
O ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva levanta-se em S�o Bernardo do Campo �s 6h, faz duas horas de exerc�cios f�sicos, toma caf� e chega ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente saindo antes das 20h. Recebe pol�ticos, empres�rios, sindicalistas, intelectuais, agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma causa ou projeto. Quase tr�s anos ap�s deixar a Presid�ncia e depois da vit�ria contra o c�ncer, Lula declara que est� completamente “desencarnado” do cargo e com a sa�de restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do tratamento, confirma.
Por telefone, ele � alcan�ado tamb�m por interlocutores de diferentes pa�ses, com convites para viagens e palestras no Brasil e no exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, “como puder”, na campanha da sucessora, Dilma, pela reelei��o. “Se ela n�o puder ir para o com�cio num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste”, disse o ex-presidente.
Nas instala��es simples da casa no Ipiranga, o que denuncia o inquilino s�o as fotografias nas paredes, de momentos especiais da Presid�ncia, selecionadas pelo fot�grafo Ricardo Stuckert, que continua a seu lado, assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi l� que, na quinta-feira, Lula recebeu os Di�rios Associados para a sua primeira grande entrevista depois de deixar o governo. Em duas horas ele falou de tudo: da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que vem, passando por espionagem, Mais M�dicos, mensal�o e novos partidos.
Lula tamb�m falou, pela primeira vez, sobre a Opera��o Porto Seguro, a investiga��o da Pol�cia Federal que revelou um esquema de favorecimentos em altos cargos do governo federal e provocou a demiss�o de Rosemary Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presid�ncia da Rep�blica em S�o Paulo. E disse ter saudades de Bras�lia: “O nascer e o p�r do sol no Alvorada s�o inesquec�veis”.
Deixar de ser presidente trouxe al�vio ou pesar?
N�o � f�cil falar sobre isso. Eu achava que seria simples deixar a Presid�ncia. O (Jo�o) Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos, at� pediu para ser esquecido. Quando a pessoa n�o sai bem, quer esquecer mesmo. Mas eu sa� no momento mais auspicioso da vida de um governante. Eu brincava com o Franklin (Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os 100% de aprova��o. Foi como se me desligassem de uma tomada. Num dia voc� � rei, no outro dia n�o � nada. Depois de entregar o cargo, cheguei a S�o Bernardo e havia um com�cio, organizado por amigos e pessoas do sindicato. O Sarney me acompanhou. Antes, visitei o Z� Alencar, choramos juntos. Eu fiquei danado da vida porque achava que ele devia ter ido � posse e subido a rampa de maca, mas os m�dicos n�o deixaram. Participei do com�cio e quando deram 11h da noite eu subi para o apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo na seguran�a e voltariam a Bras�lia, o general me disse: “Olha, presidente, daqui a tr�s dias os celulares da Presid�ncia ser�o desligados e os carros ser�o recolhidos”. Mas levaram apenas tr�s minutos para me desconectarem. Este � o lado hil�rio da coisa. Mas ser ex-presidente � um aprendizado sobre como se comportar, evitando interferir no novo governo. Quem sai precisa limpar a cabe�a, assimilar que n�o � mais presidente. Mas � dif�cil sair de um dia a dia alucinante, acordar de manh� e perguntar: e agora?
Mas como conseguiu resolver o “desligamento”?
Entre mar�o de 2011 e a descoberta do meu c�ncer, em outubro, eu fiz 36 viagens internacionais, visitei dezenas de pa�ses africanos e latino-americanos. Eu queria ficar fora do Brasil para vencer a tenta��o de ficar dando palpites. Decidi voltar para o instituto, que eu j� tinha, e comecei a trabalhar aqui. No dia do meu aniversario fui levar a Marisa para fazer um exame mas acabaram descobrindo o c�ncer em mim. E a� foi um ano de tortura. Nunca pensei que fosse t�o dif�cil fazer quimioterapia e radioterapia. A doen�a, a interna��o, o fato de n�o poder falar ajudaram no desligamento. Fui desencarnando e hoje isso est� bem resolvido na minha cabe�a. Este ano, no evento dos 10 anos de governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha candidata, eu queria tirar de vez da minha cabe�a a hist�ria de voltar a ser candidato. Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com gracinhas, antes que os advers�rios da Dilma viessem para o meu lado, eu resolvi dar um basta e fim de papo.
