Tha�sa Amaral Braga Falleiros
Defensora P�blica em atua��o na Defensoria Especializada dos Direitos das Crian�as e dos Adolescentes/C�vel, da Defensoria P�blica de Minas Gerais (DPMG) *

� dif�cil faz�-la entender por que motivo o Poder Judici�rio negou o direito da sua filha – por coincid�ncia nascida no dia da defensora e do defensor p�blico – de receber do poder p�blico o medicamento de que precisa para viver.
Pe�o-lhe licen�a para ent�o come�ar falando na linguagem jur�dica para tentar acabrunhar ou sensibilizar operadores do direito. Trata-se de crian�a portadora de doen�a gen�tica caracterizada pela defici�ncia na s�ntese dos neurotransmissores dopamina e serotonina.
A pequena menina, que n�o sai dos bra�os da m�ezinha, n�o anda, corpo mole, n�o compreende minimamente o universo � sua volta, talvez nunca fale. Tem recorrentes convuls�es. Al�m do atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, apresenta movimentos anormais e pode ter morte precoce.
O direito � sa�de foi negado ao fundamento de que o medicamento n�o seria padronizado para o caso de Bia (nome verdadeiro preservado). Haveria padroniza��o pelo SUS apenas para crian�as a partir de 10 anos de idade. E mais: o m�rito administrativo dessa incorpora��o pelo Sistema �nico de Sa�de n�o poderia ser suplantado por um ‘profissional de medicina’.
Ora bolas! A probabilidade jur�dica do pedido (afastada pelo magistrado) � comprovada cabalmente por relat�rio m�dico subscrito por geneticista do Hospital das Cl�nicas – uma institui��o de ensino integrada ao SUS.
A saber, o direito de a��o para obter o bem da vida (em redund�ncia, medicamento para a crian�a n�o morrer) � suplantado por atos normativos do SUS, ao mesmo tempo em que voc�, m�ezinha, luta para mostrar ao juiz os relat�rios m�dicos elaborados por quem (dentre poucos) entende do assunto ‘medicina gen�tica’, pois o juiz n�o pode ver o rostinho da pequena.
Olha, o m�dico que acompanha sua filha n�o pode mudar as leis da sa�de p�blica do pa�s – que fundamentam as decis�es do Poder Judici�rio, incluindo decis�es de primeira e segunda inst�ncias, inclusive com jurisprud�ncia do Superior Tribunal de Justi�a e Supremo Tribunal Federal (mat�ria constitucional... direito � sa�de, � vida...). Seriam decis�es em blocos? Olham-se os medicamentos, doen�as em abstrato, n�o se olham pessoas, crian�as, adolescentes, filhos de algu�m. Para que serviriam os ju�zes se j� est� tudo acertado em listas do sistema de sa�de? N�o seria para ver caso a caso?
No entanto, o m�dico que te acompanha pode mudar a vida da sua filha e de outros tantos filhos de pais e m�es desesperados (que n�o dormem, parecem zumbis).
Tem mais. A pobreza � desoladora. Somada � “doen�a” ent�o, lancinante. O molde da “justi�a” n�o serve para todos, o or�amento p�blico � imperativo nas decis�es e eu poderia dizer que, lamentavelmente, a pretens�o da sua filha foi negada.
N�o.
N�o aceito que atos normativos do SUS definam decis�es judiciais que deveriam, sim, ter fundamento em princ�pios constitucionais, pois a prote��o � vida n�o � frase bonita de se falar em sala de aula e em palestras de ministros para encantar plateias de estudantes.
Ainda aos desencantados, o direito � vida, � sa�de, � algo concreto quando o julgador possui, no m�nimo, humanidade e coragem de enfrentar as entrelinhas de jurisprud�ncia para fazer crer – a todos e n�o somente aos pais – que n�o precisa de ter um filho sofrendo e lutando para viver para dar uma chance ao jurisdicionado crescer dignamente.
Dito isso, pe�o desculpas, m�e, por ter sa�do da minha sala durante o atendimento para poder quase explodir de tanto chorar e ainda ser consolada por outra m�e na sala de espera.
Sim, mas esse � apenas um cap�tulo da sua hist�ria, princesinha.
Vou at� o fim por voc�.
*Artigo escrito em refer�ncia ao 7 de Abril, Dia Mundial da Sa�de
