Xapuri - Maria Helena Ribeiro, de 43 anos, tentava consertar as fissuras nas paredes do forno � lenha, quando a reportagem chegou na casa de madeira na Reserva Extrativista Chico Mendes. Ela � filha, neta, irm� e mulher de seringueiros. Hoje, ningu�m mais trabalha no seringal. A fam�lia foi uma das primeiras cadastradas pelo Bolsa Fam�lia dentro da reserva. Ela tamb�m recebe um sal�rio m�nimo de ajuda do governo federal para criar o filho ca�ula, deficiente f�sico.
Apesar das dificuldades existentes, Maria Helena diz que a vida melhorou. "O seringal foi enxergado. Quando eu era crian�a, a gente era tratada feito bicho, a casa era de palha e eu acendia o leite da seringueira, porque n�o tinha querosene. Eu j� tinha 30 anos quando fui para a escola, hoje meus filhos estudam. De meus 12 irm�os, 4 morreram doentes. Era assim, n�o tinha como comprar rem�dio."
O principal motivo da melhora, ela diz, � a ajuda do governo federal. Maria Helena aguarda por mais um benef�cio: o Bolsa Verde, parte do Brasil Sem Mis�ria, para fam�lias que desenvolvem atividades de conserva��o.
"Caminhei muito com Marina Silva, mas nela n�o voto porque ela fez erro grande em se afastar da gente. Ela saiu do PT sem dar explica��o para ningu�m aqui. E, voc� sabe, o partido aqui no Acre surgiu da nossa luta, da luta dos seringueiros. Desde que me conhe�o por gente, eu voto no PT. N�o conhe�o bem os projetos da Marina, porque aqui a gente n�o tem televis�o, mas sei que foi no governo petista que minha vida melhorou muito."
Estimativa
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, fundado pelo ambientalista e l�der sindical Chico Mendes, com quem Marina ingressou no ativismo pol�tico, pelo menos 70% dos cerca de 3 mil associados recebem o Bolsa Fam�lia.
No Cadastro �nico, do Minist�rio do Desenvolvimento Social e Combate � Fome, n�o h� informa��o sobre benefici�rios por profiss�o. Mas um levantamento feito pelo Estado com dados dos seis munic�pios que a Reserva Extrativista Chico Mendes ocupa - Assis Brasil, Brasil�ia, Capixaba, Xapuri, Sena Madureira e Rio Branco - mostra que, � exce��o da capital, da qual a reserva s� ocupa as rebarbas, 68% da popula��o da regi�o, em m�dia, vive com renda familiar de at� R$ 140 por m�s, o que lhes d� o direito ao Bolsa Fam�lia, e a metade da popula��o j� recebe o benef�cio. � o dobro da m�dia nacional.
Brasileia, o primeiro a ter um sindicato dos trabalhadores rurais, em 1976, dando in�cio ao movimento dos seringueiros no qual Marina faria nome, tem 71% da popula��o no Cadastro �nico, 62% vivem hoje com menos de R$ 140 por m�s e 51% dependem do Bolsa Fam�lia. Em Capixaba, munic�pio onde a casa que Marina nasceu, no Seringal do Baga�o, estava localizada (a casa n�o existe mais), tem 78% dos moradores no Cadastro �nico, 62% est�o aptos ao Bolsa Fam�lia e 45% da popula��o j� recebe o benef�cio. O restante aguarda a ajuda, que n�o chega por falta de documenta��o, embora se encaixem no perfil de beneficiados.
"Isso serve para manter o voto de cabresto para fazer com que os trabalhadores fiquem dependentes dos pol�ticos. Se quisessem mesmo ajudar, colocavam o valor da bolsa embutido na borracha e na castanha", diz o presidente do sindicato, Jos� Alves, filho de seringueiros que lutaram ao lado de Marina.
Alves a conheceu quando era menino e dela guarda a imagem de "uma mulher simples, mas de fibra". Apesar do tom carinhoso, diz que n�o votar� nela nem no PT. "Ela j� disse que vai manter a pol�tica que est� a�, o Bolsa Fam�lia... Nenhum deles tem planos para a gente do seringal. Eles s� est�o preocupados com os grandes neg�cios e votos."
Propaganda
Xapuri fica a 192 km de Rio Branco. Por todo o trajeto, o pasto � a �nica paisagem e em cada port�o de fazenda de gado nelore se v� a propaganda de um candidato. Nos 12 km esburacados da Estrada da Borracha, que liga a BR-364 � cidade, percebe-se a predomin�ncia da propaganda eleitoral do PT.
Nos cortes estreitos de terra batida, os chamados ramais no meio da mata, h� cartazes com a foto dos candidatos petistas � reelei��o, a presidente Dilma Rousseff e o governo do Acre, Ti�o Viana, pendurados em �rvores e cercas.
No km 6 da Estrada da Borracha, na beira da pista, fica a f�brica de preservativos masculinos Natex, �nica compradora do leite da borracha extra�do pelos seringueiros. A f�brica estoca a produ��o, porque o leite s� � tirado da madeira no per�odo de seca - no m�ximo, cinco meses ao ano. No restante do tempo, o seringueiro fica sem renda.
'N�o d�'
Nascida e criada no Seringal do Recanto, Maria C�lia Silva e Silva, de 32 anos, diz que hoje sustenta os quatro filhos, com idades entre 2 e 12 anos, "gra�as ao Bolsa Fam�lia" - recebe R$ 390 por m�s. Ela e o marido ainda tiram leite das seringueiras, mas isso n�o � suficiente.
A produ��o � de quatro bombas (30 litros cada) por quinzena, vendidos a R$ 110. A castanha d� R$ 500 - por ano. "O dinheiro n�o d�", diz Maria. Ela viajou 38 km para fora da reserva, em busca de um m�dico para o filho, que sofre de bronquite e asma. A escola fica a 10 km de onde vivem.
Estes s�o os privilegiados, porque moram a apenas 1 km do ponto de recolhimento - onde a f�brica recolhe a produ��o do seringal. "A reserva Chico Mendes tem 70 km de ponta a ponta e s� no ramal central passa carro. Muitos produtores vivem a 20, 30 km pra dentro da mata e n�o conseguem escoar a produ��o. No tempo do meu pai, embora o patr�o pagasse um absurdo, pelo menos passava de casa em casa. Al�m disso, de l� para c� o pre�o da borracha despencou", diz o sindicalista Jos� Alves.
"As fam�lias que vivem na Reserva Extrativista Chico Mendes hoje dependem do Bolsa Fam�lia", afirma o professor Elder Andrade, da Universidade Federal do Acre. “No seringal Cachoeira, praticamente todas recebem o benef�cio e l� essa pol�tica tem 10 anos. Como podem dizer que � sustent�vel?”, diz o professor, que militou com Marina e foi do PT at� 1996. "S�o a mesma coisa. Defendem a explora��o dos seringais, agora com apoio filantropo de programas como Bolsa Fam�lia. Isso n�o tem nada a ver com o sonho de Chico Mendes."