Mesmo com eventuais “volta, Lula”, com manifesta��es, crises?
Mesmo. Hoje h� pessoas defendendo o fim da reelei��o. Eu sempre fui contra a reelei��o, mas hoje posso dizer que ela � um beneficio, uma das poucas coisas boas que copiamos dos americanos. Em quatro anos, voc� n�o consegue realizar uma �nica obra estruturante no pa�s. Depois, o eleitor pode julgar o governante no meio do per�odo. Bush pai n�o se reelegeu, Carter n�o se reelegeu. Mas foi bom para os Estados Unidos o Clinton ter governado oito anos.
O senhor n�o ficou tentado a buscar o terceiro mandato, quando o deputado Devanir apresentou aquela emenda?
Eu fui contra. Chamei o partido e disse: ‘N�o quero brincar com a democracia. Se eu conseguir o terceiro, amanh� vir� algu�m querendo o quarto, o quinto’. Sou amplamente favor�vel � altern�ncia no poder, de pessoas e de segmentos sociais. Comigo, pela primeira vez um oper�rio chegou � Presid�ncia. Com a Dilma, a primeira mulher. Quer mais mudan�a do que isso? Quero que o povo continue mudando. Para errar ou acertar, n�o importa.
Deixar o poder traz mais liberdade?
Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito anos em Bras�lia sem ir a um restaurante, a um anivers�rio, a um casamento, porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Bras�lia. Mesmo hoje, prefiro passar o fim de semana em casa, de bermudas.
O que considera como mudan�as importantes deixadas por seu governo?
As coisas que foram feitas, se em algum momento foram negadas, a verdade foi mais forte que a vers�o. A ONU acaba de reconhecer, com dados irrefut�veis, que o Brasil foi o pa�s que mais combateu e reduziu a pobreza nos �ltimos 10 anos. Eu queria provar que, quando o Estado assume a responsabilidade de cuidar dos pobres, isso tem efeitos. Tenho muito orgulho de ter sido um presidente que, sem ter diploma universit�rio, foi o que mais criou universidades no Brasil, o que mais fez escolas t�cnicas, o que colocou mais pobres na universidade... J� houve presidentes da Rep�blica que tinham diplomas e mais diplomas, fizeram muito pouco pela educa��o. A outra coisa de que muito me orgulho � de ter sido o primeiro presidente que fez com que o povo se sentisse na Presid�ncia.
E o que o senhor considera o maior erro de seu governo?
Certamente cometi muitos erros. Os advers�rios devem se lembrar mais deles do que eu. Mas fiz as coisas que achava que poderia fazer. H� quem me pergunte se n�o me arrependo de ter indicado tais pessoas para a Suprema Corte. Eu n�o me arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar hoje, com as informa��es que eu tinha na �poca, indicaria novamente.
E com as informa��es atuais?
Eu teria mais crit�rio. Um presidente recebe listas e mais listas com nomes, indicados por governadores, deputados, senadores, advogados, ministros de tribunais. E � preciso ter quem ajude a pesquisar e avaliar as pessoas indicadas. Eu tinha o M�rcio Thomaz Bastos no Minist�rio da Justi�a, o (Dias) Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que lamento � n�o ter aprovado a reforma tribut�ria, e tentei duas vezes. Hoje estou convencido de que n�o poder� ser feita como pacote, mas fatiada, tema por tema. Eu mandava um projeto com apoio de todo mundo, mas as for�as ocultas de que falava o J�nio se apresentavam nas comiss�es do Congresso e paravam tudo. Eu receava tamb�m que segundo mandato fosse repetitivo, com ministros n�o querendo trabalhar. Foi a� que tivemos a ideia do PAC. Mas acho que poucos conseguir�o repetir o que fizemos entre 2007 e 2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo fluiu bem. Posso ter errado, mas n�o tenho arrependimentos. Tenho frustra��o de n�o ter feito mais.
Voltando � indica��o dos ministros do STF. Hoje, se o senhor pudesse voltar no tempo...
Nem podemos pensar nisso. Eu n�o sou mais presidente, eles j� est�o indicados e v�o se aposentar l�.
O senhor continua fazendo palestras?
