
Quase tr�s anos depois de deixar o Supremo Tribunal Federal (STF) e de ter comandado o mensal�o, o maior julgamento da hist�ria recente do pa�s, o ministro aposentado Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto est� cada vez mais atento ao cen�rio pol�tico brasileiro. O volume de trabalho � o mesmo da �poca da Corte, cerca de 12 horas di�rias. No seu escrit�rio em Bras�lia, voltou a exercer a profiss�o depois da aposentadoria do STF, em 2012. “Sou muito de virar a p�gina, de viver intensamente cada instante. Sou de fazer do breve o intenso. Ent�o, os 10 anos que vivi ali foram vividos intensamente. Quando sa�, continuei sendo essa pessoa que faz de cada instante uma imensid�o de possibilidades.” Ao longo de quase duas horas de entrevista, Ayres Britto passou boa parte analisando a atual situa��o da presidente Dilma Rousseff: “Ela j� n�o re�ne nenhuma das tr�s qualidades de um presidente”. Mas, antes de tudo, se mostrou um otimista com o Brasil. O motivo para tamanha esperan�a est� na Constitui��o. A seguir, os principais trechos da entrevista.Como o senhor a cena pol�tica? Tenho experimentado um misto de desalento e de alento. O desalento � perceber que a corrup��o no Brasil � sist�mica, � at�vica, � impressionante. A gente percebe que o principal ponto de fragilidade estrutural do pa�s � a corrup��o.
E qual � o motivo de alento?
� que a Constitui��o combate a corrup��o. No artigo 37, est� dito: atos de improbidade administrativa importar�o perda da fun��o p�blica. Suspens�o dos direitos pol�ticos, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao er�rio. Melhor imposs�vel. A Constitui��o joga duro com a corrup��o.
Como sair desta crise?
Escrevi um artigo intitulado “Deus salve a rainha ou salve-se quem puder”. A rainha � a Constitui��o. Estamos em crise, crise econ�mica, crise pol�tica, � verdade. � uma crise de exist�ncia coletiva. Mas n�o � uma exist�ncia de crise. Para resolver, � s� voc� n�o sair do esquadrio da Constitui��o. A Constitui��o cont�m todos os ant�dotos que nos permitem sair da crise. A Constitui��o pegou as institui��es criadas por ela, penso no Parlamento, no Executivo, no Minist�rio P�blico, e dividiu em dois blocos. Primeiro, o bloco das institui��es que governam, o Executivo e o Legislativo, que s�o poderes eminentemente pol�ticos da Rep�blica, eleitos pelo povo. E o outro bloco � das institui��es que impedem o desgoverno, a pol�cia, o MP, os tribunais de Contas e o Judici�rio. Enquanto essas institui��es impeditivas de desgoverno funcionarem, a vaca n�o vai para o brejo. E de fato, mais e mais o segundo bloco funciona bem.
Se a Constitui��o � a rainha e, pelo que o senhor fala, salva, a presidente Dilma se salva?
A� � que est�. A presidente � figura central, � chefe do Poder Executivo. Aqui no Brasil � o seguinte: o Poder Executivo � muito forte porque o titular tem tr�s chefias. Exige-se que o presidente seja um estadista, um governante e um administrador. Quando falha nas tr�s, a coisa fica delicada. E parece que � a situa��o da Dilma. J� n�o se reconhece nela nenhuma das tr�s qualidades. O desafio dela � se reinventar.
O que ela n�o est� fazendo...
