc�o afirma que a ivermectina � um “rem�dio enviado por Deus”, que � “apenas 8% metabolizado no f�gado” e que “a mol�cula � grande e portanto n�o � filtrada nos rins”. Ele tamb�m afirma haver estudos comprovados de sua a��o antiviral e que a medica��o � “segura em altas doses”.
M�dicos ouvidos pelo Comprova, contudo, refutam a informa��o publicada por Falc�o. Tanto o infectologista F�bio Amorim, do Instituto Couto Maia, em Salvador, quanto o hepatologista Raymundo Paran�, da UFBA, t�m atendido pacientes com problemas relacionados � ingest�o de altas doses da ivermectina.
“N�o desmerecendo o papel de Deus nisso tudo, mas �, no m�nimo, question�vel. N�o tem nenhum documento, nenhum paper (artigo cient�fico), em nenhum lugar do mundo que prove a efic�cia da ivermectina (contra a covid). Eu desconhe�o. N�o tem medica��o nenhuma milagrosa. A gente trata as complica��es da doen�a e n�o tem nada que trate ou amenize a covid”, afirma F�bio Amorim, que atende apenas em ambiente hospitalar pacientes infectados pelo coronav�rus.
Ele acrescenta, ainda, que nenhuma medica��o � segura em altas doses. “O que diferencia droga de veneno � volume, � quantidade. Nada em excesso ou fora de padr�o � ben�fico para ningu�m. Se voc� conversar com gastroenterologista, tem pacientes com intoxica��o por hipervitaminose, por excesso de vitamina D, e se voc� n�o tratar, o paciente pode ter infarto em poucos anos. Nem vitamina � ben�fica em altas doses e as pessoas est�o fazendo overdose de ivermectina, de hidroxicloroquina, de zinco, de vitamina D. N�o tem porque a gente usar medicamento em demasia. Isso � insanidade”, afirma.
Raymundo Paran�, que tem atendido pacientes com les�es no f�gado por conta do uso indiscriminado da ivermectina, refor�a que a quantidade metabolizada no f�gado ou filtrada nos rins n�o torna o medicamento seguro, ou mesmo eficaz, contra a covid. “Ela tem muitas intera��es medicamentosas, tem neurotoxicidade e, embora o potencial de toxicidade dela seja muito baixo, n�o quer dizer que ela n�o tenha potencial de toxicidade”, explica.
“A medicina tem como princ�pio primum non nocere – primeiro n�o fa�a mal. Para saber se n�o est� fazendo mal, a gente tem que ter no��o de que ela faz bem, o quanto faz mais bem do que mal. Se a gente n�o tiver essa no��o, o pouco mal pode se transformar num grande mal se eu n�o tenho benef�cio. Como qualquer outra droga, se eu n�o tenho vantagens com o uso dela, eu s� acumulo desvantagens. E, at� o momento, a ivermectina � utilizada como antiparasit�rio e nem o fabricante recomenda que se use em outra coisa”, aponta.
O que dizem as entidades de sa�de e o fabricante
A OMS e a Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (OPAS), bra�o da OMS nas Am�ricas, n�o recomendam o uso de ivermectina para nenhum prop�sito que n�o seja aqueles para os quais o medicamento � autorizado: doen�as parasit�rias, como oncocercose e sarna.
A revis�o dos estudos sobre medicamentos para uso em pacientes com covid-19 identificou “incerteza nos benef�cios e danos potenciais”. “Embora estimativas sugiram benef�cios com ivermectina, fatores como limita��es metodol�gicas dos estudos apontam que as evid�ncias s�o insuficientes e que mais pesquisas s�o necess�rias para confirmar ou descartar esses achados”, diz a OMS.
Em 31 de mar�o de 2021, a organiza��o recomendou que a ivermectina fosse usada apenas em ensaios cl�nicos relacionados � covid-19, tendo em vista que a evid�ncia atual sobre o uso desse medicamento para tratar pacientes com a doen�a � inconclusiva.