Tenho feito, mas vou reduzir. No ano que vem vou me dedicar um pouco � campanha. Voc�s sabem que um ex-presidente da Republica n�o tem aposentadoria. N�o tendo aposentadoria de outra origem, ter� que ser mantido pelo partido dele ou ter� que se virar. Mas voc� s� � convidado para fazer palestras se tiver tido �xito no governo. O Fernando Henrique inovou e passou a fazer palestras. O PT ofereceu-me um sal�rio e eu agradeci. Eu mesmo ia tratar da minha sobreviv�ncia.
O que acha das cr�ticas de que existiria conflito de interesses quando as empresas t�m contratos com o governo?
Acho uma cretinice. Primeiro porque n�o fa�o nada al�m do que eu fazia como presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer pa�s e falar da soja, do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos avi�es da Embraer... Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Com orgulho. Eu achava que isso era papel do presidente da Rep�blica. Se eu puder vender as empresas brasileiras na Nig�ria, no Catar, na L�bia, no Iraque, na �frica, eu vou vender. Estas cr�ticas tamb�m refletem o complexo de vira-lata. � n�o compreender o sentido disso. Tenho orgulho de saber que quando cheguei � Presid�ncia n�o havia uma s� f�brica brasileira na Col�mbia e hoje existem 44. Havia duas no Peru e hoje s�o 66. De termos ampliado nossa presen�a na Argentina ou na �frica. Se n�o formos n�s, ser�o os chineses, os ingleses, os franceses. Todas as empresas, inclusive as de jornais e de televis�o, t�m lobistas em Bras�lia. Mas s�o chamados de diretores corporativos ou institucionais. Agora, se algu�m faz pelo pa�s, � lobista. Faz parte da pequenez brasileira. Veja o caso da Copa do Mundo. Todo pa�s quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil n�o pode. Ah, porque temos problemas de sa�de e moradia! Todos os pa�ses t�m problemas, e por isso n�o pode ter Copa do Mundo e Olimp�ada? E o quanto uma na��o ganha com isso, do ponto de vista cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual � a den�ncia contra as obras?
Nos protestos, a cr�tica era ao custo das obras…
Ora, se em 1950 o Brasil p�de fazer um est�dio para a Copa do Mundo, em 2013 n�o podemos fazer outros? Pergunto: qual � a denuncia? Eu deixei dois decretos, um sobre a Copa e outro sobre a Olimp�ada, que est�o no site da CGU. Perguntem ao Jorge Hage onde tem corrup��o na Copa. O TCU designou um ministro, o Valmir Campelo, encarregado de fiscalizar especificamente os gastos com a Copa. Perguntem a ele onde h� corrup��o. A Copa est� marcada e tem que ser feita com a maior grandeza. Se algu�m praticar corrup��o, que seja posto na cadeia.
Falando nas manifesta��es, o que mudou com elas no Brasil?
Eu acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exce��o dos mascarados. Todas as reivindica��es que apresentaram, um dia n�s tamb�m pedimos. Veja o discurso do (Fernando) Haddad na campanha de S�o Paulo: “Da porta da casa para dentro a vida melhorou, mas da porta para fora ainda precisa melhorar”. Hoje, muito mais gente anda de carro, mas o transporte p�blico n�o melhorou. Eu andava de �nibus lotados como latas de sardinha em 1959, e continua a mesma coisa. O povo nos disse o seguinte: “J� conquistamos algumas coisas e queremos mais”. As pessoas querem mais, mais sal�rio, mais transporte, melhorarias na rua, e isso � extraordin�rio. Nem d� mais para ficar dividindo tarefa: isso � com o prefeito, isso com o governador, aquilo com o presidente. Agora � tudo junto.
E o programa Mais M�dicos, � uma boa solu��o?
� uma coisa fant�stica, mas vai fazer com que o povo fique ainda mais exigente com a sa�de. O sujeito vai subir o primeiro degrau. Vai ter um m�dico que vai lhe pedir os primeiros exames, e a sa�de vai ser problema outra vez. Discutir sa�de sem discutir dinheiro, n�o acredito. E n�o adianta dizer, como fazem os hip�critas, que o problema � s� de gest�o. Chamem os 10 melhores gestores do planeta e perguntem como oferecer tomografia, resson�ncia, tratamento de c�ncer sem dinheiro. O hip�crita diz: “Eu pago caro por um plano de sa�de, porque o SUS n�o me atende”. Mas, quando ele vai fazer a declara��o de renda, desconta tudo do imposto a pagar. Ent�o quem paga a alta complexidade para ele � o povo brasileiro. E a� vem a Fiesp fazer campanha para acabar com a CPMF. N�o foi para reduzir custos, mas para tirar do governo o instrumento de combate � sonega��o.