Ela n�o est� conseguindo fazer, eu concordo. Mas, se ela n�o recupera o prest�gio, decai da confian�a do povo quanto �s tr�s exig�ncias jur�dicas para o titular do Poder Executivo: boa gerente, boa chefe de governo e uma estadista. A� v�m as outras sa�das igualmente constitucionais. Quais seriam? Ren�ncia, impeachment? Sim. Acho que s� cabe impeachment para os atos apurados no curso do mandato atual. O cargo � o mesmo, mas os mandatos s�o dois. Duas elei��es, duas diploma��es. Duas posses, dois exerc�cios. Ent�o, ela s� reponde por crime de responsabilidade, ensejador do impeachment, se ela cometer um daqueles crimes arrolados pelo artigo 85 no atual mandato. Mas ela est� blindada? N�o. Voc� tem a inst�ncia penal, a inst�ncia eleitoral e est� com tr�s processos na Justi�a Eleitoral, tem a inst�ncia de contas.
Mas ela est� com processo eleitoral por causa da campanha...
Mas n�o � crime de responsabilidade. � crime eleitoral. � preciso entender o seguinte: os crimes de responsabilidade, ali no artigo 85, s�o tamb�m comuns, s�o eleitorais, s�o infra��es de contas, s�o infra��es civis. Por exemplo, improbidade administrativa, as inst�ncias n�o se confundem. A Constitui��o aperta o cerco contra o governante infrator. Voc� tem a inst�ncia pol�tica, que � o impeachment, voc� tem a inst�ncia de contas, que � o TCU, voc� tem a inst�ncia penal, que � o Supremo Tribunal Federal. Voc� tem a inst�ncia civil, por exemplo, improbidade administrativa. Ent�o, quando a gente diz que ela est� livre do impeachment por atos praticados no primeiro mandato, as pessoas dizem: “Ent�o, voc� est� blindando a presidente”. N�o confunda as coisas. Quanto a crimes de responsabilidade, ela s� responde pelo que praticar no atual mandato. � por isso que a Constitui��o diz assim: artigo 85, s�o crimes de responsabilidade atos do presidente da Rep�blica que atentem contra. N�o � que atentaram.
Se ela perder o cargo ser� pelo Poder Judici�rio?
Exato, pelo Poder Judici�rio.
O Congresso n�o tem essa for�a?
Somente se ela cometeu crime de responsabilidade no exerc�cio do mandato. Ao que se sabe, ela n�o ocorreu nesses seis meses em crime de responsabilidade. Agora, ela est� sujeita �s outras inst�ncias de julgamento. A� viria outra sa�da que est� se cogitando. Seria o parlamentarismo. Cabe a institui��o do parlamentarismo?
E o debate sobre parlamentarismo, com um Congresso atolado at� o pesco�o em corrup��o?
A� � preciso, como sempre, muita cautela. Vamos evitar precipita��es. Via plebiscito parece que n�o seria poss�vel. Quando a Constitui��o, nas disposi��es transit�rias, disse que dentro de cinco anos haveria um plebiscito para o povo decidir sobre a forma de governo, Rep�blica ou Monarquia, e sobre o sistema de governo, presidencialismo ou parlamentarismo, tudo faz crer, em uma an�lise fria e cient�fica, que aquele ato suspendeu a cl�usula p�trea da Rep�blica e do presidencialismo. Foi uma vez s� que se deu ao povo a oportunidade de falar sobre esse tema. Via plebiscito ent�o n�o pode. E via emenda � Constitui��o? Se for cl�usula p�trea, tamb�m n�o.
Qual � a sa�da?
A� a ren�ncia que se apresentaria. Mas se ela n�o quiser renunciar, n�o pode ser for�ada.
A� ser�o tr�s anos sangrando?
Ser�o tr�s anos de agonia. A menos que outra sa�da apare�a. O brasileiro � muito inventivo. O povo brasileiro tem essa capacidade impressionante.
Pode haver uni�o de for�as antag�nicas para segurar esse sangramento?
Acredito que sim. Quando se compreende que todos est�o no mesmo barco, se ningu�m tentar ajudar os timoneiros, o barco naufraga. A n�o ser o espa�o do fisiologismo, do salvacionismo, do golpe.
Esse pacto tamb�m pode ser ao contr�rio, para tentar ver se a presidente sai, n�o?
