Rio de Janeiro - O golpe de 1964 no Brasil teve apoio de parcelas importantes das igrejas. Essa foi uma das conclus�es da segunda s�rie de depoimentos, nessa ter�a-feira, durante audi�ncia p�blica da Comiss�o Nacional da Verdade (CNV) e da Comiss�o Estadual da Verdade, na sede Caixa de Assist�ncia dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (Caarj), no pr�dio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Seccional Rio de Janeiro, no centro da capital fluminense. A educadora Let�cia Cotrim, o pastor em�rito presbiteriano Zwinglio Motta e o pastor luterano Mozzart Noronha relatam experi�ncias que vivenciaram durante a ditadura militar.
“Foram pessoas que nos ajudaram em uma hora de sofrimento. Eu tive isso, mas n�o quer dizer que a igreja era homog�nea. Houve quem deu e quem n�o deu apoio. Foi pedido por mim a dom Eug�nio Sales, e dom Eug�nio n�o deu apoio para falar com quem tinha me prendido, que eu tinha uma hist�ria na igreja. Eu fui dada como uma pessoa subversiva e que n�o estava acontecendo nada comigo, quando na verdade estava”, disse Let�cia, que participou desde a adolesc�ncia do Movimento A��o Cat�lica.
Zwinglio Motta chegou a ser expulso da Igreja Presbiteriana do Brasil por defender quest�es contr�rias �s posi��es conservadoras da institui��o. O pastor disse que foi preso por ser irm�o de Ivan Motta Dias, militante desaparecido pol�tico, e, de acordo com informa��es levantadas pela fam�lia, foi morto em um dos locais de tortura em Petr�polis. "A repress�o queria saber onde estava ele. Tentava por todos os meios e n�o conseguia. Descobriu-me, algu�m me delatou, e fui preso por isso”, declarou.
Para Zwinglio, o trabalho da comiss�o em apurar a atua��o da igreja no per�odo da ditadura e no golpe de 1964 � importante para a hist�ria pol�tica do pa�s. “Recuperar a mem�ria � muito importante para que as gera��es futuras tenham acesso ao que aconteceu para que isso n�o volte a se repetir”, disse o pastor em�rito que depois, junto com 80 religiosos, fundou a Igreja Presbiteriana Unida.
O pastor luterano Mozzart Noronha, que fez parte de um movimento de resist�ncia dentro das igrejas protestantes, tamb�m falou sobre a falta de apoio da institui��o. Ele disse que recebeu suporte apenas de pessoas envolvidas com o movimento ao qual pertencia. “A igreja oficial n�o me deu nenhum apoio, mas aquela comprometida, que n�s chamamos a do Cristo fora dos muros. Pessoas e indiv�duos, embora membros da igreja, mas n�o respondiam institucionalmente por ela, essas pessoas nos deram apoio, n�o somente no tempo da nossa atua��o clandestina contra a ditadura, mas tamb�m fora do pa�s”, declarou o pastor que precisou se mudar para a Europa.
O coordenador do Grupo de Trabalho Papel das Igrejas durante a Ditadura, na Comiss�o Nacional da Verdade, Anivaldo Padilha, disse que os depoimentos confirmam que as igrejas tiveram postura contradit�ria, algo surpreendente porque era de se esperar que tivessem uma posi��o clara contra a viola��o dos direitos humanos, a tortura, assassinatos e desaparecimentos for�ados. E isso, segundo ele, n�o ocorreu. “Alguns setores importantes das igrejas apoiaram a ditadura e setores minorit�rios se opuseram � ditadura", destacou.
Para o professor de direitos humanos da Pontif�cia Universidade Cat�lica (PUC) e membro da Comiss�o Estadual da Verdade, Jo�o Dornelles, a participa��o das igrejas se modificou com o trabalho de integrantes que se opunham aos militares e desenvolveram trabalhos com movimentos sociais de atua��o mais pol�tica. "Surgiu, a partir da Igreja Cat�lica, uma s�rie de institui��es que passou a cumprir um papel de den�ncia de viola��o de direitos humanos, e a pr�pria CNBB [Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil] se posicionando contra a ditadura, principalmente no decorrer dos anos 1970, na luta pela anistia e liberta��o dos presos pol�ticos, junto com igrejas presbiterianas e metodistas”, analisou.