S�o Paulo, 16 - O sistema policial brasileiro ainda � um entrave para o avan�o dos direitos humanos. Essa � uma das principais indica��es do relat�rio Direitos Humanos no Brasil 2014, que acaba de ser lan�ado em S�o Paulo e no Rio.
V�rios textos inclu�dos no relat�rio apontam o despreparo e, frequentemente, trucul�ncia da pol�cia diante de movimentos sociais, no trato com os pobres da periferia, nas rela��es com os negros, especialmente os jovens, e diante das den�ncias de viol�ncia de g�nero.
Em sua 14� edi��o, o relat�rio, editado pela Rede Social de Direitos Humanos, n�o resulta de uma pesquisa exclusiva sobre o tema. Trata-se de uma colet�nea de artigos de especialistas, com reflex�es e an�lises em diferentes �reas.
A edi��o deste ano conta com 25 textos. Desse conjunto, sete abordam temas agr�rios. Tratam das demarca��es (ou falta de demarca��es) de terras ind�genas e de remanescentes de quilombos, de movimentos pela reforma agr�ria, expans�o da monocultura, especula��o imobili�ria e concentra��o da propriedade rural, contamina��o dos recursos h�dricos pelo uso exagerado de agrot�xicos, entre outros assuntos.
Segundo a antrop�loga Cristiane Passos, assessora da Comiss�o Pastoral da Terra (CPT), � indiscut�vel a exist�ncia de um quadro de graves conflitos na zona rural, que tende a agravar-se, em decorr�ncia, sobretudo, da impunidade. Diz ela em seu artigo: �A impunidade e a inoper�ncia dos �rg�os respons�veis por resolver os conflitos no campo, regularizar os territ�rios e realizar uma plena reforma agr�ria, s�o os ingredientes mantenedores da viol�ncia, explora��o e morte dos povos do campo.�
Estat�sticas da CPT citadas no relat�rio informam que os conflitos no campo resultaram em 25 mortes entre janeiro e setembro de 2014. No mesmo per�odo do ano passado haviam sido registradas 23 mortes. As principais v�timas s�o lideran�as dos movimentos sociais.
Ao analisar a situa��o do Maranh�o, o Estado que registrou o maior n�mero de v�timas, a antrop�loga observa que a pol�cia raramente classifica essas mortes como resultado de conflitos fundi�rios. A tend�ncia � registr�-las como brigas de vizinhos, latroc�nios, entre outros motivos. Paralelamente, os boletins de ocorr�ncia com registros de amea�as costumam ser ignorados pelas autoridades policiais.
Mulheres
A situa��o nas �reas urbanas n�o � muito diferente. Em outro artigo, sobre a inseguran�a existente nas cidades para as mulheres, as pesquisadoras Ana Paula Lopes Ferreira, Jessica Barbosa e Gabriela �ngelo Pinto observam um fen�meno semelhante nos casos de viol�ncia de g�nero.
Ao analisarem uma s�rie de pesquisas feitas pela organiza��o Action Aid em tr�s comunidades da regi�o metropolitana de Recife, eles anotaram o seguinte: �Nas delegacias brasileiras, fruto de uma sociedade machista, existe o despreparo da pol�cia no combate � viol�ncia de g�nero. S�o frequentes os relatos de mulheres que procuram delegacias e s�o desestimuladas pelos policiais a prestar queixa contra seu agressor. Alguns delegados colocam as mulheres em situa��o de viol�ncia como r� da pr�pria viol�ncia sofrida.�
Desmilitariza��o
A quest�o policial, dessa vez mais voltada para a Pol�cia Militar, tamb�m aparece com destaque no artigo da colet�nea que trata do aumento do n�mero de assassinatos no meio da popula��o jovem. Um aumento que impressiona, segundo as estat�sticas citadas: a taxa de homic�dios nessa popula��o cresceu 305% entre 1980 e 2012, registrando-se 56.337 mortes apenas no ano de 2012.
O autor do artigo, o soci�logo Eduardo Alves diz que uma das principais a��es para mudar esse quadro � mudar a Pol�cia Militar. Diz o texto: �Algumas a��es fundamentais precisam ser assumidas pelo Estado no Brasil. A primeira diz respeito � desmilitariza��o da pol�cia, bem como a constru��o de uma vis�o de seguran�a p�blica.�
Transexual
O despreparo da pol�cia e a forma como trava o avan�o dos direitos humanos foi enfatizada ainda no artigo do advogado Eduardo Piza Gomes de Mello, especialista em direito p�blico e membro do Instituto Edson Neris, sobre a quest�o das minorias sexuais.
A partir de um caso espec�fico, o relato das persegui��es sofridas por uma transexual ao longo de cinco anos, ele deixa exposto o que chama de �inefici�ncia do aparato policial� na apura��o de casos de viol�ncia que envolvem transexuais, travestis, gays e l�sbicas.
De acordo com o relato, a transexual come�ou a registrar queixas na pol�cia civil em 2008, quando, segundo suas informa��es, os vizinhos passaram a agredi-la. Foram quatro boletins de ocorr�ncia, at� que, em 2013, uma bomba caseira atirada pela janela explodiu em seu quarto. Os estilha�os atingiram o seu olho esquerdo, provocando a perda permanente da vis�o.
Oito meses ap�s aquele atentado, a pol�cia encerrou o inqu�rito sem apontar nenhum culpado. O Minist�rio P�blico, por�m, determinou novas dilig�ncias.
Para o autor do artigo, a falta de uma legisla��o espec�fica sobre criminaliza��o de homofobia, reivindicada pelos defensores de direitos humanos, foi totalmente irrelevante nesse caso. �Nem a lei penal geral chegou a ser observada no caso dessa cidad�, como se n�o tivesse os mesmos direitos que outros cidad�os brasileiros�, escreveu.
Mello afirma que parte dos problemas poderiam ser resolvidos se houvesse mais fiscaliza��o dos �rg�os de Estado aos quais as delegacias s�o subordinadas.
Recomenda��o
A quest�o das a��es da pol�cia brasileira, que passou por transforma��es no per�odo da ditadura militar, para adequ�-la melhor � repress�o pol�tica, tem sido frequente no debate dos direitos humanos no Pa�s. Ela apareceu com destaque nas 29 recomenda��es feitas pela Comiss�o Nacional da Verdade para que o Brasil possa avan�ar na consolida��o da democracia e dos direitos humanos. Entre outras coisas, a comiss�o recomendou a desmilitariza��o da PM.