Quando a coletividade sente que � hora de fazer destino come�a a raciocinar na linha do que disse o presidente Kennedy, em seu discurso de posse, em plena guerra fria. Ele disse: “Esse momento n�o � de perguntar o que os EUA podem fazer por ele. Cada cidad�o tem que perguntar o que pode fazer pelos EUA”. Acho que esse momento chegou. O momento � de cada um perguntar o que pode fazer pelo Brasil.
O Congresso n�o ajuda muito...
Essa hora vai chegar.
Com o Eduardo Cunha?
N�o quero dizer com o Cunha… Olha, eu dirijo aqui em Bras�lia um instituto, que funciona no UniCeub, a� convidei (o vice-presidente) Michel (Temer) para fazer um discurso. � confortador saber que o vice-presidente da Rep�blica � um constitucionalista dos bons, � um homem sereno, sensato. Ele tem condi��es de ser o ponto de aglutina��o das for�as pol�ticas, nesse momento de consenso necess�rio. Mas, para esse consenso, � preciso seguir pautas objetivas. E o roteiro desse filme � a Constitui��o.
Os cr�ticos do MP e da PF dizem que h� certo exagero nas pris�es da Lava-Jato. O que acha?
Antes, vou voltar ao tema da AP 470 (mensal�o). Aquilo foi um marco, uma virada de p�gina pol�tica e penal. Pela primeira vez, o procurador-geral de ent�o, Ant�nio Fernando, seguido por Roberto Gurgel e pelo atual, isso n�o � pouco n�o. Tr�s procuradores-gerais afinad�ssimos em operacionaliza��o, em concep��o das coisas. Ant�nio Fernando denunciou 40 pessoas, todas situadas nos patamares mais elevados da pir�mide social, at� banqueiros, 25 foram condenados e presos. O STF fez uma viagem de seriedade t�cnica, de qualidade t�cnica, sem volta, inspirando pessoas como Moro. S�rgio Moro n�o � de gera��o espont�nea, isso vem num crescendo, num processo.
O que acha do instrumento da dela��o premiada?
O instituto � v�lido, desde que respeitados os direitos e garantias constitucionais dos r�us. E me parece, pelo que sei de S�rgio Moro, que ele est� agindo nos marcos do Estado de direito.
Quais impactos a Opera��o Lava-Jato ter� na sociedade?
Fernando Sabino diz: “� preciso fazer da queda um passo de dan�a”. E, na vida da gente, quantas vezes em situa��o de crise a gente fez da queda um passo de dan�a? A coletividade tamb�m sabe fazer isso, daqui a alguns anos vamos olhar para isso e entender que o saldo foi positivo, no sentido de que o Brasil se qualificou.
Acha que os esc�ndalos deixaram a sociedade mais proativa?
A sociedade vai se habituar a tra�ar a pr�pria agenda do poder p�blico. Veja o movimento de 16 de agosto que se afigura de um pacto pol�tico extraordin�rio. Porque a cidadania est� ativada, est� compreendendo que o Estado que quer�amos forte para nos proteger, se hipertrofiou para nos espoliar. � preciso menos estatalidade e mais sociedade. E a sociedade precisa passar a se incumbir de certas tarefas que hoje s�o do Estado e retirando at� aquela desculpa do Estado para cobrar mais e mais tributos. Acho que um novo modelo, um redesenho democr�tico, pode surgir dessa crise.
O senhor participaria de um pacto pela governabilidade?
Olha, n�o vou antecipar porque os jornais disseram que o presidente Michel Temer me convidou e n�o vou antecipar. Mas n�o houve esse convite. Os jornais disseram isso por causa da amizade que tenho com Temer. Prefaciei o �ltimo livro dele. Fui assistente dele na PUC, em 1981.
Se for chamado, aceitar�?
Prefiro n�o antecipar.
O que precisa para esse pacto?
As coisas est�o se encaminhando naturalmente para um grande pacto nacional.
Com a presidente no poder?
Com a presidente Dilma no poder ou sem. Esse pacto vir�.