Com tr�s liberais e dois conservadores, a comiss�o formada ontem no Senado para apreciar o projeto de lei que extingue a escravid�o no Brasil j� apresentou seu parecer. Em dois par�grafos, os parlamentares se manifestaram pela aprova��o da mat�ria, sem mudan�as no texto remetido pela C�mara dos Deputados. Uma sess�o de vota��o do relat�rio est� marcada para hoje. Embora os senadores evitem tra�ar progn�sticos, a composi��o do colegiado especial que fez a primeira an�lise da proposta evidencia a tend�ncia na Casa � aprova��o da lei. S�o quase todos pol�ticos que j� se posicionaram favoravelmente em debates sobre marcos legais abolicionistas recentes e que t�m grande poder de articula��o.
O conservador Teixeira J�nior, por exemplo, foi um dos respons�veis pela aprova��o da Lei do Ventre Livre, em 1871. Por outro lado, representa o Rio de Janeiro, que mais tem pressionado o governo atualmente, entre todas as prov�ncias, pela manuten��o da escravid�o. O maior temor � a perda da lavoura deste ano, se houver uma debandada imediata da m�o de obra servil. Enquanto o cen�rio no Legislativo se desenha aos poucos, as ruas das cidades de todo o pa�s s�o tomadas pela chamada “onda negra”. O movimento tem a participa��o tanto das entidades financiadas por simpatizantes da causa abolicionista quanto de grupos de ex-escravos – fugidos ou alforriados – que se somam � press�o pela liberdade dos milhares de negros ainda cativos no Brasil.
Estima-se que existam pelo menos 100 sociedades que abra�am a causa do fim da servid�o. Muitas est�o filiadas � Confedera��o Abolicionista, criada em 1883 pelo advogado e deputado por Pernambuco Joaquim Nabuco. Formadas, geralmente, por membros da elite intelectual, por pessoas ligadas � Igreja e jovens interessados nas ideias positivistas do fil�sofo franc�s Auguste Comte – que t�m refor�ado, inclusive, um “levante” republicano contra a Coroa –, essas entidades promovem os chamados meetings para se reunir. Nesses encontros, debatem o panorama pol�tico do pa�s, centrando as discuss�es na aboli��o da escravid�o, e angariam fundos para a causa. Bailes, almo�os, quermeses e bazares se multiplicaram nos �ltimos anos em todas as prov�ncias.
Os recursos s�o usados tanto para pagar alforrias quanto para apoiar quilombos formados por resistentes, estrat�gia que tem pressionado fazendeiros de norte a sul do pa�s a alforriar seus escravos ou negociar condi��es para mant�-los. No Rio de Janeiro, onde, desde o ano passado, a pol�cia diminui a repress�o aos negros fugidos – posi��o oficializada por um comunicado do Ex�rcito remetido � Coroa –, fala-se na expans�o da “cidade negra” e seus quilombos abolicionistas. No fim da Praia do Leblon havia um, ao qual era poss�vel chegar de trem. Em Jacarepagu�, outra comunidade de negros, chamada Camorim, ganha for�a. H� comunidades tamb�m em S�o Crist�v�o, no Engenho Novo e na Penha. O lema, nesses locais, � “A escravid�o � um roubo”, popularizado pela Confedera��o Abolicionista.
TR�S PERGUNTAS PARA...
Joaquim Nabuco, advogado, deputado por Pernambuco e criador Confedera��o Abolicionista
A opini�o p�blica credita o avan�o da aboli��o ao apoio do Partido Conservador � causa. Isso enfraquece os liberais?
Apesar de ter caminhado muito desde 1884, o Partido Liberal n�o tinha chegado ao ponto de inscrever no seu programa de governo a aboli��o imediata incondicional. � duro para o Partido Liberal eclipsar-se neste momento em que se passa uma verdadeira apoteose nacional. Mas a culpa � somente nossa. Fomos n�s que n�o acreditamos que a aboli��o imediata pudesse ser feita, embora hoje todos a achem f�cil. Ainda no passado, n�s n�o acredit�vamos.
Mas o senhor acredita em consequ�ncias reais desse desgaste na opini�o p�bica?
Quando se entra na vida civil � que se escolhe um partido. � agora que a ra�a negra vai escolher o seu partido, vai dar o seu cora��o. Eu tenho medo de que a ra�a negra, que, no fundo, � o povo brasileiro, filie-se ao Partido Conservador acreditando que foi ele, e n�o o Partido Liberal, quem mais concorreu, quem maior alegria teve na sua liberdade.
Caso o projeto passe no Congresso, chega ao fim a tarefa dos abolicionistas?
Al�m dessa, h� outra tarefa, a do futuro. A de apagar todos os efeitos de um regime que, h� tr�s s�culos, � uma escola de desmoraliza��o e in�rcia, de servilismo e irresponsabilidade para a casta dos senhores, e que fez do Brasil o Paraguai da escravid�o. Depois que os �ltimos escravos houverem sido arrancados do poder sinistro que representa para a ra�a negra a maldi��o da cor, ser� ainda preciso desbastar, por meio de uma educa��o viril e s�ria, a lenta estratifica��o de trezentos anos de cativeiro.