Diante das declara��es do ministro da Justi�a, Jos� Eduardo Cardozo, que na ter�a-feira disse preferir morrer a cumprir pena em um pres�dio brasileiro, o governo federal se viu obrigado a preparar uma for�a-tarefa para melhorar o sistema penitenci�rio do pa�s. Uma comiss�o conjunta – formada por t�cnicos da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), ligada � Presid�ncia da Rep�blica, e do Departamento Penitenci�rio Nacional (Depen), vinculado � pasta de Cardozo – come�ar� a se reunir j� na semana que vem com os secret�rios respons�veis pelas unidades prisionais em cada estado. A ideia � levantar as principais necessidades de cada um e identificar os entraves que dificultam a aplica��o de recursos da Uni�o no setor.
Um dos principais desafios da comiss�o conjunta do governo federal ser� acelerar a aplica��o dos recursos da Uni�o. Nos �ltimos tr�s anos, o Minist�rio da Justi�a deixou de investir R$ 673 milh�es no Fundo Penitenci�rio Nacional. O governo federal previa destinar R$ 1 bilh�o para manter e modernizar os pres�dios, mas s� destinou R$ 284 milh�es, o equivalente a 28% do previsto. Os dados s�o do Sistema Integrado de Administra��o Financeira (Siafi).
As declara��es do ministro, que o levaram a convocar uma entrevista coletiva no dia seguinte feita por videoconfer�ncia, j� que ele estava a trabalho no Peru, causaram um mal-estar dentro da pasta. As equipes do Depen que se empenham em colocar em pr�tica o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lan�ado h� cerca de um ano pela presidente Dilma Rousseff, sentiram-se desrespeitadas pelo chefe. A ideia do departamento, por�m, � aproveitar a repercuss�o das declara��es de Cardozo para tentar fortalecer as a��es em prol das unidades prisionais do Brasil. O ministro reconheceu que casos de viola��es dos direitos dos detentos s�o frequentes e que n�o h� reinser��o na sociedade. Cardozo disse ainda que em alguns pres�dios os presos ficam detidos em celas com fezes e sem espa�o para dormir.
A frase de Cardozo gerou repercuss�o entre ministros do Supremo. Na sess�o de quarta-feira, Celso de Mello e Gilmar Mendes comentaram a situa��o do sistema penitenci�rio brasileiro. “Louvo as palavras do ministro da Justi�a, mas lamento que ele tenha falado isso agor, porque esse � um problema desde sempre”, disse Mendes. O decano do STF, Celso de Mello, tamb�m lembrou que a responsabilidade � da pasta. “� grande a responsabilidade do Minist�rio da Justi�a na implementa��o dos grandes princ�pios e nas magn�ficas diretrizes contempladas na pr�pria legisla��o de execu��o penal”.
MOBILIZA��O Ativistas na �rea de direitos humanos tamb�m querem aproveitar a mobiliza��o em torno do tema para cobrar melhorias e investimentos. O diretor da Anistia Internacional, �tila Roque, diz que a entidade monitora os problemas do sistema carcer�rio h� d�cadas e lembra que as pris�es est�o em situa��es degradantes e inumanas. “� chocante ver as pr�prias autoridades reconhecerem o estado calamitoso, tr�gico e vergonhoso do sistema penitenci�rio. Por outro lado, essa admiss�o � positiva, especialmente se ela for seguida de a��es”, lembra �tila Roque. “Espera-se que ele, como ministro da Justi�a e como autoridade m�xima da �rea, esteja preparado para dar os passos necess�rios para a solu��o do problema. A palavra dele deve trazer consequ�ncias e melhorias”, acrescenta. A Anistia Internacional est� concluindo um novo relat�rio sobre a situa��o carcer�ria do pa�s.
Integrante do Conselho Nacional de Seguran�a P�blica, ligado ao Minist�rio da Justi�a, e assessor de direitos humanos do Instituto de Estudos Socioecon�micos, o advogado Alexandre Ciconello concorda que � preciso uma reforma penal, al�m de mais investimentos, para acabar com o caos nos pres�dios. “O que o ministro falou � a mais perfeita verdade, o sistema carcer�rio � medieval e n�o ressocializa ningu�m. Mas o que nos deixa perplexos e at� sem esperan�as � que essa declara��o tenha vindo da pessoa que � respons�vel por solucionar a quest�o”, comenta Ciconello.
Risco de agravar superlota��o
A superlota��o do sistema penitenci�rio brasileiro, que abriga 514 mil pessoas em 306 mil vagas, poderia se agravar caso fossem cumpridos os 162.944 mandados de pris�o atualmente em aberto no pa�s. Esse � o n�mero de ordens aguardando cumprimento no Banco Nacional de Mandados de Pris�o, administrado pelo Conselho Nacional de Justi�a (CNJ). O cadastro, criado por uma lei de 2011, aponta ainda que 41.782 mandados j� foram cumpridos e 7.043 expiraram.
Segundo o �ltimo levantamento do Departamento Penitenci�rio Nacional, o Brasil tem 269 cidad�os detidos a cada 100 mil brasileiros, o que nos coloca entre os pa�ses com maior popula��o prisional. A maioria est� em regime fechado: s�o 203,4 mil pessoas permanentemente atr�s das grades. Um dado das estat�sticas � preocupante e mostra que 173,8 mil s�o presos provis�rios, o que corresponde a 33% do total. Essas pessoas ainda n�o t�m processo com tr�nsito em julgado e muitos j� deveriam estar soltos. No semiaberto h� 71,4 mil presos, de acordo com o �ltimo levantamento.
A superlota��o � um dos principais problemas. O sistema prisional tem hoje 306 mil vagas, ou seja, o d�ficit � de pelo menos 208 mil. Segundo o �ltimo levantamento do Depen, 97,2 mil funcion�rios trabalham nos pres�dios de todo o pa�s. Os dados mostram a falta de qualifica��o dos presos brasileiros. Quase 60% dos que est�o sob a cust�dia do Estado n�o terminaram o ensino fundamental.
Os crimes contra a vida s�o minoria. Apenas 11% dos presos cometeram homic�dio ou sequestro. J� os delitos contra o patrim�nio levaram 46% dos detentos para o sistema carcer�rio. Entre esses, roubo qualificado � o mais recorrente.
Para o advogado Alexandre Ciconello, o modelo repressivo de seguran�a p�blica � uma das causas da superlota��o dos pres�dios. Ele lembra que a maioria dos detentos � de baixa escolaridade, negros e muitas vezes at� r�us prim�rios. “Existe hoje um encarceramento massivo. Estamos vendo que nesse modelo, as pessoas que est�o na cadeia n�o s�o aquelas que cometeram crimes mais violentos. Nosso modelo de seguran�a leva ao caos no sistema carcer�rio, porque reprime e encarcera”, acrescenta o advogado. (HM e RM)