Em 1988 Cazuza lan�ava o album Ideologia. Foi um grito, como ele mesmo definiu em entrevista na �poca, de uma gera��o “sem ideologia, compactada entre o anos 1960 e os dias de hoje”. Passados 23 anos, jovens continuam a buscar uma forma de preencher o vazio “de uma gera��o sem participa��o pol�tica alguma”, frase dita pelo compositor nos anos 1980 e repetida at� hoje. Mas, se naquela �poca corria-se atr�s de ideologia pol�tica, uma onda contr�ria a ela est� surgindo no Brasil, pelo menos � ideologia partid�ria. Com o anseio de aumentar a participa��o dos cidad�os na vida pol�tica, alguns grupos est�o se organizando no pa�s para fundar partidos diferentes dos 27 j� existentes. A nova ideia, herdada de pa�ses europeus, � usar a internet para debater, comentar e votar diretamente todas as leis em discuss�o nas casas legislativas, sem existir por tr�s disso uma ideologia.
Em outubro do ano passado, m�s das elei��es, um grupo de 20 pessoas teve a ideia de criar um partido pol�tico “que realmente representasse os interesses dos cidad�os”, contou um dos idealizadores, o servidor p�blico de Bras�lia Alexandre Paranhos, de 34 anos. Inspirados no partido sueco Demoex – que elegeu logo na primeira disputa um representante na C�mara Municipal de Vallentuna –, os jovens pretendem trazer para o Brasil a experi�ncia de democracia direta eletr�nica, com vota��es pela internet.
J� com o programa partid�rio pronto, os integrantes do Partido Cidad�os, como foi denominado, tentam agora criar a plataforma pol�tica para come�ar a colher as 500 mil assinaturas cobradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o registro. “Hoje, por meio da internet, finalmente podemos retirar uma parte importante do poder pol�tico de nossos representantes e devolv�-lo ao cidad�o, seu dono leg�timo”, defende Alexandre. Ele observa que o partido n�o ter� ideologia, mas dois ideais: dar a todos os cidad�os voz ativa em todas as decis�es pol�ticas do pa�s, e n�o apenas nas elei��es, e apoiar um debate aberto, sem distor��es, onde os pontos a favor e contra possam ser discutidos abertamente.
No programa partid�rio, o Cidad�os se prop�e a criar um site para que qualquer eleitor filiado ao partido possa opinar e votar nos projetos de lei em tramita��o, em todas as casas legislativas no Brasil em que a legenda tiver representantes eleitos. Os parlamentares ter�o a obriga��o de respeitar a voz das pessoas e ter�o de votar em projetos conforme o resultado das vota��es on-line, sem acordos secretos. Antes das decis�es ser� feito um debate no f�rum, tamb�m virtual. S� ser� aceito um voto por t�tulo de eleitor. A pessoa poder� mudar o voto, que n�o ser� secreto. A contribui��o m�nima para o partido ser� de 12% do sal�rio m�nimo, R$ 65 por m�s. Filiados at� 18 anos ter�o 70% de desconto e filiados at� 21, 50%. “ Temos vontade de conseguir registrar o partido para as elei��es municipais do ano que vem, mas n�o sei se vai dar tempo”, disse Alexandre.
Uma iniciativa parecida com a do Cidad�os, o Partido da Internet (PDI), inspirado no Partido da Internet espanhol, tamb�m pretende nascer sem ideologia. O PDI usar� a internet para oferecer a oportunidade de a popula��o opinar nas vota��es do Legislativo, educa��o sobre o funcionamento da m�quina p�blica, espa�o para debate de temas em pauta na pol�tica nacional e global, transpar�ncia dos gastos p�blicos e dos pol�ticos eleitos pelo partido. O papel dos eleitos pelo PDI, de acordo com Gian Carlo Martinelli, um dos mentores da proposta, � o de “deixar de ser simples representante passando a ser executor da vontade popular”.
PIRATA O primeiro documento, um manifesto, criado pelo Partido Pirata do Brasil (PPBr), movimento que teve in�cio no pa�s em 2007, esbo�a, de acordo com um dos integrantes, Alexsandro Albuquerque, a proposta de modelo de democracia plena que o PPBr pretende implantar no pa�s, “a contragosto da classe pol�tica”. O manifesto foi constru�do na internet, a muitas m�os, de forma aberta com recursos colaborativos, sem distin��o entre os participantes. Posteriormente foi discutido, votado e aprovado em uma ferramenta de vota��o on-line, que identifica o usu�rio pelo n�mero do t�tulo de eleitor. O PPBr defende: o direito � liberdade de express�o; o direito de livre acesso � cultura; ao conhecimento, incluindo a liberdade de fazer, estudar, aprimorar e compartilhar, de maneira aberta, livre e colaborativa; � intimidade, incluindo a privacidade de informa��es e dados pessoais. Com 140 membros, o partido s� deve disputar as elei��es em 2014.
Palavra de especialista - Bruno Wanderley Reis , cientista pol�tico
Experi�ncia pode ser um equ�voco
Acho que a internet � um facilitador da organiza��o das pessoas. Movimentos que acontecem hoje em uma semana, demorariam antes dela seis meses para acontecer – se acontecessem. � muito comum que a internet seja vista como um canal para a democracia direta. Mas passar as delibera��es do Legislativo para a vota��o popular via internet � um equ�voco. O papel do Legislativo n�o � apenas votar projetos. Os representantes pol�ticos atuam como advogados. Eles t�m de articular, persuadir, barganhar, fazer acordos. Quando os deputados v�o a plen�rio para votar, os projetos j� passaram por extensas negocia��es, que s�o essenciais para dirimir conflitos. Fazer pol�tica como essas pessoas est�o propondo tenderia a aumentar a probabilidade de viol�ncia pol�tica. E ser� que essa nova ideia iria acabar com a corrup��o? Sempre haver� gente querendo comprar as decis�es pol�ticas e � uma ilus�o pensar que partidos como esses estar�o mais imunes a abusos de poder econ�mico. Pois nenhum procedimento pol�tico � imune a abusos: contra corrup��o, o importante � saber se temos mecanismos adequados de controle judicial.