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Estado de Minas BRASIL EM FOCO

Livro sobre a trajet�ria de Jango ajuda no interesse do p�blico pela hist�ria pol�tica


postado em 12/03/2011 09:50 / atualizado em 12/03/2011 10:16

O cineasta Silvio Tendler, com o documentário Jango, ajudou a ampliar o gosto pela história(foto: Emmanuel Pinheiro/EM/D.A Press 26/1/04)
O cineasta Silvio Tendler, com o document�rio Jango, ajudou a ampliar o gosto pela hist�ria (foto: Emmanuel Pinheiro/EM/D.A Press 26/1/04)
Quando chega mar�o, sempre revivo acontecimentos pol�ticos que marcaram minha vida de menina. S�o fatos que minha mem�ria atualiza ao trazer de volta o clima polarizado do Brasil �s v�speras do golpe pol�tico de 1964.

Vejo-me menina, acompanhando com espanto e tristeza inexplic�vel a movimenta��o que tomou conta de Juiz de Fora, cidade onde morava. De l� partiu o general Olimpio Mour�o Filho no comando de tropas que se dirigiam ao Rio de Janeiro para garantir o movimento que objetivava depor o presidente Jo�o Goulart. Poucas horas mais tarde, os oponentes de Jango comemoravam sua vit�ria, que ensejou comemora��es e tamb�m inaugurou um tempo de sil�ncio, medo e resist�ncia.

Meu pai era oficial do Ex�rcito e n�o concordou em acompanhar Mour�o Filho. Como consequ�ncia de sua atitude, ele e muitos outros militares legalistas sofreram puni��es. Pouco tempo depois, foi afastado de sua carreira com a patente de general. Desde ent�o, busquei entender o que aconteceu no Brasil em 1964 e nos anos que precederam a chegada dos militares ao poder.

Al�m do interesse pela hist�ria do Brasil, procurei melhor conhecer o destino de pessoas que foram atingidas pelo arb�trio, entre elas, e com especial destaque, Jo�o Goulart. Assim, quando em 1984, no mesmo ano da campanha das diretas, chegou aos cinemas o filme Jango, dirigido por Silvio Tendler, n�o deixei passar sequer poucos dias da sua estreia para v�-lo. Desde ent�o, j� o revi muitas vezes, pois sempre o adoto em atividades universit�rias.

O filme Jango tem enorme import�ncia na divulga��o de conhecimentos sobre a hist�ria do Brasil na segunda metade do s�culo 20. Acrescente-se a esse fato sua relev�ncia pioneira na reconstru��o da mem�ria sobre Jo�o Goulart. Mem�ria que foi silenciada pelo regime pol�tico autorit�rio que durou at� meados da d�cada de 1980.

Jango acompanha a trajet�ria pol�tica do ex-presidente, inserindo-a na trama complexa que constituiu o processo pol�tico brasileiro quando dos mandatos presidenciais de Get�lio Vargas, Juscelino Kubitschek, J�nio Quadros e do pr�prio Jo�o Goulart. Ao adotar essa perspectiva de apresenta��o de um painel da hist�ria, o filme atende ao objetivo de seu diretor de n�o registrar uma vis�o meramente personalista da trajet�ria do ex-presidente.

Para alcan�ar esse intento, Tendler tamb�m optou por realizar as filmagens do document�rio combinando dois modos de registro audiovisual da hist�ria: o modo expositivo, que re�ne fragmentos do processo hist�rico em uma forma mais ret�rica ou argumentativa; e o modo participativo, que faz do narrador um interlocutor privilegiado com o espectador. O modo participativo sup�e a interfer�ncia e engajamento do cineasta. Busca tamb�m estimular, pela apresenta��o das imagens e pela utiliza��o de recursos sonoros, reflex�es sobre o assunto apresentado.

A compet�ncia de Tendler para execu��o desses objetivos � digna de elogios. A voz de Jos� Wilker como narrador da hist�ria transmite emo��o, instiga reflex�es e estimula ades�o � pessoa de Jo�o Goulart. A trilha sonora no in�cio do filme traz a m�sica Cora��o de estudante, composta por Milton Nascimento e Wagner Tiso e interpretada pelo pr�prio Milton Nascimento. A can��o, sem d�vida, mobiliza as pessoas para o acompanhamento de uma trajet�ria pessoal e pol�tica que fora silenciada. Essa mesma m�sica veio a se tornar hino das diretas e depois ficou associada � morte de Tancredo Neves, que foi primeiro-ministro na fase parlamentarista do governo de Jo�o Goulart.

