
Aqueles dias que antecederam a aboli��o da escravatura parecem, hoje, apenas registros dos livros de hist�ria. Mas pulsam vivos na mem�ria de quem ainda guarda alguma rela��o com os acontecimentos da �poca. As irm�s Maria das Dores Andrade, de 97 anos, e Dalva do Nascimento, 94, s�o descendentes de quem viveu aquele per�odo. “Quando n�s nascemos, a escravid�o j� tinha sido abolida, mas, at� hoje, eu me pergunto se foi abolida mesmo”, questiona Maria. “� claro que o progresso veio e muita coisa mudou, o pa�s est� mais humano, mas ainda sinto que as coisas precisam continuar mudando”, afirma.
Da fam�lia de oito irm�os, s� elas est�o vivas. Acreditam que os antepassados vieram do Congo e de Mo�ambique. “N�s moramos numa fazenda, em Prata, no interior de Minas. Nessa regi�o tinha muita gente desses pa�ses. Logo depois, convivemos com �rabes e italianos, que tamb�m chegaram para ajudar a construir o pa�s”, conta Maria.
Outra lembran�a da �poca � a diferen�a de tratamento dado a negros e brancos. “Diziam que o pa�s n�o ia para frente porque estava cheio de negros. Mas eles precisavam de gente para trabalhar. Os negros eram muito inteligentes e trouxeram muita coisa boa para o Brasil.”
N�o era f�cil enfrentar o preconceito racial. Dalva lembra que, quando tinha 15 anos, participou de um concurso na escola. Quem tivesse o melhor desempenho ia coroar Maria em uma cerim�nia religiosa: “Eu tive a melhor nota. Quando a diretora comprou as coisas para me vestir de anjo, falaram: ‘voc� est� doida, j� viu anjo negro?’” Dalva ficou revoltada. “Fui � igreja e o c�nego me disse que anjo n�o tinha cor. Conversou com as pessoas que reclamaram e eu acabei sendo o anjo. Esse tipo de coisa acontecia”, lembra. (GC e RM)