Rio, 11 - Reunidos na noite de domingo na Assembleia de Deus de Madureira, zona norte do Rio, fi�is vestiam roupa de festa para o culto de agradecimento a Deus pela elei��o de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de 56 anos, � presid�ncia da C�mara. Por mais de duas horas, cantaram, oraram e ouviram discursos de v�rios pol�ticos. No ambiente de devo��o e comemora��o, houve espa�o para ironia com o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), defensor dos direitos dos homossexuais e visto com resist�ncia entre os evang�licos.
"Houve uma falha grave, esquecemos de convidar o Jean Wyllys para estar aqui. Ele foi uma das pessoas que ficaram mais felizes com a elei��o do Eduardo", disse o deputado estadual F�bio Silva (PMDB). Os fi�is riram. O presidente da C�mara evitou achar gra�a e olhou em volta.
"Voc�s t�m imunidade parlamentar, eu n�o tenho", brincou o presidente da Igreja Assembleia de Deus em Madureira, pastor Abner Ferreira, com os pol�ticos que ocupavam lugar de destaque no templo. "O deputado Jean Wyllys tem nosso respeito, mas a brincadeira foi v�lida."
F�bio Silva � filho do empres�rio e ex-deputado Francisco Silva, respons�vel pela entrada de Cunha no mundo evang�lico, h� 20 anos. Pelas m�os de Silva, dono da r�dio evang�lica Melodia, ele passou a frequentar cultos e ingressou na Igreja Sara Nossa Terra. No domingo, o peemedebista confirmou a troca pela Assembleia de Deus em Madureira, maior e mais influente.
A amizade com Silva come�ou quando Cunha, economista de forma��o, presidia a antiga Telerj, para a qual foi indicado por Paulo Cesar Farias ap�s trabalhar na campanha de Fernando Collor para presidente, em 1989. Cunha descobriu uma falha no registro da candidatura de Silvio Santos, o que tirou o empres�rio na disputa e beneficiou Fernando Collor.
Com a revela��o do esquema de corrup��o comandado por PC Farias e o impeachment de Collor, Cunha deixou a estatal em 1993. Foi trabalhar na bolsa e, em 1995, passou a colaborar com a r�dio Melodia. Quatro anos depois, o ent�o governador Anthony Garotinho (ent�o no PDT, hoje no PR) o nomeou � presid�ncia da Companhia Estadual de Habita��o (Cehab).
Cunha deixou o cargo em 2000, ap�s den�ncias de irregularidades em licita��es. Os processos abertos no Tribunal de Contas do Estado (TCE) foram arquivados em 2004 e reabertos em 2012, porque a Justi�a do Rio apontou fraude na assinatura de documentos que inocentavam Cunha. O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que inocentou Cunha em agosto.
O trabalho no governo e a religi�o evang�lica fizeram de Cunha um dos principais articuladores de Garotinho. O ex-governador levou Cunha para o PMDB e, mesmo ap�s deixar o partido, continuou pr�ximo do deputado. Por indica��o de Cunha, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde, aliado de Garotinho, foi nomeado presidente de Furnas Centrais El�tricas.
Os amigos romperam em 2010 e Garotinho � hoje um dos maiores desafetos de Cunha. Na disputa da C�mara, a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), filha do ex-governador, fez campanha para o petista Arlindo Chinaglia (SP) com ataques ao antigo aliado. "Eduardo Cunha � o ‘chantageador-geral’ de Rep�blica", disse Clarissa em um almo�o de apoio a Chinaglia no Rio.
'Afinal de contas'
A amizade de Cunha com Francisco Silva se mant�m e o deputado faz inser��es di�rias na Melodia, sempre encerradas com o bord�o "afinal de contas, o povo merece respeito", repetido na noite de domingo por v�rios oradores que exaltavam a vit�ria de Cunha.