O Mais M�dicos � uma marca de governo para Dilma?
Os m�dicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram um erro grav�ssimo. O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: “N�o queremos tirar o emprego de m�dico brasileiro. Queremos trazer m�dicos para atender nos locais onde faltam m�dicos brasileiros”. Em vez de protestar, eles deveriam ter feito um comit� de recep��o aos colegas estrangeiros. E Deus queira que um dia o Brasil forme tantos m�dicos que possa mandar m�dicos para um pa�s africano. � admir�vel que um pa�s pequeno como Cuba, que sofre um embargo comercial h� 60 anos, tenha m�dicos para nos ceder.
Na semana passada, foram criados dois partidos pol�ticos, houve um grande troca-troca de deputados, para l� e para c�. Como o senhor v� isso?
O fato de voc� legalizar um partido � o menos importante. Levar 10, 15 deputados, tamb�m. Eu quero saber � se na pr�xima elei��o estes partidos passar�o pelo teste das urnas.
Marina Silva talvez n�o consiga registrar o partido dela…
Quando n�s fomos construir o PT, as exig�ncias legais eram at� maiores. Na primeira elei��o, eu achava que seria eleito governador de S�o Paulo. Eu era uma figura estranha, um metal�rgico, levava muita gente aos com�cios. Fiquei em quarto lugar. O Estad�o fez uma pesquisa, dizendo que eu tinha 10%. Eu logo xinguei a imprensa burguesa (risos). E eu tive exatamente 10% (risos). Ent�o, essas pessoas que est�o criando partidos v�o ter de trabalhar muito. E precisamos evitar as legendas de aluguel. N�o serei contra, depois de tudo que fiz pela cria��o do PT. Eu n�o sei se a Marina vai cumprir as exig�ncias legais. Ela � uma personalidade pol�tica do pa�s, tem todo o direito de criar um partido. Agora, tem de ter coragem de dizer que � partido, n�o tem que inventar outro nome, dizer que n�o � partido, � uma rede. � partido e vai ter deputado, como todo partido. Mas o que vai contar nas elei��es de 2014 s�o os partidos existentes: o PT, o PMDB, o PSB, o PSDB e outros mais.
Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial se alteraria, n�o?
Ela ainda tem tempo. Ela tem de assistir ao dia final do julgamento com a ficha de outro partido do lado. Eu acho que a Marina tem o direito de ser candidata. Marina � um quadro pol�tico importante para o pa�s. Caso ela n�o consiga o partido e n�o seja candidata, ser� importante saber para onde v�o os votos dela. Ningu�m pode perder o p� da realidade do pa�s, achar-se melhor que o Congresso, que l� s� tem corrupto, como vejo alguns dizerem.
O senhor mesmo j� falou, quando disse que no Congresso havia 300 picaretas...
O Congresso � a cara da sociedade brasileira. Ulysses Guimar�es dizia: “Toda vez que a sociedade come�a a falar em muita mudan�a no Congresso, o Congresso piora”.
Quase 300, na realidade 280 deputados, foram respons�veis de alguma forma pela absolvi��o do deputado Natan Donadon em plen�rio...
Veja que eu n�o errei. O que acontece no Congresso acontece num clube de futebol, acontece no condom�nio em que a gente mora, na sauna... Voc� tem gente de qualidade, voc� tem gente de menos qualidade, gente comprometida com os setores mais � esquerda, gente comprometida com os setores mais � direita. Se as pessoas fossem de direita ou de esquerda, era melhor do que serem simplesmente fisiol�gicas. O que eu acho que mata na pol�tica � o fisiologismo. E voc� n�o vai acabar com isso. � uma cultura pol�tica que est� estabelecida no mundo, n�o � s� no Brasil. E n�o � uma quest�o nacional, sen�o a It�lia n�o tinha o Berlusconi.
Mas o senhor defende a reforma pol�tica n�o � buscando superar estes problemas?
