
A turma de amigos se encontrava todos os dias depois da aula, para conversar. E toda semana tinha festinha na casa de algu�m. “Eu e Dilma costum�vamos ser escalados para recolher um peda�o de peru na casa de um, o resto da maionese do almo�o na do outro e assim por diante”, revela o m�sico. J� a bebida limitava-se a vodka com refrigerante de laranja (hi-fi) e cuba libre, bem fracos. “Os drinques eram a bebida da juventude da �poca. N�o existia cerveja em lata, s� a garrafa, que vinha no casco escuro, preto ou verde”, completa. Ele morava com a fam�lia no Edif�cio Ingleza Levy, no Centro, antes de se mudar para o Santa Tereza, onde mais tarde iria fundar o Clube da Esquina com Bituca e os irm�os L� e Marilton.
Com grandes olhos verdes e cabelos enrolados, Marcinho fazia o melhor que podia tentando conquistar Marisa, grande amiga de Dilma na �poca do col�gio. Ele conheceu Dilma na pens�o da Odete, na Rua Curitiba, quase esquina com a Avenida Amazonas, que servia feijoada de gra�a aos s�bados e funcionava como aparelho da Organiza��o Revolucion�ria Marxista-Pol�tica Oper�ria (Polop). “Passei a frequentar reuni�es dos militantes pol�ticos e comecei a sacar que havia algo al�m dos anos dourados e das festas todos os dias. Havia a turma mais politizada da Dilma e uma outra, de m�sicos, que me foi apresentada pelo Bituca (Milton Nascimento). Enquanto uma turma estava na clandestinidade, a outra sonhava com os holofotes. Fiquei dividido”, admite.
Segundo revelou no livro Os sonhos n�o envelhecem, que far� parte do museu Clube da Esquina at� 2014 na Pra�a da Liberdade, Marcinho passou a bater altos papos com Dilma e o namorado, que mais tarde viria a ser seu primeiro marido (e hoje mora na Nicar�gua, depois de fugir do pa�s no sequestro de um avi�o), o jornalista Cl�udio Galeno. “Galeno era muito bom nas cartas: racioc�nio r�pido e destreza no manuseio. Era um dos tais jovens dispostos a pagar com a vida as chamadas causas revolucion�rias. (…) eu, na hora, n�o pensei que houvesse gente disposta a arriscar a pr�pria pele naquilo – o que apenas demonstra o quanto podia me enganar no julgamento das motiva��es humanas. Al�m disso, amava minha fam�lia (desconfiava demais de tudo aquilo) para encarar o claustro da clandestinidade. Conservava intacta minha capacidade de indigna��o e mantinha afiado o senso de justi�a, mas era um individualista”, reconhece o autor. “Tenho hoje o maior orgulho de ver uma pessoa da nossa turma na Presid�ncia. Ela teve a coragem que eu n�o tive e pagou caro por seus ideais”, completa.
Em uma tarde de s�bado, M�rcio, Dilma e Bituca tinham ido visitar um colega do Imaco, no Parque Municipal. De repente, ele pediu a Bituca para mostrar a Dilma uma m�sica nova, que os dois haviam acabado de compor naquela manh�. Ele ajeitou o viol�o e cantarolou com voz inconfund�vel: “Hoje foi que eu a perdi/Mas hoje j� nem sei./Em Vera me larguei/E deito nesta dor”, revela M�rcio, dando uma “palhinha”. Segundo a explica��o do autor, a can��o Vera Cruz representava o amor � mulher e ao mesmo tempo � p�tria. A letra era escrita por meio de met�foras, para escapar da censura da �poca. “Lembro-me dessa cena com emo��o. N�s nos abra�amos e relembramos os momentos felizes vividos juntos”, explica.

Quase 40 anos mais tarde, o melhor momento da juventude seria reprisado pouco antes do in�cio da campanha de Dilma � Presid�ncia. Havia muitos anos que eles n�o se viam. Dilma mandou a secret�ria ligar para o amigo e convid�-lo para um caf� na Mineiriana. “Fui sozinho. Ela chegou em um vestido azul, bonito e jovial. Foi batendo o olho no ambiente e se dirigiu � minha mesa. Havia anos que n�o a via. Ela disse que havia me reconhecido pelos olhos. Depois, durante a conversa, que se prolongou tarde adentro, Dilma comentou sobre o epis�dio da m�sica in�dita. Confessei que me lembrava da melodia, mas n�o do nome da can��o. Ela pediu para eu cantar, uma a uma, todas as m�sicas da �poca. Reconheceu j� o primeiro verso de Vera Cruz. “Passamos a tarde inteira tomando caf� e relembrando nossas hist�rias. Depois, ela foi embora no carro chapa-branca. Eu desci a Rua Para�ba a p�, chorando feito um menino e relembrando trechos de nossa linda juventude”, concluiu.
Vera Cruz
Hoje foi que a perdi, mas onde j� nem sei
Em Vera me larguei e deito nesta dor
Meu corpo sem lugar
Ah, quisera esquecer a mo�a que se foi
De nossa Vera Cruz e o pranto que ficou
Do norte que sonhei, das coisas do lugar
Dos mimos me larguei, correndo sem parar
Buscar Vera Cruz nos campos e no mar
Mas ela se soltou, no norte se perdeu
Se ela em outra mansid�o um dia ancorar
E ao vento me esquecer
Ao vento me amarrei e nele vou partir
Atr�s de Vera Cruz
Ah, quisera encontrar
A mo�a que se foi do lar de Vera Cruz
E o pranto que ficou
Do norte que perdi das coisas do lugar
A letra de Vera Cruz, m�sica de M�rcio Borges e Milton Nascimento, que os dois mostraram a Dilma no dia em que a compuseram. Quase 40 anos mais tarde, Borges a cantarolou para a ent�o candidata a presidente