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Estado de Minas

M�sica ganhou os bares no auge da repress�o na ditadura militar

Viva Zap�tria estourou nos principais pontos de encontro da juventude de BH, abrindo o caminho para a fama e acendendo a f�ria dos censores


postado em 16/02/2014 06:00 / atualizado em 16/02/2014 07:53

"Eu tinha 21 anos e era cheio de g�s. Perdi uma oportunidade �mpar" (foto: Ant�nio Sirlan, m�sico (Arquivo EM - 2/6/79)
A morte do estudante secundarista Edson Lu�s, em mar�o de 1968, no Centro do Rio de Janeiro, foi a fa�sca que faltava para Sirlan come�ar a compor sua principal can��o, Viva Zap�tria. O m�sico lembra que as reuni�es eram constantes para discutir todos os assuntos, passando por m�sica, literatura, cinema, at� pol�tica e, inclusive, “armar planos para derrubar o governo”. Inserido na efervesc�ncia cultural e pol�tica da �poca, Sirlan se uniu ao cantor e compositor Murilo Antunes e fez a can��o, que logo come�ou a ser tocada nos bares frequentados pela juventude da capital. “A morte do Edson Lu�s esquentou aquela coisa e fez com que a m�sica eclodisse. Fazer m�sica n�o tem regra, mas nesse caso eu comecei a compor, mostrei para o Murilo e a gente foi avan�ando em cima da ideia”, detalha.

Os pontos de encontro principais eram os bares Teorema (na Rua Rio de Janeiro, quase esquina com Tupis) e Salum (tamb�m na Rio de Janeiro, em frente ao Cine Palladium). Nesses locais, Sirlan conheceu os m�sicos Toninho Horta e T�lio Mour�o, a turma do Suplemento Liter�rio e alguns de uma gera��o anterior, como o jornalista e escritor Wander Piroli e o cineasta Carlos Alberto Prates.

Sirlan lembra que naquele momento, apesar da constante troca de ideias e ideais, era muito dif�cil conseguir fazer algo estourar em Belo Horizonte. Ele destaca que havia apenas tr�s op��es de teatro para shows e apresenta��es: Imprensa Oficial, Mar�lia e Francisco Nunes. Por isso, decidiu ir para o Rio, na companhia de Toninho e Mour�o. “Fomos para tentar mexer com m�sica. L� conhecemos pessoas que admir�vamos muito, como Egberto Gismonti, Baden Powell, Ivan Lins, o Tamba Trio e outros”, cita Sirlan. Nessa �poca, ele tocou bateria no MPB-4.

Sirlan ficou amigo de Chico Buarque e se lembra de pegar conselhos com ele sobre a censura: “Sempre quando eu conversava com o Chico perguntava como estava a barra. Ele (Chico) ia tanto l� que tinha at� escova de dente na censura”, brinca. Al�m da ajuda de Chico para passar Viva Zap�tria pelos censores, um ponto fundamental, segundo Sirlan, � que a TV Globo, que promovia o festival, tinha muito interesse na libera��o da can��o, que j� estava classificada para o 7º FIC.

CLUBE DA ESQUINA Em 1971, quando a grava��o do cl�ssico disco Clube da Esquina era iniciada, Sirlan era pr�ximo aos m�sicos do grupo e acreditava que tocaria com a turma liderada por Milton Nascimento e L� Borges. “Fui ao Rio de Janeiro buscar alguns instrumentos e quando voltei houve uma s�rie de desentendimentos e fui expurgado do Clube da Esquina”, recorda. Depois, chegou a tocar bateria no Disco do t�nis (1972), de L� Borges, assinando nos cr�ditos apenas seu �ltimo nome: “De Jesus”. O mesmo aconteceu com sua participa��o no disco Milagre dos peixes (1973), de Milton Nascimento.

A reuni�o que selou a despedida de Sirlan do Clube da Esquina foi no Salum. E foi gra�as ao bar, ou melhor, � propriet�ria do estabelecimento, dona Cl�lia, que ele inscreveu Viva Zap�tria – executada v�rias vezes no botequim do Centro de BH – no festival. “Fui para um s�tio em Ita�na, mas a dona Cl�lia ficou buzinando na minha cabe�a. A� sai de Ita�na, gravei a m�sica, fiz a inscri��o e entreguei a ficha para ela”, detalha. A grava��o foi em um est�dio no Bairro Cai�ara, com os m�sicos Fl�vio Venturini e Vermelho. “Algum tempo depois, eu estava no s�tio e chega um carro no meio da noite. Era uma Veraneio da TV Globo para me levar para o Rio”, lembra Sirlan.

