Ipatinga – A maioria dos motoristas que passa por Ipatinga pela BR-381, na altura do Shopping Vale do A�o, n�o imagina que o lugar j� foi cen�rio de um dos fatos mais tr�gicos da hist�ria mineira. Bem �s margens da rodovia, ficava em 1963 a portaria principal da usina sider�rgica da Usiminas – na �poca empresa estatal –, onde um confronto entre policiais militares e oper�rios deixou mais de 120 trabalhadores feridos e um n�mero de mortos que at� hoje n�o foi esclarecido. Prestes a completar 50 anos, em 7 de outubro, a trag�dia que ficou conhecida como Massacre de Ipatinga ainda � motivo de tristeza para os que estiveram no local e viveram uma das primeiras demonstra��es da repress�o que viria a se espalhar pelo pa�s seis meses depois com o golpe militar.
O registro oficial apontou seis mortos no confronto e outras duas v�timas que morreram no hospital, entre elas uma crian�a baleada ao colo da m�e, que estava em um ponto de �nibus. No entanto, v�rios presentes afirmam que o n�mero foi pelo menos cinco vezes maior. “Eu contei 30 mortos logo depois da confus�o. Peguei um por um para ver o pulso. N�s conferimos quem estava ferido para levar para o hospital e separamos os que j� estavam mortos. Foi uma cena terr�vel”, lembra Geraldo dos Reis Ribeiro, ent�o presidente do Sindicato dos Metal�rgicos de Coronel Fabriciano.
Na pr�xima semana, no mesmo dia em que o massacre completar� 50 anos, integrantes da Comiss�o Nacional da Verdade e da Comiss�o Estadual – grupo criado na semana passada – estar�o na cidade mineira para participar de uma audi�ncia p�blica que discutir� o caso. O jornalista Jurandir Persichini, um dos integrantes da comiss�o mineira, trabalhava na usina e considera fundamental para a mem�ria do estado uma nova apura��o sobre a trag�dia. “Na hora do tiroteio me escondi atr�s de um trilho da rede Vit�ria-Minas, bem perto da entrada”, lembra Persichini.
Entre as quest�es que colocam em xeque os n�meros oficiais de mortos, o jornalista aponta relatos de funcion�rios da empresa que compraram 32 caix�es no dia seguinte ao massacre. “Esse n�mero (de oito mortos) n�o bate com o que realmente se passou naquele dia. J� foram feitas audi�ncias sobre o fato, mas s�o v�rias lacunas a serem preenchidas. � interessante que este caso seja o primeiro a ser investigado pela comiss�o, � um caso emblem�tico de viola��es aos direitos humanos que ficou esquecido no passado”, diz Persichini.
Para o ex-sindicalista Geraldo Ribeiro, o sumi�o dos corpos ainda � o grande mist�rio em torno do Massacre de Ipatinga. Ele conta que momentos depois dos tiros o cen�rio era de correria e desespero entre os milhares de oper�rios. “Depois de ajudar os feridos, fui para Tim�teo avisar hospitais de Belo Horizonte e a Secretaria de Seguran�a, porque em Ipatinga n�o tinha nenhuma forma de comunica��o para pedir ajuda. Consegui falar em algumas r�dios da capital, avisando o que tinha acontecido. Logo depois voltei para a portaria da usina, mas j� n�o tinha nada por l�. Nem sinais dos corpos. Os vigilantes e policiais dispersaram a multid�o e arrumaram tudo”, explica.
Os meses seguintes foram de tens�o e muita confus�o na cidade e o caso abafado depois que os militares chegaram ao poder, em mar�o de 1964. “As investiga��es n�o foram para a frente, ningu�m foi punido. Como a maioria dos mortos eram pe�es, muitos eram homens que vieram do Nordeste para ganhar a vida, pouqu�ssimas fam�lias apareceram para saber o que aconteceu. A empresa era muito forte na regi�o e depois do golpe militar todos tinham medo de falar sobre o assunto”, lamenta Geraldo.