Eu defendo a reforma pol�tica, mas acho que ela s� vir� quando tivermos Constituinte pr�pria para faz�-la. O Congresso n�o vai aprovar. Pode fazer uma mudan�a aqui, outra ali, mas n�o uma reforma profunda. Defendo o financiamento p�blico porque eu acho que � a forma mais barata e mais honesta de fazer campanha. Por que os empres�rios n�o defendem o financiamento p�blico? N�o seria melhor para eles n�o ter que dar dinheiro para candidato? Mas eles preferem que os pol�ticos dependam deles. Eu li a biografia do Juscelino, os dois volumes do (Get�lio) Vargas, do Lira Neto (escritor cearense), estou lendo a biografia de Napole�o Bonaparte e a do Padre C�cero. A pol�tica � sempre a mesma. Nos Estados Unidos, Abraham Lincoln precisou vencer os mesmo obst�culos. Penso que com partidos mais s�rios e valorizados, com mais seriedade nas campanhas, a pol�tica vai se qualificando e motivando mais. Eu sempre digo aos jovens: mesmo que voc� n�o acredite em mais ningu�m, e ache que todos s�o corruptos, n�o desista. O pol�tico honesto que voc� procura pode estar dentro de voc�. Ao inv�s de negar a pol�tica, entre na pol�tica.
O momento mais delicado da Dilma ocorreu durante as manifesta��es. E naquele momento o PMDB, o principal aliado do PT, tentou emparedar a presidente no Congresso...
O ideal de um partido pol�tico � eleger um presidente da Rep�blica, eleger a maioria dos governadores, eleger a maioria dos senadores, a maioria dos deputados federais. Isso � o ideal. N�o parece maravilhoso? Pois bem, em 1987, o PMDB teve isso. O PMDB elegeu 306 constituintes e 23 governadores. O (Jos�) Sarney teve moleza? N�o teve. O principal advers�rio do Sarney era Ulysses Guimar�es. Por isso eu prezo a democracia. Eu fico imaginando se o PT tivesse 400 deputados, 79 senadores. Iria ser f�cil? Temos de aprender a lidar com a realidade. Angela Merkel acabou de ganhar as elei��es na Alemanha, mas, para governar, ter� que fazer alian�a.
E a divis�o interna no PT, entre lulistas e dilmistas?
Se houver algu�m que se diz lulista e n�o dilmista, eu o dispenso de ser lulista. A Dilma � a presidente da Rep�blica e ela representa o PT. Eu n�o estou pedindo que as pessoas gostem de Dilma. Eu quero que as pessoas a respeitem na fun��o institucional e saibam que o PT est� l� para apoi�-la. O povo de Bras�lia votou no (Jos� Roberto) Arruda porque acreditou que o Arruda ia fazer as mudan�as prometidas. N�o deu certo. Voc� vai dizer que o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do Agnelo? N�o era. O eleitor vota esperando que as coisas melhorem. Se tivermos agora como candidatos Dilma, A�cio, Eduardo Campos e Marina, o Brasil est� qualificado. Todos candidatos de centro-esquerda para a esquerda.
O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo Campos com o governo. Agora que aconteceu, como ficar� este relacionamento? Ele pode sair do campo de sua influ�ncia, o campo da esquerda?
Eu n�o tenho influ�ncia. Mas eu gostaria que n�o tivesse acontecido o que aconteceu.
Quem errou?
N�o sei, acho que todo mundo errou. E eu posso estar errado tamb�m. Pode ser que o governo e o Eduardo estejam certos no rompimento, e eu errado. Mas eu n�o dou de barato que o Eduardo � candidato. Ele tem potencial? Ele tem estrutura, sabedoria pol�tica? Tem. Ele pode ser candidato, como o A�cio, a Marina. Eu s� acho que foi um preju�zo para a gente ter o PSB, e sobretudo o Eduardo Campos, do outro lado. Isso aconteceu apenas quando o Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato, n�s temos de ter uma regra de comportamento. Se a elei��o n�o terminar no primeiro turno, poderemos ter alian�a no segundo turno. Mas eu n�o dou de barato que as coisas est�o definidas na elei��o. Nem para o Eduardo Campos ser candidato, nem para o A�cio ser candidato. Sabe-se l� o que o Serra vai tramar contra o A�cio? Nem para a Marina. Eu acho que a gente tem de ver o seguinte: temos de esperar, at� mar�o. S�o mais seis meses pela frente, at� as pessoas anunciarem de fato suas candidaturas. Sei apenas que, entre todos, a Dilma � a que tem mais credenciais e � mais qualificada para governar o Brasil. Eu vou percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.