O FESTIVAL O 7º FIC teve 1.930 m�sicas inscritas e 30 foram selecionadas. A sele��o foi feita pelo maestro J�lo Medaglia, S�rgio Cabral (o jornalista e historiador, pai do governado do Rio de Janeiro), C�sar Camargo Mariano, D�cio Pignatari e Roberto Freire. A s�tima edi��o do FIC come�ou conturbada. O j�ri era presidido por Nara Le�o, mas a musa da bossa nova declarou em uma entrevista sua insatisfa��o com a censura imposta pelos militares. O j�ri foi deposto e o festival teve in�cio com um clima especialmente tenso, considerado por muito como o mais barra pesada dos festivais.

“A opress�o era muito grande. Os caras barravam qualquer coisinha. Eles estavam ali para dizer n�o. Havia muito pol�cia e eles (policiais) ficavam ofendendo os m�sicos. Quando fui entrar no palco pela primeira vez, eu levei umas porradas s� porque existia”, lembra Sirlan.

Quando foi defender a m�sica pela primeira vez, Sirlan lembra os olhares dos censores e dos porretes dos policiais. “Depois de levar uns cascudos, cheguei ao palco e tinha gente para caramba”, recorda. Como era um desconhecido, o que escutou foram vaias. Muitas vaias. A plateia estava l� para torcer pelos seus cantores prediletos e Sirlan n�o era nenhum deles.

“Baixou a luz e fiquei quietinho. Conferi a afina��o do viol�o, ajustei o microfone e o pessoal l� atr�s gritando: ‘Vai! � ao vivo!’. S� quando as vaias baixaram eu comecei. Foi aquele viol�o dedilhado e veio mais vaia. Por�m, quando entrou a letra deu um branco. Fiquei impressionado. Foi um sil�ncio s�. No fim, foi uma ova��o”, recorda.

Sirlan se apresentou com Beto Guedes no contrabaixo e Fl�vio Venturini no �rg�o. Os arranjos foram feitos por C�sar Camargo Mariano.  A m�sica foi classificada para a final e os vencedores do festival foram Maria Alcina, que defendeu a nada pol�tica Fio Maravilha, de Jorge Ben, e Di�logo, de Baden Powell e Paulo C�sar Pinheiro. Para satisfazer o p�blico, que queria a vit�ria de Viva Zap�tria, foi criado um pr�mio chamado men��o honrosa.

A REPRESS�O “Comecei a ter que ir ao Pal�cio do Catete (onde ficava a censura no Rio) quase toda semana”, recorda. A m�sica havia sido liberada para o festival, mas, com a repercuss�o, Sirlan n�o p�de grav�-la em um disco. Assim como n�o conseguia liberar nenhuma outra can��o com os censores. “Eu tinha um conjunto de m�sicas prontas. Era l�gico gravar um disco na sequ�ncia. Era esse o caminho natural. O festival nada mais � do que um momento de lan�amento. Aquele festival alcan�ava o Brasil inteiro e muitos pa�ses”, contextualiza Sirlan.

Sirlan tentou gravar m�sicas de outros autores, mas nem isso acalmou a f�ria repressiva dos censores. Ele destaca uma m�sica de Tavinho Moura e de Murilo Antunes em que havia o trecho: “Portenha Madre Nuestra canta o que ficou atr�s do Sol”. Sirlan ainda guarda a justificativa da censura, que cravou: “Portenha Madre Nuestra lembra o local onde surgiu o movimento de Fidel Castro (Sierra Maestra)”. Al�m disso, os censores argumentaram que “canta o que ficou atr�s do sol” era uma refer�ncia a “lembran�as do passado presente”. A press�o foi tamanha que Sirlan se emociona ao lembrar do conselho de sua m�e: “Ela disse algo que deve ser muito dif�cil para uma m�e: ‘Filho, sai do pa�s. Vai embora. Eles querem te pegar’”.

S� em 1977, com o in�cio do fim da ditadura, Sirlan conseguiu lan�ar o disco Profiss�o de f�. Por�m, o LP foi rotulado como uma obra fora do tempo. O extinto jornal O Pasquim escreveu assim � �poca, em uma mat�ria com o t�tulo “Castra��o, teu nome � Sirlan”: “N�o � culpa de Sirlan que seu LP onde reponta a brilhant�ssima Viva Zap�tria, censurada durante seis anos, tenha um sabor de fruta passada. E bem prov�vel, ali�s, que seus perseguidores se congratulem com isso, os mesmos que impediram que esse elep� tivesse sido lan�ado dentro de seu contexto hist�rico, h� sete anos, quando a voz comovida e pungente desse mineiro de Belo Horizonte emocionou as 30 mil pessoas que estiveram no Maracan�zinho e as centenas de milhares que o acompanharam pela televis�o”.

Sem o sucesso, que n�o veio, Sirlan se virou para sobreviver. Trabalhou com propaganda, fez jingles, comerciais, trabalhou em r�dio ou nas palavras dele: “Toco um monte de instrumentos para sobreviver”. Atualmente, leva a s�rio um antigo hobby e comercializa compotas e geleias que produz. “Eu tinha 21 anos e era cheio de g�s. Perdi uma oportunidade �mpar.”


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