Trinta e sete anos depois, est� prestes a ser elucidado um dos misteriorosos casos de desaparecimento de militantes de esquerda durante a ditadura militar, o �nico, entre os 163 anotados pela Comiss�o Especial sobre Mortos e Desaparecidos, ocorrido em Minas Gerais. Trata-se de Nestor Vera, dirigente do PCB clandestino, que em 1º de abril de 1975, aos 60 anos, foi sequestrado em frente a uma drogaria na Avenida Oleg�rio Maciel, em Belo Horizonte, quando dava “assist�ncia”, depois de se encontrar com dois militantes do Partid�o – Paulo Elisi�rio e Sebasti�o Neris. O epis�dio foi presenciado pelo dono de uma banca de revistas, tamb�m integrante do PCB, e denunciado por Lu�s Carlos Prestes.
Nunca mais se teve not�cia de Vera at� a publica��o do livro Mem�rias de uma Guerra Suja, relatos do rec�m convertido ao evangelho Cl�udio Guerra, ex-delegado do Dops. Guerra confessou como deu o tiro de miseric�rdia num agonizante Vera e, na sequ�ncia, descreveu onde ele foi enterrado a 50 quil�metros da capital, num cemit�rio clandestino, at� ent�o desconhecido. A Pol�cia Federal j� esteve no local com Guerra, que h� duas semanas, sofreu um atentado.
A gravidade das revela��es despertou entidades de direitos humanos e pesquisadores do tema, como o jornalista e presidente da Funda��o Perseu Abramo, Nilm�rio Miranda. Hoje eles reivindicar�o do Minist�rio da Justi�a e da Secretaria de Direitos Humanos da Presid�ncia da Rep�blica, al�m da prote��o a Cl�udio Guerra – que corre o risco de ser eliminado numa esp�cie de queima de arquivo –, v�rios pedidos de provid�ncia, entre eles, a busca dos restos mortais de Nestor Vera, com a identifica��o do cemit�rio clandestino em Belo Horizonte, citado no livro.
Parentes de Vera, residentes no Mato Grosso do Sul, desejam que os fragmentos dos corpos, quando encontrados, sejam trasladados para Presidente Epit�cio, em S�o Paulo, onde est�o enterrados os pais do militante. At� o relato de Cl�udio Guerra, eles acreditavam que Nestor Vera pudesse ter sido enterrado no cemit�rio de Perus, em S�o Paulo, muito utilizado pela ditadura.
Tiro de miseric�rdia
Na cova rasa onde, segundo Guerra, Nestor Vera foi enterrado h�, outros dois corpos– provavelmente de presos comuns. A suspeita � de que tenha sido um ponto de desova usado pelos esquadr�es que atuavam na clandestinidade do aparelho repressivo do estado. No livro, o ex-delegado d� detalhes da elimina��o dos corpos. “Matei um, mas ajudei a enterrar outros dois. Estamos falando de Nestor Vera, em abril de 1975. Ele � um dos tr�s que eliminamos numa mata, pr�ximo a BH, na estrada para Itabira. Os tr�s foram enterrados no mesmo lugar, em covas diferentes, uma ao lado da outra, um num dia e dois em outro. Al�m de Veras, desconhe�o os nomes dos demais. Lembro-me deste porque dei o tiro de miseric�rdia, afinal, ele havia sido torturado e estava moribundo, relata”.
Guerra tamb�m indica os nomes dos que o teriam ajudado naquela opera��o. “Quem participou realmente da execu��o, quem estava comigo, foram Jo�ozinho Metropol e Saraiva, detetives investigadores”, contou, em refer�ncia, respectivamente, a um policial mineiro membro da Scuderie Le Coq, respons�vel pelo desaparecimento de presos pol�ticos e atentados � bomba e ao policial Saraiva, cujo nome completo era Haydn Prates Saraiva.
Muitos s�o os horrores relatados pelo ex-delegado do Dops que participou de execu��es em v�rios lugares no Brasil durante a ditadura, convocado pelo ex-coronel do Ex�rcito Freddie Perdig�o. Em seu curr�culo, est�o a Chacina da Lapa e outras reveladas em depoimento dado aos jornalistas Marcelo Netto e Rog�rio Medeiros, autores do livro. Igualmente chocante � a hist�ria da incinera��o de 11 desaparecidos no forno da Usina Cambahyba, em Campos (RJ), cujo propriet�rio era um anti-comunista radical, Heli Ribeiro, amigo pessoal de Guerra.
O caso espec�fico do sequestro, tortura e execu��o de Nestor Vera, se d� dentro do contexto da transi��o dos governos Garrastazu M�dici e Ernesto Geisel, em que, nas hostes militares havia embates entre grupos quanto a condu��o do golpe e a possibilidade de uma reabertura pol�tica gradual. Na clandestinidade, esquadr�es do aparelho repressor atuaram eliminando “os comunistas” naqueles anos de 74 e 75. “Eles se infiltravam no Partid�o, identificavam os dirigentes e partiam para o exterm�nio”, conta Nilm�rio Miranda.
No balan�o m�rbido da repress�o que se seguiu ao golpe de 1964, foram registrados em 2007, pela Comiss�o Especial sobre Mortos e Desaparecidos, instalada no �mbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presid�ncia, 475 pessoas, entre os quais 163 desaparecidos. Entre 1961 e 1988 houve, em Minas, 15 mortos pela repress�o em Minas, entre as quais, oito mortos pol�ticos. Veras foi o �nico dado como desaparecido. Grande parte dos jovens mineiros que se envolveram na resist�ncia ao regime militar foram presos e mortos em outros estados.