Era o in�cio dos anos 1960. A capital do pa�s acabava de ser transferida do Rio de Janeiro para Bras�lia. Mas para um grupo de importantes pol�ticos mineiros o centro do poder permanecia na capital da Guanabara, mais especificamente em Copacabana, em particular a tradicional e luxuosa Avenida Atl�ntica. Seria assim ainda por muitas d�cadas. Foi l�, na Princesinha do Mar, que uma confraria de mineiros articulou, selou pactos, integrantes se desentenderam e, alcan�ando ou n�o acordos, chegaram a resultados que afetaram profundamente a pol�tica em Minas e no Brasil. Foi mesmo ao estilo da conversa ao p� do ouvido, no entra e sai dos apartamentos na glamourosa avenida, em encontros regados a caf�, p�o de queijo, biscoito de polvilho, que se travaram os embates de ideias e de estrat�gias para a conquista ou reconquista dos pal�cios.
“Hoje, os milicos est�o comigo na cabe�a”, saudou Juscelino Kubitschek, referindo-se ao fato de que, naquele dia, 21 de abril de 1968, era comemorado o oitavo anivers�rio de Bras�lia. JK, que morava no Rio, chegara para o almo�o na casa do amigo Joaquim Mendes de Sousa, ex-deputado federal do PTB por Minas Gerais. O endere�o aonde acabara de chegar era velho conhecido do ex-presidente da Rep�blica, fundador de Bras�lia e senador cassado: Avenida Atl�ntica, 2.016, 10º andar. Ali, no 4º andar, tamb�m vivia o ex-udenista Magalh�es Pinto, que fora governador de Minas e, em 31 de mar�o de 1964, ajudara a patrocinar o golpe militar. Ainda no mesmo pr�dio, no 8º andar, estava Tancredo Neves, derrotado por Magalh�es nas elei��es de 1960 ao governo de Minas, e que, logo ap�s a ren�ncia de J�nio Quadros em agosto de 1961, tornara-se primeiro-ministro na r�pida e for�ada experi�ncia parlamentarista brasileira.

JK tamb�m viveu l� no renomado bairro carioca. A princ�pio, na Rua S� Ferreira, 38, 7º andar, mudando-se depois para a Atl�ntica, 2.038, 9º andar. Assim como ele, o colega de PSD, Jos� Francisco Bias Fortes, ex-morador da S� Ferreira, instalou-se na Atl�ntica, s� que bem adiante, no n�mero 4.112. Ainda na orla de Copacabana, na dire��o oposta, n�mero 1.440, a poucos quarteir�es de Tancredo e de Magalh�es, vivia Jos� Aparecido de Oliveira, udenista que n�o apoiou o golpe e perdeu, em 10 de abril de 1964, o mandato de deputado federal, tamb�m por for�a e obra do Ato Institucional n�mero 1 (AI-1). Havia outros mineiros por ali: o senador e ex-ministro Eliseu Resende e os ex-governadores de Minas Rondon Pacheco e Benedito Valadares.
“Passei grande parte de minha vida no Rio de Janeiro, e as minhas f�rias em Barbacena”, revela Maria da Concei��o Bias Fortes Pereira da Silva, que, em sua juventude, foi secret�ria do pai, o ex-governador Jos� Francisco Bias Fortes. “Receb�amos l� em casa JK, Benedito Valadares, muitos, muitos pol�ticos”, lembra, em seus 82 anos, com precis�o de datas. “Em geral, os pol�ticos mineiros dormiam cedo. Era o caso do meu pai. N�o de JK. N�s o cham�vamos de p� de valsa, porque, al�m de gostar muito de dan�ar, ele sempre dizia: ‘Dormir, s� quatro horas chega’. O resto era vivendo”, conta Maria da Concei��o. “A noite em casa era sempre uma prosa armada at� as 22h30, com muito caf�, p�o de queijo e biscoito de polvilho”, recorda.
Point de intelectuais
Os anos que se seguiram ao golpe militar de 1964 foram dif�ceis para mineiros como JK e Jos� Aparecido de Oliveira, ambos com os direitos pol�ticos cassados. Enquanto JK tentava articular em sil�ncio, sob a vigil�ncia da ditadura, junto inclusive a ex-advers�rios da UDN, uma frente ampla que pregava a reabertura democr�tica, a casa de Jos� Aparecido se tornara point de intelectuais, artistas e jornalistas. “Era um entra e sai intermin�vel”, lembra a mulher dele, Maria Leonor. Casos do per�odo, n�o s�o poucos.
A data � fevereiro de 1969. O Ato Institucional n�mero 5 (AI-5) havia sido decretado em 13 de dezembro de 1968 e o pa�s vivia sob a m�o pesada do aparato repressor do regime militar. O Antonio’s, no Leblon, era o clube de intelectuais e bo�mios. O “encontro marcado” era, em geral, com u�sque e cr�ticas veladas � ditadura militar.
Numa dessas incurs�es, o inflamado jornalista e escritor Otto Lara Resende subiu em uma cadeira, discursou contra os militares. Um dos quatro insepar�veis mineiros � mesa, para fazer tro�a, saiu-se com esta: “Cuidado, Otto. Aqui ao lado tem um general que te observa”, lembra Maria Leonor. Sem perder a pose, Lara Resende continuou o discurso subindo o tom: “E, para que ningu�m tenha d�vidas quanto � minha posi��o, declaro que me chamo Jos� Aparecido de Oliveira”. Na sequ�ncia, anunciou: “Que privil�gio morar na Rua Guimar�es Rosa!”, dando o endere�o errado do amigo. Jos� Aparecido, que estava longe dali, em sua casa na Atl�ntica, n�o p�de deixar de rir, quando lhe telefonaram do bar, contando a hist�ria.