
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos M�rio Velloso, 79 anos, tem convic��o de que hoje existe raz�o para o impeachment de Dilma Rousseff. “Fui dos primeiros a afirmar, quando se falava nesse tema, que n�o havia, at� ent�o, motivo, mas mudei o entendimento depois da decis�o do TCU de rejeitar as contas da presidente.” Nesta entrevista, Velloso falou tamb�m sobre a legitimidade do presidente da C�mara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conduzir o processo de afastamento da presidente Dilma. “Enquanto n�o se age contra ele, enquanto n�o se tomam as provid�ncias cab�veis legais, ele tem todo direito de estar exercendo as compet�ncias que a Constitui��o lhe confere”.
Como o senhor est�acompanhando a crise pol�tica, a partir deste debate sobre a judicializa��o das discuss�es?
Existe uma certa judicializa��o do processo pol�tico dada a omiss�o, muitas vezes, dos �rg�os pol�ticos. Muitas vezes, o Congresso se omite (e estamos assistindo a isso), ent�o o Judici�rio se adianta. O Supremo se adianta. No caso, por exemplo, do feto anenc�falo. � realmente uma decis�o que reflete o ativismo judicial. Agora, correto? Parece-me que sim. Especificamente sobre a sua pergunta: � requerido o impeachment, � pedido impeachment. O presidente da C�mara elaborou uma esp�cie de regimento, de rito; e foram ao STF. O Supremo entendeu que o rito est� na Lei 1.079. At� achei interessante, porque o rito ampliava o raio de defesa, o que criou o recurso para o plen�rio. Ent�o, at� estranhei que se recorresse de uma medida que amplia o raio da defesa. Mas o Supremo entendeu que h� de ser observado o rito e concedeu a medida liminar. No impeachment do Collor, o STF, por mais de uma vez, interveio no processo, nunca ex officio. Mas sim devidamente provocado por parlamentares.
V� alguma similaridade entre o caso Collor e o que est� em discuss�o no Congresso? Porque ali havia um crime. Pelo menos na CPI do caso Collor, percebeu-se que havia montagem de uma quadrilha para roubar dinheiro p�blico. E agora n�o est� configurado isso envolvendo a presidente Dilma. H� uma raz�o para o impeachment dela?
Fui um dos primeiros a dizer e a afirmar, quando se falava em impeachment, que n�o havia, at� ent�o, motivos para o impeachment.
E continua com essa opini�o?
N�o. Mudei meu entendimento tendo em vista a decis�o do Tribunal de Contas da Uni�o. O TCU reconheceu aquilo que foi apelidado de “pedalada” – aquelas opera��es que consistiam, em s�ntese, no fato de a Presid�ncia ter obrigado e submetido um banco estatal a pagar d�vidas do governo, o que � proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Ent�o, a partir daquele momento, penso que surgiu um motivo determinado para o impeachment.
H� quem diga que, por ter sido no mandato anterior, n�o seria o caso de impeachment. Mas que essas de 2015, sim. Porque seriam relativas a este exerc�cio. O fato de haver reelei��o, pode-se fazer essa distin��o, uma vez que ela n�o ficou nem um dia fora do cargo?
Penso que sim. Veja: a Constitui��o, no artigo 85, estabelece que o presidente da Rep�blica, na vig�ncia de seu mandato, n�o pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exerc�cio de suas fun��es. Isso no par�grafo 4. O artigo 85 estabelece a regra geral: s�o crimes de responsabilidade do presidente os atos que atentem contra a Constitui��o. Essa � a regra geral. E acrescenta o artigo 85: “e especialmente contra” – seguem-se os itens de 1 a 7 ou 8, se n�o me engano. E, no inciso sexto, est� estabelecido que especialmente contra crimes de responsabilidade. Os atos do presidente que atentem contra a Constitui��o e, especialmente, contra a Lei Or�ament�ria. A Lei de Responsabilidade Fiscal � uma lei que diz respeito ao or�amento. Voc� tem duas interpreta��es poss�veis. Ent�o, voc� tem que procurar aquela interpreta��o que seja mais condizente com a realidade social, com os valores fundamentais do sistema jur�dico e com os valores e princ�pios inscritos na pr�pria Constitui��o. Bom, a primeira regra: n�o pode perder o mandato se n�o estiver no exerc�cio dele, claro. Segundo: n�o pode responder por crime de responsabilidade por atos estranhos ao exerc�cio de suas fun��es. Ent�o, vejam: por atos praticados na vida privada, na vida social; que nada t�m a ver com o exerc�cio das fun��es da Presid�ncia. Esta quest�o foi muito bem examinada pelo professor Adilson Dallari, que � irm�o do professor Dalmo Dallari. O professor Dalmo Dallari tem opini�o divergente do professor Adilson.
A opini�o do Adilson Dallari lhe parece melhor?
