Em 1981, nove anos depois do fim da Guerrilha do Araguaia, os militares temiam um novo enfrentamento na regi�o. Eles acusavam padres de estarem incitando posseiros contra a ordem p�blica. Tudo come�ou com a morte de um fazendeiro e o ataque a policiais federais e t�cnicos do governo que atuavam no local regularizando terras. Documentos sigilosos narram que os religiosos tinham conhecimento detalhado da �rea, onde atuavam dando assist�ncia aos moradores, inclusive fazendeiros. Segundo os militares, os padres tinham em caixa pelo menos US$ 1 milh�o, vindos da Fran�a.
A situa��o no Araguaia � detalhada em um relat�rio feito pelo Centro de Informa��es da Aeron�utica (Cisa), aberto ao p�blico pelo Arquivo Nacional, em Bras�lia. No documento, os nomes dos padres investigados est�o vetados, mas provavelmente se tratavam de Aristides Camio e Francisco Gouriou, que atuaram no Araguaia na �poca. Os religiosos foram presos acusados de incitar posseiros a atacar quatro agentes da Pol�cia Federal e servidores do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (Getat). Ambos foram condenados a pris�o com base na Lei de Seguran�a Nacional (LSN).
No documento da Aeron�utica, provavelmente feito antes da detens�o dos religiosos, em 1981, os arapongas do regime militar narraram que os dois padres incitaram os posseiros contra os policiais, resultando na morte de uma pessoa. O relat�rio observa ainda que isso poderia causar um novo levante, como a guerrilha, finalizada em 1972. “O desencadeamento de opera��es de informa��es e a instaura��o de inqu�rito com base na LSN, tendo como fato gerador principal o incitamento contra a ordem p�blica, comprovaram o novo surto de agita��o detectada na regi�o do Araguaia”, narraram os agentes do governo � �poca.
O relat�rio conta que os padres tinham todo um levantamento da regi�o, como c�pias das certid�es de propriedades, croquis das posses e invas�es, al�m de c�pias de processos judiciais impetrados por posseiros. “� de destacar, dentre casos, o levantamento estrat�gico do munic�pio de Concei��o do Araguaia”, observou o agente. No documento, o �rg�o de informa��o ressalta que os religiosos agiam com grande efici�ncia no sentido de prestar assist�ncia tanto aos posseiros quanto aos fazendeiros da �rea “em contraste particularmente com o Getat”.
Cartilhas
Na avalia��o do cen�rio da regi�o, os agentes de informa��o analisaram tr�s campos: religioso, pol�tico e subversivo. No primeiro caso, eles observaram que havia distribui��o de panfletos destinados a orientar o povo durante as missas, “estimulando os trabalhadores e a luta de classe”. No segundo, afirmaram que havia confec��es de cartilhas pol�ticas em que eram ensinados, por meio de xilogravuras, t�ticas e m�todos de atua��o subversiva no meio rural, “inclusive o modo de como agir e fazer uma emboscada”. O �ltimo ponto analisado fazia refer�ncia a reuni�es entre os agentes da pastoral e posseiros, em que haveria aulas sobre socialismo, marxismo e proletariado.
Ao fim, os arapongas afirmam que os recursos financeiros recebidos pelos religiosos eram em sua maioria provenientes da Fran�a, por meio de algumas institui��es, como o Partido Comunista Franc�s, a Fraternidade e os Mission�rios Estrangeiros de Paris. O total de dinheiro, segundo os agentes fizeram constar no relat�rio, era o equivalente a US$ 1 milh�o, repassados em quatro anos. O temor dos militares por uma nova guerrilha n�o se justificava, pois n�o houve registros de movimentos armados na regi�o.
Mas outra preocupa��o dos �rg�os de informa��o da �poca se mant�m, que s�o as quest�es fundi�rias. No documento, os militares narram que, desde 1945, a situa��o � tensa, o que, segundo especialistas, tem perdurado at� os dias de hoje.
Imbr�glio pol�tico
Os dois religiosos foram presos, em 1981, na cidade de S�o Geraldo do Araguaia, entre Goi�s e Par�. Aristides Camio e Francisco Gouriou foram condenados � pris�o e ficaram dois anos detidos sob a amea�a de expuls�o. Coube ao ent�o vice-presidente Aureliano Chaves transformar o processo em judicial, evitando que o caso se tornasse pol�tico e causasse campanhas contra o Brasil no exterior. Os dois deixaram o Brasil em 1991, quando o pa�s j� passava pela redemocratiza��o.