PERSEGUI��O
Para o ex-operador da Usiminas Raimundo Pereira Chaves, de 71 anos, conhecido em Ipatinga como Serrinha, o massacre foi um pren�ncio das d�cadas de repress�o que iriam mudar completamente sua vida ao longo da ditadura militar. Funcion�rio da usina, ele presenciou o tumulto e os desdobramentos na rotina da cidade. Incomodado com as dif�ceis condi��es de trabalho a que os oper�rios eram sujeitados, Serrinha participou das mobiliza��es de 1963 e passou a ser acompanhado de perto depois do golpe de 1964.
Segundo ele, a estatal funcionava como um bra�o do regime e os funcion�rios ligados a grupos de esquerda que se mostravam cr�ticos do governo passaram a ser reprimidos. “Os vigilantes da empresa eram na maioria policiais militares que nos monitoravam o tempo inteiro. Al�m das revistas na entrada e na sa�da do expediente, eles passaram a saber o que alguns funcion�rios faziam 24 horas por dia. As estatais passaram a funcionar como bra�o da ditadura e desconfio que algumas informa��es sobre l�deres chegaram at� Bras�lia, onde eram pedidas demiss�es ou at� pris�es”, lembra.
Depois de demitido da estatal, Serrinha n�o conseguiu mais achar emprego nas empresas que prestavam servi�os para a sider�rgica e passou a conviver com amea�as de pris�o e intimida��es. “Foram dois anos me escondendo na minha pr�pria cidade, sem poder trabalhar e passando dificuldade para sustentar tr�s filhos. Em 1967 tive que ir embora, ou seria preso. Entre os oper�rios a luta era pela sobreviv�ncia e pouco se falava sobre o massacre, mesmo com todos sabendo que foram dezenas de mortos e v�rios desaparecidos.”
Reclamando da precariedade nos alojamentos e refeit�rios e uma rotina de acidentes, os oper�rios se juntaram na manh� de 6 de outubro para cobrar melhorias nas condi��es de trabalho da usina. Como o sindicato n�o era aceito pela empresa, n�o houve negocia��es com os oper�rios. Naquele dia, como repres�lia � mobiliza��o, os vigilantes da empresa barraram alguns trabalhadores na sa�da, impedindo-os de pegar o �ltimo �nibus que os levaria de volta aos alojamentos. A confus�o come�ou naquela noite, com trabalhadores for�ando a sa�da, tentando arrombar um dos port�es. A pol�cia foi chamada para controlar a situa��o, mas acabou deixando os �nimos mais exaltados.
“Quando os militares chegaram � portaria da Usiminas, n�o houve conversa, a trucul�ncia foi geral. Uma parte dos oper�rios conseguiu ir embora, mas aqueles que moravam mais perto foram seguidos por policiais e vigilantes e durante toda a madrugada foi uma viol�ncia generalizada nos alojamentos pr�ximos � usina”, conta Geraldo Ribeiro. Segundo ele, alguns funcion�rios foram presos e agredidos na delegacia. “Na manh� seguinte, com ajuda de um padre que era conhecido na regi�o, os oper�rios foram soltos. Mas a revolta era grande, eles contaram aos colegas que foram humilhados e espancados. Na portaria mobilizaram mais trabalhadores e uma multid�o se formou, com cerca de 5 mil homens”, lembra Geraldo.
O clima tenso se arrastou durante toda a manh�, com os oper�rios exigindo a sa�da da Pol�cia Militar da usina e a negocia��o de melhores condi��es de trabalho. “O tenente n�o admitia deixar o local sob vaia. Mas no final da manh� eles aceitaram deixar a usina”, diz o ex-sindicalista. De acordo com relatos de oper�rios que estiveram no local, foi na sa�da dos militares que a situa��o ficou fora de controle. “Alguns trabalhadores atiraram pedras no caminh�o da pol�cia e foi a� que os tiros come�aram. Um dos militares que estavam no caminh�o come�ou a rodar uma metralhadora para todos os lados, foi um imenso despreparo”, conta Geraldo.