A Food and Drug Administration (FDA), ag�ncia de regula��o dos Estados Unidos, tamb�m n�o aprova o uso da ivermectina para tratar ou prevenir a covid-19 e alerta que o uso de doses excessivas do medicamento, que n�o tem efeito antiviral, pode causar danos. A European Medicines Agency (EMA) tamb�m desaconselha o uso da ivermectina para pacientes com covid ou para prevenir a doen�a.
O laborat�rio Merck, fabricante da ivermectina nos Estados Unidos, afirmou em 4 de fevereiro de 2021 que os cientistas da empresa examinam cuidadosamente todos os estudos dispon�veis e emergentes de ivermectina para o tratamento da doen�a para evid�ncias de efic�cia e seguran�a.
At� o momento, diz, a an�lise identificou n�o haver base cient�fica para um efeito terap�utico potencial contra a covid de estudos pr�-cl�nicos; n�o haver evid�ncia significativa para atividade cl�nica ou efic�cia cl�nica em pacientes com a doen�a; e preocupa��o com a falta de dados de seguran�a na maioria dos estudos.
“N�o acreditamos que os dados dispon�veis suportem a seguran�a e efic�cia da ivermectina al�m das doses e popula��es indicadas nas informa��es de prescri��o aprovadas pela ag�ncia reguladora”, diz o comunicado.
Quem � o autor do post
Marcos Falc�o Farias Monte � m�dico com registro no Conselho Regional de Medicina do Estado de Alagoas, sob o n�mero 8608-AL. O documento foi emitido h� seis meses, em 15 de dezembro de 2020, ap�s ele se formar pela Universidade Federal de Alagoas. N�o h� especialidades registradas.
Ele atende no formato de telemedicina e, tanto no Twitter quanto no Instagram, se apresenta como ativista pol�tico de direita, oferecendo tratamento imediato contra a covid. Tamb�m mant�m um canal no YouTube, que j� passou quatro meses desmonetizado como puni��o aplicada pela plataforma.
Via WhatsApp, o m�dico oferta servi�os de an�lise cl�nica, prescri��o de rem�dios, acompanhamento at� a cura dos sintomas e solicita��o de exames, com direito a quatro retornos por um valor de R$250.
Tamb�m pelos perfis, o Comprova localizou um canal do Telegram mantido pelo m�dico com mais de 5 mil inscritos. Na plataforma, Falc�o recomenda – para “ajudar na preven��o da covid” – que todo domingo as pessoas tomem um comprimido de ivermectina para cada 30 kg. “Se tiver num meio-termo, arredonda para mais. Exemplo: 45 kg, toma dois”, diz a publica��o, que indica, ainda, a ingest�o de outras quatro subst�ncias tamb�m sem comprova��o contra a covid em dias alternados, por semana ou diariamente. Em nenhum momento o profissional orienta as pessoas a consultarem um m�dico antes da ingest�o do combo.
Para o hepatologista Raymundo Paran�, essa dosagem n�o � testada em humanos e n�o h� estudos que comprovem o efeito antiviral da ivermectina, diferente do que diz Falc�o. “J� vi pacientes tomando 2 comprimidos por dia, 1 por dia, 1 por semana, 1 a cada 15 dias e j� vi 12 comprimidos por dia. � uma loucura. Nunca vi uma prescri��o igual � outra porque ningu�m sabe qual � a dose e nem o tempo de tratamento. Quando, em medicina, existem propostas muito diferentes, � porque nenhuma presta. Quando tem alguma que presta, todo mundo faz igual”, explica.
Ele destaca que opini�es individuais que defendem o uso da ivermectina contra a covid s�o fr�geis e n�o h� estudos s�rios que comprovem sua efic�cia, afirmando n�o fazer sentido que a venda do medicamento tenha crescido vertiginosamente justo no momento em que a pandemia teve mais v�timas.