Qual ser� a diferen�a, na disputa com o PSDB, em ter o A�cio como candidato, e n�o o Serra?
Eu acho que vai trazer mais dificuldades para o PSDB. O A�cio vai ter que se tornar conhecido. O Serra j� � conhecido, tem o recall de outras disputas. N�o � f�cil criar um candidato num pa�s do tamanho do Brasil. Ent�o eu n�o sei como o PSDB vai conseguir se livrar do Serra ou se o Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para ser candidato. Mas o PT n�o pode escolher advers�rio. Tem que enfrentar quem aparecer, e acho que pode ganhar dos dois.
Sua participa��o na campanha da Dilma agora ser� diferente da que teve em 2010?
Tem de ser diferente. Em 2010 a Dilma n�o era conhecida. Fizemos uma campanha para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar ao eleitor o grau de confian�a que eu tinha nela. Obviamente que depois de quatro anos de governo a Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu construir a sua pr�pria personalidade. Ent�o j� tem muita gente que vai votar na Dilma independentemente de o Lula pedir. Naquilo que eu tiver influ�ncia, nas pessoas que eu tiver influ�ncia, eu vou pedir para votar na Dilma. O que eu vou fazer na campanha depende dela. Eu n�o quero estar na coordena��o, eu quero ser a metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela n�o puder ir para o com�cio num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem vai determinar � ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta est� boa. Eu estou com mais disposi��o, mais jovem. Apesar da idade, eu estou fisicamente mais preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo que eu n�o pego um microfone na rua para falar. Conversar um pouco com o povo brasileiro. Vou ajudar. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar quieto. A �nica coisa que eu n�o vou fazer � cantar, porque eu sou desafinado, mas no resto ela pode contar comigo.
A prorroga��o do julgamento do mensal�o, levando as pris�es de petistas para o pr�ximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do PT e a pr�pria Dilma?
Eu n�o acredito, n�o. As pessoas t�m o h�bito de menosprezar a intelig�ncia do povo. A hist�ria n�o � contada no dia seguinte, a hist�ria � contata 50 anos depois. E eu acho que a hist�ria vai mostrar que, mais do que um julgamento, o que n�s tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento terminar. Uma coisa eu n�o posso deixar de criticar. Se pegar o �ltimo julgamento agora (dos embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso de Mello foi uma coisa desrespeitosa � institui��o da Suprema Corte, que � o �ltimo voto. Ou seja, depois dela, ningu�m mais pode falar. Eu fiquei irritado certa vez, quando eu era presidente, o (Sep�lveda) Pertence tomou uma decis�o e algu�m escreveu que Jos� Dirceu tinha ganho no tapet�o, sem nenhum respeito a uma figura como o Pertence. Veja a arrog�ncia e a petul�ncia de algumas pessoas. Elas amanh� poder�o ser julgadas e v�o querer o direito de defesa. A sociedade brasileira j� aprendeu a separar o joio do trigo, inclusive pelo que tentaram fazer comigo em 2006, na campanha. Ningu�m poderia ter sido mais violento comigo do que foi o (Geraldo) Alckmin. Todo mundo sabe o que aconteceu na v�spera da elei��o, quando o delegado da Pol�cia Federal mentiu que tinham roubado a fita (na realidade, um CD), sendo que ele mesmo fez a entrega para quatro jornalistas. (Aqui, Lula se refere ao “esc�ndalo dos aloprados” e ao vazamento das fotos do dinheiro usado para comprar falsos dossi�s contra Jos� Serra e Geraldo Alckmin.) Todo mundo sabe o que houve na elei��o do (Fernando) Haddad. Aquele julgamento (do mensal�o) no meio da elei��o, qual era o objetivo? Tudo isso o povo percebe.
Ent�o o senhor acha que n�o ter� efeito?
O povo sabe separar as coisas. Agora, o que n�o se pode � negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros est�o condenados. Se amanh� a Justi�a falar que absolveu, estar�o condenados do mesmo jeito. Ningu�m se d� conta do que aconteceu com a fam�lia das pessoas, com os filhos das pessoas. Esta substitui��o da informa��o pela vers�o que interessa n�o pode ser adequada � constru��o de um pa�s democr�tico.