"Pela primeira vez um deputado que n�o tem vergonha de dizer que honra a Deus assume a presid�ncia da C�mara", comemorou o pastor Everaldo Pereira (PSC), quinto colocado na disputa presidencial em 2014. A influ�ncia de Cunha em v�rios partidos estava expressa nos pol�ticos presentes ao culto, filiados a seis legendas - PMDB, PSD, PSC, PRP, PR e PP. Tamb�m estava l� Jair Bolsonaro (PP-RJ), o mais votado do Rio, com 464,5 mil eleitores. "Voc� est� em campo minado, mas, com Deus e os amigos, vencer� os obst�culos", disse Bolsonaro.
Cunha consolidou a influ�ncia na C�mara em 2013, ao ser eleito l�der do PMDB. Na ocasi�o, formou o "bloc�o", que deu dores de cabe�a � presidente Dilma Rousseff em vota��es de interesse do governo.
O peemedebista n�o se incomoda de ser chamado de pedra no sapato de Dilma. Insiste que n�o age em causa pr�pria, mas em benef�cio do Parlamento. Na �ltima quinta-feira, Cunha esteve com a presidente no Pal�cio do Planalto em uma reuni�o "para quebrar o gelo". Horas antes, tinha instalado a CPI da Petrobras, que voltar� a investigar o esquema de corrup��o na estatal. Mas decidiu segurar, pelo menos por ora, outra CPI inc�moda ao governo, a do sistema el�trico. "Vai ficar na fila."
Fi�is
Com bom tr�nsito entre grandes empres�rios, Cunha consegue recursos n�o s� para sua campanha, mas para candidatos menos conhecidos, seus fi�is aliados, de diferentes partidos e quase todos evang�licos. A retribui��o veio na campanha pela presid�ncia da C�mara. Parlamentares e l�deres evang�licos montaram uma rede de apoio a Cunha. "O Satan�s teve que recolher cada uma das ferramentas preparadas contra n�s. Nosso irm�o em Cristo � o terceiro homem mais importante da Rep�blica", disse o pastor Abner Ferreira.
Na campanha pela presid�ncia da C�mara, Cunha deu aten��o especial aos novatos. Tr�s estavam no culto de domingo. "Chego � C�mara em um momento hist�rico. Fizemos um pouco para contribuir com essa vit�ria e agrade�o a Deus pela sua elei��o", disse S�stenes Cavalcante (PSD-RJ).
Cunha faz os colegas pouco expressivos se sentirem prestigiados, como na comemora��o pela elei��o na C�mara. O baixo clero era maioria na festa do dia 1.º e o deputado fez quest�o de brindar e conversar com todos. Dez pequenos partidos que declararam apoio a Cunha deram cerca de 65 dos 267 votos obtidos pelo peemedebista, que contou com dissid�ncias em outras legendas e com os evang�licos.
Em discurso no culto, Cunha disse que, sem eles, n�o teria chegado aos 232,7 mil votos obtidos - terceira maior vota��o no Estado. Na primeira elei��o para a C�mara, em 2002, teve 101 mil votos. Em 1998, tinha ficado como suplente de deputado estadual, com 15,6 mil votos.
Em 2014, Cunha faz campanha centrada na defesa da fam�lia e contra o aborto e o casamento gay. Com patrim�nio declarado de R$ 1,6 milh�o, arrecadou R$ 6,8 milh�es para a campanha. Os bancos Bradesco, Santander e BTG Pactual, a rede de shoppings Iguatemi e a L�der T�xi A�reo est�o entre os maiores doadores.
Aos fi�is, Cunha contou epis�dios da disputa na C�mara e reclamou da atua��o do governo em favor de Chinaglia (Mais informa��es nesta p�gina). "N�o dava para acreditar na press�o que eles fizeram. Mas tenho repetido todo esse tempo: ‘Se Deus � por n�s, quem ser� contra n�s?’"
Depois do culto, o deputado posou para fotos e conversou com os fi�is. Voltou para casa, na Barra da Tijuca, zona oeste, depois das 21h. Casado com a jornalista Cl�udia Cruz e pai de quatro filhos, Cunha passou o fim de semana com a fam�lia. A presen�a permanente de agentes da Pol�cia Legislativa da C�mara, respons�vel pela escolta dos presidentes da Casa, mostra a �nica "perda" at� agora lamentada por Cunha. "Perdi a privacidade."