
Bem no Centro de BH, no sexto andar de um pr�dio na esquina das ruas Curitiba e Carij�s, onde o com�rcio de lojas de eletrodom�sticos parece mais um formigueiro, com consumidores �vidos por promo��es, um grupo de dez septuagen�rios se encontra todo m�s para conversar sobre um tema quase esquecido nos dias de hoje: o comunismo. O regime postulado pelo alem�o Karl Marx no s�culo 19 est� fora de moda desde a d�cada de 1990, mas encontra seguidores apaixonados na capital. Hoje, ao completar 90 anos de exist�ncia, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) luta para retomar sua posi��o e, se j� n�o espera mais por uma luta armada, mant�m a defesa de uma participa��o popular cada vez maior no pa�s.
O secret�rio-geral do PCB em Minas, Jos� Francisco Neris, de 77 anos, viveu intensamente a trajet�ria do partido no estado e se mant�m atuante, organizando os encontros que acontecem na sede da legenda e levando as discuss�es para grupos que apoiam as teorias socialistas em universidades e movimentos sindicais. “O desafio � reunir for�as para continuar nossa luta, sem cometer os mesmos erros do passado. Temos visto muitos problemas na sociedade brasileira que parecem sem solu��o, mas hoje parece at� que n�o existe mais uma classe oper�ria, todos s�o classe m�dia, e ningu�m tem interesse em mudar nada”, lamenta Jos� Francisco.
O militante come�ou sua trajet�ria pol�tica no final da d�cada de 1950, durante uma greve na f�brica de tecido em que trabalhava e desde ent�o passou a participar ativamente das mobiliza��es sindicais. “O primeiro contato foi durante um per�odo de muita dificuldade, depois de tr�s meses de sal�rios atrasados e sem perspectivas para os trabalhadores. N�o tinha qualquer inten��o de me juntar aos organizadores e nem podia, j� que era um partido clandestino. Mas foi s� come�ar o movimento, com intensa solidariedade entre os trabalhadores nas portas das f�bricas, que percebi que n�o dava para cuidar s� da minha vida. Para conquistar as coisas, era preciso pensar no coletivo”, explica Francisco.
Durante a ditadura, atuando como um dos l�deres dos comunistas em BH, Francisco viveu na pele a intoler�ncia contra sua ideologia e passou tr�s anos na cadeia, acusado de conspira��o contra o pa�s por disseminar ideias revolucion�rias. “Recebemos a not�cia ainda em 31 de mar�o, dos militantes l� do Rio, avisando que por l� j� come�avam as pris�es. Foram v�rios anos de clandestinidade, tentando organizar um movimento contra o regime militar. Com a consolida��o do golpe n�o conseguimos apoio de ningu�m, sendo considerados corruptos e maldosos. Falavam at� que os comunistas queriam acabar com as fam�lias”, lembra o secret�rio-geral.
Ainda a Uni�o Sovi�tica “Hoje, j� n�o � mais poss�vel falar em apenas um partido comunista no Brasil. S�o v�rios que reclamam esse t�tulo. Alguns deles se prendem �s tradi��es revolucion�rias da Uni�o Sovi�tica de 1917, outros procuraram se adaptar � situa��o atual, tentando se adequar aos novos tempos”, explica Rodrigo Pato, do Departamento de Hist�ria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No entanto, apesar da pouca representatividade no Parlamento nacional e sem muito destaque nos movimentos sociais nos �ltimos anos, o historiador refor�a que o regime n�o pode ser considerado vencido.
“N�o � poss�vel falar em supera��o ou fim do comunismo, mesmo sendo uma ideologia derrotada no momento, uma vez que nos pa�ses onde os partidos chegaram ao poder, como China e Cuba por exemplo, estamos vendo mudan�as de atitude dos governos em busca de uma adapta��o de seus regimes, principalmente na �rea econ�mica. Ainda assim, as coisas mudam muito”, diz Pato.
Para o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, o partido mant�m na pauta de discuss�es alguns temas fundamentais para o pa�s. “O comunista hoje luta por uma sociedade mais respons�vel e justa. Ao cabo desses 90 anos, a maior express�o do comunismo � representada pelo PCdoB, que consegue manter essa bandeira representada com for�a representativa”, alega.
Sobre a cr�tica que sua corrente recebe por ter se unido a partidos que antes eram duramente combatidos, o presidente ressalta que foi a forma encontrada pelos integrantes para conseguir colocar em pr�ticas as posi��es defendidas. “Criticar um grupo por participar do governo � o mesmo do que escolher ficar fora do curso da hist�ria. Hoje o PCB se tornou um grupo pequeno, que n�o consegue influir ou intervir diretamente nas decis�es nacionais”, critica Rabelo.
Tr�s perguntas para...
Anita Leoc�dia Prestes,
Filha de Lu�s Carlos Prestes e Olga Ben�rio Prestes – principais personagens do PCB
Como voc� avalia a atua��o dos partidos comunistas no Brasil hoje?
Percebo que os partidos comunistas se transformam cada vez mais, em sua grande maioria, em legendas reformistas que abandonaram a luta revolucion�ria. Temos o PCdoB, que tem maior representatividade mas se tornou um partido governista que s� se preocupa com cargos e posi��es de destaque no governo, deixando de lado as verdadeiras lutas ideol�gicas. Eles apoiaram at� mesmo medidas horr�veis do C�digo Florestal. Temos tamb�m o PCB, que faz um certo esfor�o para se transformar em partido revolucion�rio, com uma tentativa de reconstruir a legenda, mas somente a pr�tica vai demonstrar se eles seguir�o as ra�zes ideol�gicas. Tor�o pelo seu sucesso nos pr�ximos anos, j� que temas importantes s�o levantados pela sociedade.
Como foi a atua��o do partido ao longo dos anos e por que foi se modificando com o tempo?
A organiza��o inicial da legenda se deu com o objetivo de fazer uma verdadeira revolu��o no pa�s. A inten��o era mudar os regimes que priorizavam a mesma classe dominante ao longo dos anos. Esse grupo entendia que o ideal seria a conquista do poder pol�tico pelas for�as revolucion�rias, que colocaria em pr�tica verdadeiras reformas sociais e que prepararia as condi��es para a passagem ao comunismo. No entanto, na pr�tica, o movimento n�o obteve sucesso e muitas propostas foram se perdendo com o tempo. Ainda em 1979, eu e meu pai deixamos o PCB exatamente por n�o perceber a continuidade da luta para p�r em pr�tica nossas posi��es.
Com o fim da Uni�o Sovi�tica e as dificuldades enfrentadas por pa�ses que adotaram o comunismo, a ideologia perdeu for�a. O que esperar dos partidos comunistas?
O desmembramento da Uni�o Sovi�tica foi sem d�vida uma grande derrota para os grupos comunistas no mundo inteiro e muitos deixaram a luta de lado, buscando outros caminhos. Mas enquanto existirem contradi��es e falhas no sistema capitalista, com problemas que refletem em quest�es sociais muito graves, sempre existir�o aquelas pessoas que buscam alternativas e defendem mudan�as, sejam elas como forem.