A trajet�ria de Jango � associada a um projeto pol�tico de reformas que buscava contemplar a justi�a social. O filme, de fato, � informado pela vis�o oferecida pela esquerda, que, na conjuntura dos anos Jango, era representada, de forma hegem�nica, pelas propostas do PCB e de um PTB crescentemente reformista e nacionalista. A vincula��o de Jango a um projeto de forte cunho transformador ganha dimens�o positiva pela voz de Wilker. Sua narra��o confere especial significado aos momentos de dificuldades estruturais e tamb�m aos �xitos, mesmo que ef�meros, que integram a trajet�ria do presidente.

Dois lados

O filme faz com que uma vis�o positiva sobre Jo�o Goulart ganhe express�o privilegiada. A maioria dos depoimentos que integram o document�rio � favor�vel ao ex-presidente. Entre eles est�o os de Raul Riff, secret�rio de imprensa de Goulart; Aldo Arantes, ex-presidente da Uni�o Nacional dos Estudantes (UNE); Francisco Juli�o, ex-l�der das Ligas Camponesas; Greg�rio Bezerra, ex-militante do PCB; e Leonel Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul.

Todavia, a express�o do contradit�rio n�o deixa de ser considerada e ganha relevante express�o pelo contundente depoimento do general Muri�y e por imagens de manifesta��es pol�ticas do ex-governador de Minas Gerais Magalh�es Pinto e do ex-governador do antigo estado da Guanabara Carlos Lacerda. Os tr�s integraram a alian�a pol�tica que foi formada para se opor a Jango e para, em seguida, dep�-lo.

O cineasta acompanha a vida de Goulart desde sua elei��o como deputado federal, em 1947. Passa por seu mandato como deputado federal, nos anos 1950, e agrega suas atua��es como ministro do Trabalho de Get�lio Vargas, vice-presidente de Juscelino Kubitschek e de J�nio Quadros e, por fim, presidente da Rep�blica. Tendler confere ao ex-presidente uma vis�o oposta � da incompet�ncia e demagogia constru�da pelo regime militar.

O document�rio se inicia com a visita oficial de Goulart � Rep�blica Popular da China quando era vice-presidente, em 1961. Essa visita, precedida de outra, � Uni�o Sovi�tica, na segunda metade da d�cada de 1950, foi, no tempo da guerra fria, considerada por pol�ticos e militares conservadores uma confirma��o da op��o mais � esquerda do futuro presidente.

Em seguida, s�o apresentadas as seguintes cenas: tentativa de impedimento de sua posse como presidente da Rep�blica, ap�s a ren�ncia de J�nio Quadros; implanta��o do parlamentarismo; campanhas de oposi��o ao seu governo; manifesta��es populares em defesa das reformas de base; rebeli�o de marinheiros, j� em 1964; famoso e derradeiro com�cio em apoio a Jango e �s reformas sociais, em 13 de mar�o, sexta feira, daquele mesmo ano, e marchas com Deus pela fam�lia e pela liberdade, em oposi��o ao seu governo e � sua orienta��o pol�tica.

Ocorre o golpe e o filme ganha atualidade e dramaticidade. S�o buscadas imagens de Tancredo Neves despedindo-se de Get�lio Vargas e de Jo�o Goulart em seus enterros em S�o Borja. O primeiro, em 1954, e o segundo, com caix�o lacrado, por ordem dos militares, em 1976. O drama encontra-se na morte dos dois ex-presidentes. Vargas suicidou-se e Jango morreu no ex�lio, onde amargava forte depress�o e s�rios problemas card�acos. A atualidade refere-se � campanha pelas diretas e � candidatura de Tancredo Neves � Presid�ncia da Rep�blica. Tendler n�o se exime de demonstrar sua rever�ncia hist�rica pelos dois presidentes, ambos trabalhistas hist�ricos, e tamb�m sua simpatia por Tancredo Neves.

Depois das imagens sobre o golpe de 1964, o filme apresenta imagens-den�ncia da ditadura militar. S�o manifesta��es e protestos de estudantes, enterro do jovem Edson Lu�s, morto em 1968, em um restaurante estudantil no Rio de Janeiro, e cenas do fechamento do Congresso Nacional, tamb�m em 1968.

A constru��o da mem�ria e o registro interpretativo da hist�ria s�o parceiros no filme de Tendler. Constru��o de uma mem�ria de resist�ncia e de contradi��o a uma vers�o oficial da hist�ria que procurou apagar qualquer registro positivo sobre a presen�a de Jo�o Melquior Marques Goulart na hist�ria do Brasil.

Lucilia de Almeida Neves Delgado � historiadora e professora da Universidade Nacional de Bras�lia (UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da PUC Minas (colaboradora)

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