“Se fosse uma dose t�o milagrosa assim, n�o deveria ter essa coincid�ncia, voc� deveria ter menos casos graves. Mas, pelo contr�rio, voc� teve muito mais casos do que quando n�o se usava. Obviamente que se fosse demonstrada a efic�cia, nenhum m�dico s�rio do mundo se recusaria a prescrev�-la”, afirma.
O m�dico Marcos Falc�o, em uma das postagens no Telegram, chega a compartilhar o estudo “Use of Ivermectin as a Potential Chemoprophylaxis for Covid-19 in Egypt: A Randomised Clinical Trial”, publicado no Journal of Clinical and Diagnostic Research, afirmando que ele comprova efeito da ivermectina na prote��o contra a covid.
A conclus�o do estudo, entretanto, sugere que a ivermectina apresenta efic�cia promissora enquanto droga quimioprofil�tica (uso de medicamento de modo preventivo) contra a covid, acrescentando que trata-se de um primeiro relat�rio em rela��o ao uso da subst�ncia na profilaxia e que � apropriado se estudar rigorosamente o medicamento.
Conforme consulta na Plataforma Sucupira, da Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal de N�vel Superior (Capes), vinculada ao Minist�rio da Educa��o, o peri�dico no qual o estudo foi publicado � avaliado como B3 na �rea de Medicina I, ou seja, considerado de m�dia relev�ncia, sem ser de excel�ncia nacional ou internacional.
A cientista Natalia Pasternak, microbiologista da Universidade de S�o Paulo (USP), ouvida pela Comiss�o da Pandemia no Senado no dia 11 de junho de 2021, projetou em tel�o uma s�rie de estudos cient�ficos reconhecidos, de diversas partes do mundo, mostrando que a cloroquina e outros medicamentos do chamado “tratamento precoce”, dentre eles a ivermectina, n�o funcionam contra a covid-19.
Ela destacou que o chamado ‘kit covid’, que engloba rem�dios como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, n�o tem base cient�fica, argumentando que a hidroxicloroquina, por exemplo, nunca foi testada em conjunto com ivermectina, e, juntas, podem ter intera��es medicamentosas que podem ser nocivas para os rins, para o f�gado e podem levar pessoas � fila do transplante.
Na ocasi�o, o senador Luis Carlos Heinze defendeu que a ivermectina tem comprova��o cient�fica no combate � covid, declarando haver cinco metan�lises favor�veis, sendo duas j� publicadas (pelos doutores Pierre Kory – j� verificado pelo Comprova – e Timotheus). A cientista, entretanto, voltou a negar a efic�cia, defendendo que boas metan�lises devem incluir “os melhores estudos feitos sobre aquele assunto”.
“Se a gente fizer uma metan�lise s� com estudos fracos, a gente vai ter uma metan�lise fraca, e da� v�o poder dizer que algo funciona, quando, na verdade, o conjunto das evid�ncias que foi contemplado naquelas metan�lises � um conjunto de evid�ncias fracas. Ent�o precisamos ter metan�lises bem feitas”, declarou a especialista, lembrando que o consenso cient�fico � constitu�do a partir de in�meras pesquisas, de diferentes n�veis de qualidade.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conte�dos suspeitos que tenham viralizado nas redes sociais sobre a pandemia ou sobre pol�ticas p�blicas do governo federal. Quando esse conte�do envolve medicamentos ou tratamentos contra o novo coronav�rus, sua checagem se torna ainda mais necess�ria, porque informa��es incorretas podem levar as pessoas a colocarem a sa�de em risco.
As postagens verificadas aqui tiveram mais de 4,1 mil curtidas, 1,2 mil compartilhamentos e 101 coment�rios no Twitter, al�m de 4,7 mil curtidas no Instagram.
Neste ano j� foram publicadas checagens informando que a ivermectina n�o tem efic�cia comprovada contra a covid-19 pelas ag�ncias Boatos.Org, Aos Fatos e o pr�prio Comprova.
Enganoso, para o Comprova, � o conte�do retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra altera��es; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpreta��o diferente da inten��o de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a inten��o deliberada de causar dano.
