
O corporativismo nasceu como doutrina pol�tico-econ�mica na Idade M�dia, quando artes�os e comerciantes regulavam as atividades que desempenhavam para balizar os lucros, baratear custos e evitar concorr�ncia. No s�culo 19, o marxismo aperfei�oou a teoria, com base na luta de classes entre o trabalhador e a burguesia, para mais tarde ser desvirtuada pelo fascismo italiano, que deu origem ao conceito de organiza��o sindical. No Brasil das centrais sindicais de emergentes lideran�as pol�ticas, o significado se transmutou e ganhou for�a entre as entidades representativas, entre as quais as de servidores p�blicos.
Muito bem engravatados, com sapatos lustrados, b�tons similares aos que senadores e deputados usam para identificar a quem eles representam, os lobistas a servi�o dos sindicatos, associa��es e dos “sangues-azuis”, como s�o chamados a elite do funcionalismo, percorrem os corredores do Congresso com desenvoltura. Com a justificativa de “defender pleitos da categoria”, esses “assessores parlamentares”, como costumam se apresentar, articulam a derrubada de itens das pautas das comiss�es, marcam encontros entre as lideran�as sindicais e parlamentares e passam pente-fino nos projetos que chegam ao Senado e � C�mara para identificar amea�as e oportunidades de engordar mordomias e benef�cios.
Na �ltima semana, o Correio acompanhou no Congresso a atua��o desses lobistas. Durante a sess�o da ter�a-feira da Comiss�o de Constitui��o e Justi�a e de Cidadania (CCJC) da C�mara, era poss�vel identificar “assessores” da Associa��o dos Ju�zes Federais do Brasil (Ajufe), da Associa��o Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e da Associa��o Nacional dos Magistrados da Justi�a do Trabalho (Anamatra).
Com um b�ton que o identifica como “assessor” da ANPT, Carlos Farikoski conversava com t�cnicos da CCJC e procurava informa��es sobre a pauta do dia. Ao Correio, ele disse que ocupa o cargo h� um ano e seis meses. Entre suas atribui��es, est� verificar a tramita��o de projetos. “A gente fica vasculhando. Faz uma verifica��o antecipada do que chega � Casa. Semana passada, trabalhamos para tirar da pauta a aposentadoria compuls�ria dos magistrados que est� na C�mara”, disse.
Quem tamb�m circula pelas comiss�es e conhece a maioria dos deputados � Francisco Costa, o famoso Chic�o. “Assessor parlamentar” da Ajufe h� quatro anos, ele atua com frequ�ncia nas comiss�es de Constitui��o e Justi�a do Senado e da C�mara, na de Finan�as e Tributa��o (CFT), al�m da Comiss�o de Direitos Humanos. “Fa�o o link entre os parlamentares e os dirigentes da associa��o. Levo as notas t�cnicas para os gabinetes, fa�o um trabalho bra�al”, detalhou ele.
Mas a atua��o dos assessores n�o se restringe aos corredores. A presta��o de contas aos associados � feita tamb�m pela internet. No site institucional da Anamatra, uma not�cia publicada em 16 de julho retrata exatamente a a��o dos lobistas. Com o t�tulo “Diretor legislativo, membros da CLEG e presidentes de Amatras unem esfor�os para evitar aprova��o da PEC 505”, o texto mostra que notas t�cnicas foram produzidas para justificar a rejei��o, na CCJC da C�mara, da proposta de emenda constitucional, cujo texto exclui a aposentadoria por interesse p�blico do rol de san��es aplic�veis a magistrados e membros do Minist�rio P�blico.
Al�m de lutar contra propostas que amea�am a estabilidade das categorias, o intenso lobby rende frutos aos servidores. Votada em segundo turno, a PEC 207/2012, que confere autonomia administrativa e financeira � Defensoria P�blica da Uni�o (DPU), foi aprovada recentemente pela C�mara. Principal interessado no encaminhamento desse projeto, o presidente da Associa��o Nacional dos Defensores P�blicos Federais (Anadef), Gabriel Faria Oliveira, percorreu gabinetes, conversou com parlamentares no Sal�o Verde e acompanhou no fundo do plen�rio o painel que mostrava o resultado da vota��o.
Conforme ele, o trabalho � exaustivo, mas se confunde com corporativismo. A atua��o, nesse caso, � para dar mais independ�ncia ao trabalho da categoria. “N�o pedimos a cria��o de cargos nem aumento salarial. As defensorias estaduais j� t�m essa autonomia”, justifica ele, que � defensor em Florian�polis, mas est� afastado para presidir a associa��o e passa tr�s semanas do m�s em Bras�lia.
Inferno
O presidente da C�mara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), avalia que a atividade dos “assessores parlamentares” � leg�tima. “Faz parte do processo democr�tico e cabe a cada l�der analisar o pleito e verificar se h� disponibilidade fiscal no Or�amento da Uni�o para ele ser executado”, comenta. Alvo do apetite insaci�vel de categorias que querem abocanhar mais benef�cios e mordomias, o relator do projeto de Lei de Diretrizes Or�ament�rias (LDO), o deputado federal Danilo Forte (PMDB-CE), conta que � procurado frequentemente por representantes do Judici�rio e do Banco Central.
