Aos 33 anos, vi�vo, o imigrante haitiano Marco Comblonini acalenta um sonho: trazer os tr�s filhos de 4, 8 e 11 anos para o Brasil, onde tem emprego formal de pedreiro. Ganha R$ 1,2 mil e todos os meses separa a metade para enviar � irm� que cuida das crian�as. Sempre atuando na constru��o civil desde que desembarcou no Brasil, j� desempenhou fun��es de carpinteiro e de pintor. � ass�duo no trabalho, mant�m boas rela��es sociais, respeita hierarquias e teve adapta��o tranquila. Pesquisa in�dita com a combina��o de m�todos quantitativo e qualitativo, realizada entre julho e novembro de 2013, que tra�a o perfil da imigra��o haitiana ao Brasil, divulgada ontem pelos professores da PUC Minas Duval Fernandes e Maria da Consola��o Gomes de Castro e pelo representante da Organiza��o Internacional para as Migra��es (OIM) indica que, assim como Marco Comblonini, 30% dos imigrantes haitianos, no Brasil, s�o absorvidos pela constru��o civil.
Cerca de 70% dos haitianos que vivem no Brasil est�o em idade ativa, entre 18 e 50 anos, s�o homens, dividem a moradia com outros imigrantes e decidiram migrar por causa do caos e da falta de perspectiva profissional no pa�s caribenho, devastado por um terremoto, de 7 graus na escala Richter, em janeiro de 2010. Pouco mais de 40% dos imigrantes haitianos t�m escolaridade de n�vel m�dio completo ou incompleto. “A ideia de que a maioria deles seja analfabeta n�o � verdadeira, sendo muito pequeno o n�mero dos que n�o t�m nenhuma instru��o. Estamos ganhando com a presen�a deles aqui”, afirma Duval.
Segundo o professor Fernandes, a taxa de ocupa��o dos haitianos � maior do que a dos brasileiros. “Em geral essa � a regra entre imigrantes: fazem trabalhos que ningu�m quer. Em Porto Velho (RO), por exemplo, 70% dos empregados de uma empresa de coleta de lixo s�o haitianos”, assinala o professor. “A maior parte est� trabalhando em condi��es semelhantes � dos brasileiros”, acrescenta o professor. Assim � com Elson Charles, de 32, h� seis meses em Belo Horizonte. Ajudante de jardinagem, com um sal�rio de R$ 1 mil, acaba de conquistar no Departamento Estadual de Tr�nsito de Minas Gerais (Detran-MG) sua carteira de motorista. “Vou ser caminhoneiro”, diz o haitiano, que luta para aumentar seu sal�rio e oferecer uma condi��o de vida melhor para os tr�s filhos e a mulher que continuam no Haiti. “Um dia ainda vamos nos reunir”, espera ele.
Um pouco diferente � a trajet�ria de Jean Evens, de 33, h� dois anos vivendo em Contagem. Ele veio com a mulher e o filho menor de dois anos, deixando com a m�e, no Haiti, as duas filhas, de 3 e 12 anos. Trabalhou por um ano e sete meses em uma empresa de alimenta��o como carregador noturno: ganhava entre R$ 1,1 mil e R$ 1,3 mil. Mas h� poucos meses a empresa reduziu o quadro e Jean ficou desempregado. Est� agora trabalhando, em um “bico”, com carga e descarga em uma transportadora. “Quero ficar no Brasil, guardar dinheiro, construir uma casa e trazer as minhas filhas. Aluguel aqui � muito caro”, revela ele, que tem instru��o de n�vel m�dio e em seu pa�s trabalhava como seguran�a e pescador do pr�prio barco.
coiotes H�, no Brasil, cerca de 34 mil haitianos, segundo estimativa Duval Fernandes, que calcula 50 mil at� o fim deste ano. No conjunto do fluxo migrat�rio que chega ao pa�s, eles representam 10% do contingente – h� quatro anos eles n�o passavam de duas centenas, mas, no fim de 2011, somavam 4 mil. As estat�sticas fazem do Brasil o maior ponto do tr�fico de imigrantes haitianos da Am�rica do Sul: 75% passam pelo Equador, seguem para o Peru e ingressam no Brasil por Tabatinga e Brasileia, fazendo, na fronteira, o pedido de ref�gio. Apenas 5% deles tomam rotas distintas com passagem pela Argentina, Bol�via ou Chile antes de imigrar para o Brasil. Cerca de 20% saem do Haiti com vistos obtidos nos consulados e fazem escala no Panam�, antes de desembarcar nos aeroportos de Belo Horizonte, Bras�lia ou S�o Paulo.
“Eles demoram em m�dia 15 dias para chegar ao Brasil e gastam no trajeto cerca de US$ 2,9 mil”, explica o professor Fernandes, considerando ainda que as despesas podem ser mais altas e chegar a mais de US$ 5 mil. “Muitos s�o coptados por um poderoso esquema, que se vale de coiotes haitianos, que acenam com promessas de altos sal�rios. As casas s�o hipotecadas em troca de empr�stimos em esp�cie e do servi�o burocr�tico da viagem”, afirma o pesquisador. “� grande a vulnerabilidade desses 80% de imigrantes que entram no pa�s dessa forma, sobretudo pelo Peru”, acrescenta, lembrando que, ap�s o trajeto at� a fronteira brasileira, � longo o processo para a regulariza��o da situa��o migrat�ria: depois de solicitar o ref�gio, a abertura do processo leva � emiss�o de um protocolo que permite ao imigrante a obten��o de carteira de trabalho e CPF provis�rios.
Embora estejam em 286 cidades brasileiras, 75% dos haitianos est�o concentrados em S�o Paulo, em torno de 10% em Manaus e 7% – cerca de 3 mil – em Minas Gerais, sobretudo em Belo Horizonte e Esmeraldas e Contagem, ambas na Grande BH. “O Brasil n�o � mais o pa�s de imigra��o do in�cio do s�culo nem o pa�s da emigra��o dos anos 1980. Somos hoje um pa�s de imigra��o, emigra��o e tr�nsito, al�m dos brasileiros que retornam depois de viver muitos anos no exterior. A quest�o migrat�ria � atualmente muito maior do que foi no passado”, considera Duval Fernandes. Segundo ele, considerando a redu��o da taxa de natalidade no pa�s, em 2030, a popula��o brasileira come�ar� a encolher, e mais da metade das aposentadorias ser�o bancadas pela contribui��o dos imigrantes.