No pa�s em que sete em cada 10 homens j� se declararam infi�is e metade das mulheres assumiram j� ter pulado a cerca – segundo pesquisa de 2010 da empresa latino-americana Tendencias Digitales –, a (o) amante est� prestes a deixar o limbo jur�dico e adquirir direitos iguais aos dos titulares. E t�o pol�mica quanto a discuss�o da trai��o no Brasil s�o as 135 p�ginas do Projeto de Lei 470/13, que altera o C�digo Civil brasileiro e cria o Estatuto das Fam�lias. E � assim mesmo, no plural. O texto, apresentado no final de 2013 pela senadora L�dice da Mata (PSB-BA), traz novas concep��es para a tradicional fam�lia brasileira, incluindo nesse rol as chamadas rela��es extraconjugais.
O texto est� parado na Comiss�o de Direitos Humanos (CDH) do Senado desde 26 de agosto do ano passado, e de l� n�o deve sair t�o cedo. A expectativa � de que neste primeiro semestre do ano sejam realizadas v�rias audi�ncias p�blicas para debater o projeto. “At� agora, o que se est� discutindo � se o projeto est� legalizando a amante. Mas � claro que n�o � isso, a poligamia � conden�vel no Brasil. O que o projeto pretende � garantir aos filhos fora do casamento os mesmos direitos dos outros”, resume a senadora L�dice da Mata.
O principal ponto de disc�rdia � o artigo 14 do projeto, que trata do dever rec�proco de “assist�ncia, amparo material e moral” entre os integrantes de uma entidade familiar. O par�grafo �nico do artigo inclui nessa obriga��o quem for casado, aquele que viva em uni�o est�vel e ainda quem constituir “relacionamento familiar paralelo com outra pessoa”. Foi o bastante para gerar uma verdadeira guerra e troca de acusa��es entre juristas de todo o pa�s.
Em agosto, assim que o senador Jo�o Capiberibe (PSB-AP) apresentou � CDH do Senado o parecer favor�vel � aprova��o do projeto na �ntegra, a Uni�o dos Juristas Cat�licos de S�o Paulo (Ujucasp) e a Associa��o de Direito de Fam�lia e das Sucess�es (Adfas) assinaram uma nota conjunta em que repudiam o projeto. O texto foi encaminhado aos senadores e publicado no site da Ujucasp e diz que a proposta quer “institucionalizar a poligamia” no Brasil ao al�ar as rela��es extraconjugais “ao patamar de entidades familiares”.
“Ora, tudo pela felicidade individualista, ego�sta, perversa, que passa como um trator sobre os anseios da sociedade e sobre os valores da fam�lia brasileira, que quer atender aos desejos de poucos, sem qualquer representatividade da maioria”, afirmam os representantes das duas entidades em outro trecho do documento. “Desde quando � anseio social no Brasil que as rela��es conjugais ou de uni�o est�vel admitam rela��es paralelas, ou seja, a mancebia? V�-se, facilmente, que esse PL distorce o pensamento social e quer enfiar ‘goela abaixo’ de nosso ordenamento legal a poligamia”, continua o texto. Os presidentes da Ujucasp e Adfas, Ives Gandra Martins e Regina Beatriz Tavares, respectivamente, foram procurados pela reportagem, mas n�o retornaram as liga��es.
Defesa Em novembro, coube ao Instituto Brasileiro de Direito da Fam�lia (IBDFAM) lan�ar o seu manifesto de apoio ao Projeto de Lei 470/13. “Acusam o Estatuto das Fam�lias tamb�m de defender as amantes. Muito pelo contr�rio. O Estatuto das Fam�lias nasce para responsabilizar todos aqueles que mant�m fam�lias paralelas”, diz o texto. A entidade argumenta ainda que, hoje, os cidad�os que mant�m fam�lias fora do casamento n�o s�o responsabilizados pelos seus atos, especialmente no que diz respeito aos filhos. Prova disso, segundo o IBDFAM, � que existem atualmente cerca de 5 milh�es de crian�as em todo o pa�s sem o nome do pai no registro de nascimento.
Para a vice-presidente do IBDFAM, Maria Berenice Dias, o argumento de que o Estatuto das Fam�lias legaliza as amantes serve apenas para “desestabilizar” a nova legisla��o. “O estatuto n�o confere direito �s amantes, que � um relacionamento clandestino. Apenas gera responsabilidades para quem tem um relacionamento paralelo. A lei est� sendo deturpada por um discurso conservador e panflet�rio”, pondera ela, que � ex-desembargadora do Tribunal de Justi�a do Rio Grande do Sul – famoso pelas decis�es pioneiras sobre temas pol�micos.
Maria Berenice Dias ressalta ainda que a legisla��o s� ser� aplicada para os casos extraconjugais em que forem comprovadas as tr�s caracter�sticas que configuram uma uni�o est�vel: publicidade, ostensividade e durabilidade. Um exemplo citado pela advogada � o de uma cliente que viveu um relacionamento de 48 anos com um militar casado. “Toda vez que ele se mudava de cidade, ela ia tamb�m, ela n�o podia nem trabalhar. Nesse caso, a outra n�o � simplesmente uma amante”, pondera. Ela bem que tentou na Justi�a dividir a pens�o previdenci�ria com a “titular”. O resultado da a��o? N�o teve direito a nada. Mas o resultado poderia ser diferente se o Estatuto das Fam�lias j� estivesse em vigor.
O que diz a lei
O embate gira em torno do artigo 14, do PLS 470/13, que diz:
As pessoas integrantes da entidade familiar t�m o dever rec�proco de assist�ncia, amparo material e moral,
sendo obrigadas a concorrer,
na propor��o de suas condi��es financeiras e econ�micas,
para a manuten��o da fam�lia.
Par�grafo �nico – A pessoa casada, ou que viva em uni�o est�vel, e que constitua relacionamento familiar paralelo com outra pessoa, � respons�vel pelos mesmos deveres referidos neste artigo, e, se for o caso, por danos materiais e morais.