Conforme Forte, a principal reivindica��o � para mudar o trecho do projeto que engessa aumento de benef�cios de alimenta��o, transporte e sa�de. Se houver afrouxamento, ser� poss�vel atuar politicamente durante a tramita��o do projeto da Lei Or�ament�ria Anual (LOA). “Ainda n�o avaliei o impacto disso nos cofres p�blicos. Mas acho que o governo gasta demais com o custeio da m�quina”, completa.
Para um deputado petista com tr�nsito no Pal�cio do Planalto, que pediu anonimato para evitar desgastes, a atua��o desses lobistas � um “inferno”. As entidades mais organizadas, principalmente as ligadas ao Judici�rio, ao Minist�rio P�blico e �s carreiras de gestor do Executivo, s�o as que mais conseguem ter os pleitos acolhidos. “Quando n�o s�o atendidos, constrangem os parlamentares e insinuam que n�o aprovar um projeto de lei que eleva sal�rios ou mant�m mordomias � o mesmo que cometer um ato de corrup��o”, sintetiza.
As categorias alegam que tamb�m defendem os interesses da sociedade e a fiscaliza��o do servi�o p�blico, independente de aumento de sal�rios. O presidente do Sindicato Nacional dos Analistas e T�cnicos de Finan�as e Controle (Unacon Sindical), Rudinei Marques, cita os esfor�os para a aprova��o do Projeto de Lei (PL 5586/2005), que altera o C�digo Penal, para tornar crime o enriquecimento il�cito, quando o funcion�rio p�blico possuir bens ou valores incompat�veis com a renda. E, tamb�m, a chamada Lei Anticorrup��o (PLC 39/2013), que responsabiliza, nas esferas administrativa e civil, empresas que praticarem atos contra a administra��o p�blica nacional ou estrangeira.
Nem sempre � assim. As press�es s�o intensas, constantes e de categorias variadas. �s vezes, todas simultaneamente. “Temos um grupo de auditores permanentemente no Congresso para tentar sensibilizar os parlamentares sobre nossos pleitos”, afirma Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional do Auditores-Fiscais da Receita Federal. A menina dos olhos dos lobistas de plant�o � a PEC 555/06, que acaba com a contribui��o previdenci�ria de 11%, para aposentados e pensionistas, diz Daro Piffer, presidente do Sindicato Nacional dos Funcion�rios do Banco Central.
A PEC 555/06, conta Rosangela Rassy, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), questiona a cobran�a dos 11% porque h� suspeitas de que os parlamentares tenham recebido incentivos financeiros para aprov�-la. Al�m dos pleitos comuns, h� os espec�ficos. As PECs 443/09 e 147/12 interessam a Auditores-Fiscais da Receita e do Trabalho, a procuradores e ao pessoal de n�vel superior do Banco Central. O objetivo � estabelecer o teto salarial de todos eles em 90,25% da remunera��o dos ministros do Supremo Tribunal Federal, atualmente fixado em R$ 28,059.
Outra PEC, a de n�mero 300, unifica o piso salarial das Pol�cias Militar, Civil e Corpo de Bombeiros, e prev� um piso provis�rio entre R$ 3,5 mil e R$ 7 mil. � a causa com maior poder de press�o sobre os parlamentares. O rombo no Or�amento da Uni�o pode chegar a R$ 46 bilh�es. Militares de todo o pa�s prometem grande mobiliza��o em Bras�lia, em 20 de agosto, quando a mat�ria deve ser tratada em segundo turno. Alegam que, no Distrito Federal, um soldado ganha R$ 4.500, enquanto no Par�, por exemplo, o sal�rio base � de R$ 1,8 mil. O presidente da C�mara, deputado Henrique Eduardo Alves, declarou que seria uma “irresponsabilidade” aprovar tal projeto, pelo impacto financeiro que causar� ao pa�s.
» Rombo de
R$ 46 bilh�es
Os custos com a unifica��o do piso salarial das pol�cias Militar, Civil e Corpo de bombeiros seria pago com os recursos dos royalties do petr�leo reunidos em um fundo nacional de seguran�a p�blica, para que os estados possam suportar o baque do aumento. O rombo que a medida pode causar � motivo de constantes pol�micas. A Frente Parlamentar em Defesas de Policiais e Bombeiros garantiu que o impacto or�ament�rio anual ficaria em torno de R$ 10 bilh�es. Outras institui��es de policiais apontaram 12 bilh�es. Em 2010, quando era ministro do Planejamento, Paulo Bernardo falou inicialmente em R$ 20 bilh�es. Em seguida, em outra ocasi�o, subiu a estimativa para 46 bilh�es.