O tema econ�mico da hora s�o as concess�es. Na elei��o, a oposi��o n�o vai explor�-las como uma forma de privatiza��o feita pelo PT, que combateu as privatiza��es tucanas?
N�o � privatiza��o. Deixa eu dizer uma coisa: � urgente mudar a Lei 8.666/93, que regula as licita��es nesse pa�s, se quisermos que as coisas aconte�am. Hoje, para fazer uma obra, s�o tantos os obst�culos, como eu j� disse…TCU, Ibama, CGU, Iphan… Uma verdadeira m�quina de fiscaliza��o que emperra a m�quina da execu��o. Ent�o, � melhor passar pelo crivo uma s� vez e entregar o servi�o para a iniciativa privada explorar, com mais facilidade e rapidez. A segunda coisa � que o Estado tamb�m n�o tem recursos. As concess�es s�o um convite � iniciativa privada, que pode suprir a defici�ncia do Estado para investir. A Dilma estava na Casa Civil, n�s reun�amos os ministros e �rg�os envolvidos nos projetos. Eu falava todos os palavr�es que tinha de falar, mas as coisas n�o andavam. Um problema aqui, outro ali. Temos que encontrar uma solu��o. A Dilma anunciou as concess�es em junho do ano passado e os leil�es s� est�o saindo agora. Se estiv�ssemos em 1955, come�ando a construir Bras�lia, nem a picada para o avi�o do JK pousar tinha sa�do.
Como o senhor avalia a decis�o da CGU de pedir a destitui��o do servi�o p�blico da ex-chefe do Gabinete da Presid�ncia de S�o Paulo, Rosemary Noronha, por 11 irregularidades, incluindo propina, tr�fico de influ�ncia e falsifica��o de documentos?
Ela j� estava demitida. O que a CGU fez foi confirmar o que todo mundo j� sabia o que ia acontecer.
Mas tudo ocorreu dentro de um escrit�rio da Presid�ncia, em S�o Paulo...
Deixa eu falar uma coisa. A CGU julgou um relat�rio feito pela Casa Civil. E, pelo o que eu vi, do relat�rio, ele confirma as conclus�es da Casa Civil. Todo servidor que comete algum il�cito tem de ser exonerado. O que valeu para o escrit�rio vale para qualquer lugar no Brasil, no setor p�blico. Vale para banco, vale para a Receita Federal. Vejo isso com muita tranquilidade. (Lula se vira para o assessor de imprensa e pergunta) “N�o foi exonerado esses dias um companheiro que trabalhava com a Ideli (Salvatti)? (Lula se refere ao assessor da Subchefia de Assuntos Federativos Ida�lson Vilas Boas Macedo, ap�s not�cias de que faria parte do esquema de lavagem de dinheiro descoberto pela Pol�cia Federal na Opera��o Miqueias.)
O que o senhor achou da rea��o do governo brasileiro em rela��o � espionagem norte-americana?
Dilma agiu certo. N�o podia aceitar a ideia que o (Barack) Obama tentou passar, de que n�o aconteceu nada. Com aquele jeit�o imperial do Obama falar.
Quase tr�s anos depois de deixar a Presid�ncia, como o senhor gostaria de ser lembrado?
O que me importa � a forma como serei lembrado pelas pessoas. Algo que me marcou foi meu �ltimo encontro com os cantadores de material reciclado e moradores de rua de S�o Paulo. Uma menina, afrodescendente, pegou o microfone e perguntou: “Presidente, voc� sabe o que mudou na minha vida nestes oito anos?” Eu n�o sabia. E ela disse: “N�o foi o dinheiro que eu ganhei, nem as cooperativas que organizei. Foi o direito de andar de cabe�a erguida que o senhor me restituiu. Hoje, n�o tenho vergonha de andar com o carrinho catando papel�o na rua. Me sinto t�o importante quanto os que passam de carro ao meu lado”. Nada � mais gratificante que isso. Foi o que me inspirou a pedir ao Fernando Morais para tentar fazer uma biografia do meu governo, conversando com quem ele quiser: banqueiro, dono de jornal, metal�rgico, banc�rio, catador de papel. Ouvir o que as pessoas pensam � mais importante, pois todo mundo tem tend�ncia a falar bem de si mesmo.