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Estado de Minas artigo

O homem-massa: cuidado para n�o se tornar um

O homem-massa adora postar todo tipo de opini�o e o faz, fanaticamente, como quem cultiva as p�rolas mais preciosas


22/01/2022 04:00




Jelson Oliveira
Fil�sofo, professor e coordenador do Programa 
de P�s-Gradua��o em Filosofia da PUCPR

Este n�o � um manual de instru��es. Mas pode se tornar. Quando o fil�sofo espanhol Ortega y Gasset escreveu o seu “A rebeli�o das massas”, ele forneceu um diagn�stico de um dos eventos mais marcantes da modernidade: o aparecimento de um tipo de pessoa (n�o raro reunida em um grupo) que foi definida por ele como homem-massa (claro, tamb�m, mulher-massa, jovem-massa, idoso-massa etc.). Para o fil�sofo, o perigo dos perigos vem � tona quando essa gente-massa assume o protagonismo social.

O resultado � o esfacelamento da ideia de na��o e o surgimento do caos social, que ele chama de invertebra��o hist�rica. O homem-massa corr�i tudo ao redor, a come�ar pelos grandes fundamentos da cultura. Esse tipo humano d�bil e vulner�vel desfila seus slogans ilus�rios atirando para todos os lados, sem nenhum crit�rio. Sua marca � a inautenticidade e, por isso, ele centrifuga tudo que dele se aproxima, para tornar tudo raso e sem caldo.
 
 
desenho de um homem sentado
 
Acr�tico, portador de falsas qualidades e sem motiva��es. � um sujeito de direitos sem deveres, uma esp�cie de herdeiro que desperdi�a a heran�a, porque ele quer usufruir todas as vantagens da civiliza��o sem fazer nenhum esfor�o para conquist�-las ou garanti-las. Quer usar os direitos sem ter nenhuma ideia de como foram conquistados e o que deve ser feito para serem preservados. Por isso, ele n�o aceita as regras do jogo, mas quer jogar. E quando o jogo n�o lhe agrada, ele rouba a bola, como um menino mimado.

Vive em busca de vantagens, comodidade e seguran�a, o que facilmente leva � in�rcia. Seu mal maior � a in�rcia intelectual. Embora, contraditoriamente, essa pregui�a intelectual produza uma a��o direta: ele vive tendo o que dizer, opina sem reservas e tem sempre alguma tarefa para passar para os outros, especialmente os governantes, enquanto ele mesmo se exime.

Critica todas as a��es dos outros, odeia quem faz alguma coisa, critica quem aparece e toma a lideran�a, enquanto ele mesmo se esconde na sombra, esperando a hora de vir � luz com suas acusa��es. E prefere faz�-las em p�blico, porque assim ele passa a impress�o enganosa de coragem e compromisso com a causa que n�o � sua. E � isso que o torna t�o perigoso, porque hoje ele conta com uma ferramenta muito r�pida e eficiente: as redes sociais.

O homem-massa adora postar todo tipo de opini�o e o faz, fanaticamente, como quem cultiva as p�rolas mais preciosas. E, n�o raro, esse fanatismo se transforma em �dio e intoler�ncia. Ele ataca quem bem entender, espalha suas opini�es sem crit�rio, n�o aceita cr�ticas e n�o v� nenhum limite. Ah, claro: com isso, ele sempre conta com aplausos de seus correligion�rios, militantes da mesma falta de causa, sucessores e sect�rios cujo comportamento � incentivado mutuamente. E ele adora os demagogos, na presen�a dos quais ele se sente confort�vel, como quem se religa � sua fonte original. � por isso que ele parece um religioso em adora��o ao seu deus.

O homem-massa vive, assim, sempre no exterior – desconfia-se mesmo que ele n�o tenha um “dentro”. Tudo nele n�o parece passar da superf�cie: suas ideias posti�as parecem sem raiz, sua for�a vital se abastece do rancor e da animosidade aos outros. Se o amor vincula, o �dio do homem-massa dispersa, rompe conex�es, cria inimizades, orienta-se para fora.

Seu �dio nasce de um medo e de uma pregui�a diante da alteridade: ele n�o se interessa realmente por ningu�m e nem por si mesmo. Falta-lhe intimidade, um eu que lhe seja pr�prio. Ele sempre parece estar fingindo ser outro. Ele est� sempre no fora de si, desumanizado, automatizado, vivendo como fun��o na grande engrenagem das coisas, sem saber disso e, pior, reivindicando consci�ncia plena. O homem-massa � ris�vel.

A vida do homem-massa � uma pura fic��o de outra vida, uma representa��o falseada, uma tentativa de enfeitar sua feiura horrorosa. Por isso, ele reivindica sempre um tipo de liberdade que, no fundo, � irresponsabilidade: n�o sabe com que preencher o seu tempo livre, teme sua pr�pria solid�o, n�o tem projeto para si. Por isso, aprova facilmente qualquer coisa e embarca em qualquer barco furado, acriticamente.

A vida do homem-massa � a pobreza absoluta. Ele desfila suas bandeiras desbotadas, amarradas na cintura e nas janelas, dando de ombros para o significado mais profundo de palavras como humanidade, direitos humanos, respeito, responsabilidade ou qualquer um desses conceitos que, para ele, n�o t�m nenhuma hist�ria ou import�ncia.

Ele aplaude a pol�cia que matou dezenas, dizendo que os mortos n�o far�o falta – mesmo sem ter nenhuma informa��o sobre os assassinados. Ele nega o racismo e reivindica o racismo reverso a favor de suas brancuras. Ele declara sua ojeriza aos gays, mesmo quando diz que respeita sua “op��o” – tem at� uns amigos homossexuais que ele tolera. Quer queimar seu CO2 cotidiano e, para isso, nega as evid�ncias do aquecimento global. Briga nas rodas de fam�lia a favor de suas incoer�ncias e sempre reivindica o direito de dizer o que quiser, mesmo que isso cause feridas em quem quer que seja.

O homem-massa n�o sabe que a vida precisa de autenticidade. Ele n�o sabe que viver, como sugeriu o fil�sofo espanhol, � fazer aquilo que ningu�m pode fazer por n�s, e que isso demanda integridade, projeto, senso de comunidade e, sobretudo, respeito e interesse pelos outros. Ele n�o sabe que viver � uma revela��o: n�o um contentar-se com o ser de agora, mas um ir adiante, uma abertura e um descobrimento incessante de tudo o que est� ao redor. O homem-massa, por isso, frequenta cavernas escuras, das quais ele se recusa a sair. Na �ltima vez que ele viu a luz da verdade, ele matou o seu mensageiro.


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