Sim. Parece-me melhor, mais condizente com a realidade social. Ent�o, continuemos (ali�s, as observa��es que fa�o tamb�m s�o na linha do entendimento do professor Adilson Dallari). A Constitui��o exige que o ato sancion�vel, quer dizer, o ato que deve ser punido, tenha sido praticado por a��o ou omiss�o culposa no exerc�cio das fun��es de presidente. Na forma do artigo 14, par�grafo 5º da Constitui��o, o mandato � de quatro anos. Mas o presidente, em raz�o de uma emenda constitucional aprovada ainda no governo do presidente FHC, em 1997, pode ser reeleito por mais um per�odo subsequente. Ora, decorre da� (e este racioc�nio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson Dallari emitiu) que o presidente estar� no exerc�cio de suas fun��es por oito anos se reeleito. O presidente pode hoje ser reeleito por mais um per�odo subsequente. Este racioc�nio foi muito bem desenvolvido no parecer que o professor Adilson emitiu decorre da�, de que o presidente est� no exerc�cio de suas fun��es por oito anos se reeleito.
Ent�o...
Sim, � um ato praticado no exerc�cio das fun��es de presidente. O que a Constitui��o fala � no exerc�cio das fun��es pr�prias do presidente. Toda norma jur�dica comporta mais de uma interpreta��o poss�vel. Cabe ent�o ao int�rprete, desde que seja jurista, procurar realizar a melhor interpreta��o poss�vel, aquela mais condizente com a realidade social e os valores fundamentais do sistema jur�dico. Agora, coloco essa quest�o em mesa. Ser� que se torna impune, no mandato subsequente, o presidente que comete o crime de responsabilidade no mandato anterior? Isso atenta contra princ�pios constitucionais. E o que est� parecendo mais evidente. � o princ�pio constitucional da moralidade administrativa escrito no artigo 37 da Constitui��o. Essa � a minha opini�o e reconhe�o que h� opini�es contr�rias de bons juristas, por exemplo, as do Dalmo Dallari.
O governo argumenta que as pedaladas tamb�m ocorreram em outros governos.
O que est� na lei n�o � isso. E essa Lei de Responsabilidade Fiscal veio no momento em que as finan�as dos estados-membros estavam arrasadas e os governadores faziam isto: faltava dinheiro no caixa do Tesouro, eles avan�avam no caixa dos bancos estatais. Quebraram quase todos. O governo federal saneou e privatizou alguns, como o Banespa. Um ou outro conseguiu se salvar. A Lei nº 1.079, de 1950, artigo 10, inciso 9º, com a altera��o da Lei nº 1.028, de 2000: � crime de responsabilidade contra a lei or�ament�ria ordenar ou autorizar em desacordo com a lei a realiza��o de opera��o de cr�dito com qualquer um dos demais entes da Federa��o inclusive suas entidades da administra��o indireta ainda que na forma de nova��o, refinanciamento ou posterga��o de d�vida contra�da anteriormente. O que a lei estabelece que isso � crime. O fato de o governo pagar depois � a comprova��o de que houve o crime. O fato de esse crime ter isso praticado anteriormente e n�o ter sido punido n�o justifica. N�o descriminaliza o ato seguinte. At� posso dizer, com o devido respeito, que este � um argumento at� pueril: “Mas fulano fez e n�o foi punido”.
Mas dentro da l�gica do governo o argumento � de que houve dois pesos e duas medidas.
O governo devia ent�o processar a autoridade que anteriormente n�o agiu e que tinha de agir sob pena de praticar o crime de prevarica��o. E depois � o seguinte, n�o sei se voc�s viram a entrevista do representante do MP perante o Tribunal de Contas em que ele disse que o que houve foram pequenos cr�ditos, que foram obtidos e imediatamente saldados. Quer dizer, totalmente diferente de cr�dito de R$ 100 bilh�es, que parece que ainda n�o foram cobertos, e durante o ano eleitoral, isso que agrava.
Eduardo Cunha, que est� sob investiga��o e sofre processo de cassa��o, tem condi��es de presidir um processo dessa gravidade?
Bom, precisamos distinguir. O presidente Eduardo Cunha est� no exerc�cio da presid�ncia da C�mara na forma estabelecida na Lei. Ele, portanto, tem o pleno exerc�cio das compet�ncias que a lei e a Constitui��o conferem ao presidente da C�mara. O fato de ele estar sendo processado na pr�pria C�mara � realmente algo vergonhoso, at� para a institui��o. Por�m, enquanto n�o se age contra ele, enquanto n�o se tomam as provid�ncias cab�veis legais, ele tem todo direito de estar exercendo as compet�ncias que a Constitui��o lhe confere, e parece at� que a quest�o est� sendo bem-posta perante o Conselho de �tica.
J� viveu um momento t�o cr�tico no pa�s?
Vivemos um momento grav�ssimo, a economia derretendo, crise pol�tica, crise �tica, essa que � terr�vel. Altas autoridades sendo acusadas, investigadas, altas personalidades do partido que est�o no governo na cadeia, outras sendo processadas, sendo investigadas, realmente essa � uma situa��o muito dif�cil.