Bras�lia – Um erro judici�rio levou Apar�cio Lamounier Vilela a pagar, com anos de cadeia, por um homic�dio que ele n�o cometeu. Cercadas por equ�vocos e abusos, as investiga��es apontaram o adolescente, ent�o com 16 anos, como o autor dos tiros que vitimaram o pr�prio tio, Saturnino Vilela, em 1927. A condena��o levou parte da juventude de Apar�cio e as propriedades rurais da fam�lia, em Campo Belo, Sul de Minas Gerais, desapropriadas em favor dos herdeiros do morto. Na d�cada de 1940, quando o verdadeiro assassino confessou o crime, um cansado Apar�cio processou o Estado. Embora a Justi�a tenha reconhecido o direito � indeniza��o, ele morreu sem receber nada. Passados 85 anos, filhos, netos e bisnetos lutam pela repara��o.
O caso dos Vilela mostra o quanto o Estado, voraz em cobrar que o cidad�o cumpra suas obriga��es, � lento na hora de pagar por erros ou omiss�es. A d�vida acumulada pelos governos – tanto estaduais quanto prefeituras – em favor de gente comum chega a R$ 94,3 bilh�es – equivalente ao or�amento anual mais polpudo da Esplanada: o do Minist�rio da Sa�de. O montante � a soma dos d�bitos do Estado decorrentes de senten�as judiciais, conhecidos como precat�rios, no pa�s. Os dados foram levantados pelo Conselho Nacional de Justi�a, que este ano far� um esfor�o concentrado para acelerar os pagamentos. “O cidad�o que n�o paga sua conta de luz tem a energia cortada. O inverso � bem diferente. Da� vem a desigualdade e a injusti�a”, compara a ju�za Agamenilde Dantas, secret�ria-geral do F�rum Nacional de Precat�rios, institu�do pelo CNJ.
COMISS�O Em visitas realizadas pelo �rg�o a mais de 10 unidades da Federa��o, foram verificadas ilegalidades graves, como funcion�rios de tribunais e at� magistrados negociando o pagamento de precat�rios em troca de comiss�o, al�m de uma desorganiza��o generalizada na gest�o dos d�bitos. Foram resgatados casos da primeira metade do s�culo passado, como o da fam�lia Vilela, esquecidos nos escaninhos do Judici�rio. Para o advogado Jo�o Paulo Vilela, um dos benefici�rios da indeniza��o que Apar�cio, seu tio-av�, tinha direito por ter sido preso injustamente, a demora em cumprir uma decis�o judicial representa “o maior sintoma do definhamento do direito e da democracia”. “Nossa fam�lia buscou durante todo o decorrer do processo aquilo que nos cabia antes do evento danoso, apenas a justi�a”.
Outro exemplo flagrante teve in�cio ainda em 1906, quando o coronel Generoso Paes Leme de Souza Ponce comprou lotes em Diamantino (MT). Dois anos depois, a transa��o foi anulada administrativamente para dar espa�o a empresas, inclusive estrangeiras, de extra��o de l�tex para fabrica��o de borracha. A briga pela propriedade se arrastou at� a Justi�a reconhecer o direito a perdas e danos. Em 1959, os herdeiros do coronel requereram a liquida��o da senten�a. At� hoje, por�m, o caso est� pendente, tendo chegado ao Supremo Tribunal Federal, segundo informou o Tribunal de Justi�a do Mato Grosso (TJMT). Na Suprema Corte, discute-se quem s�o os verdadeiros benefici�rios.
Isso porque, no caso da indeniza��o devida ao coronel Paes Leme, o cr�dito teria sido vendido pelos herdeiros, benefici�rios prim�rios, a terceiros. Apesar de aceito pela legisla��o brasileira, o expediente decorre da falta de perspectivas de receber, levando a preju�zos graves. “As pessoas vendem com des�gios altos, de 90%, porque sabem que v�o morrer sem ver seu direito cumprido. Com a lista p�blica de precat�rios, o credor pelo menos tem ideia de quando vai receber. Com isso, acreditamos que essa cess�o do cr�dito diminuir�”, diz Agamenilde.
Em uma previs�o otimista, segundo a magistrada, o Estado tem demorado, em m�dia, 10 anos para honrar seus d�bitos, depois de senten�a judicial transitada em julgado determinando o pagamento. Governos estaduais t�m a maior fatia da d�vida em precat�rios. Devem R$ 48 bilh�es – ou 55% dos quase R$ 95 bilh�es. Sobre as prefeituras, pesam d�bitos que somam R$ 32,5 bilh�es. J� autarquias e �rg�os da administra��o indireta t�m compromissos de R$ 6,8 bilh�es para honrar. Quase 130 mil processos originaram os precat�rios pendentes de pagamentos no Brasil, segundo dados do CNJ referentes a julho de 2012.