Bras�lia – O ga�cho Gilson Dipp, de 71 anos, � conhecido entre magistrados, investigadores e advogados como o criador das varas especializadas em julgar crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justi�a, ele tem o respeito e a admira��o de ju�zes como S�rgio Moro, respons�vel pelos processos da Opera��o Lava-Jato e a quem deu posse em Curitiba. Ao longo da vida profissional, Dipp atuou no STJ, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Conselho Nacional de Justi�a (CNJ), presidiu a comiss�o de reforma do C�digo de Processo Penal e foi coordenador da Comiss�o Nacional da Verdade at� setembro de 2012, quando, segundo as pr�prias palavras, “caiu doente” e passou seis meses seguidos internado num hospital da capital paulista. “Eu morri e voltei.”
Observador atento do atual cen�rio de crise no pa�s, Dipp conversou com o Correio Braziliense/Estado de Minas durante quase duas horas na tarde da �ltima sexta-feira num escrit�rio de advocacia no in�cio da Asa Sul, que passou a frequentar depois que se aposentou do STJ. “H� uma falta de compromisso do Congresso e do Executivo em executar o papel constitucional. Isso � uma deslegitima��o, v�rias quest�es n�o s�o de ordem constitucional e voc� v� o Supremo tendo de discutir uma crise imediata”, disse ele, que ainda assim acredita que a decis�o do ministro Edson Fachin de suspender a instala��o da comiss�o do impeachment foi prudente. A seguir, os principais trechos da entrevista em que Dipp fala sobre a atual crise pol�tica.
Como avalia o atual momento do pa�s?
N�o tem quem possa dizer que n�o v� com extrema preocupa��o. Estamos vivendo uma crise nos tr�s poderes. Legislativo, Executivo e desembocando no Judici�rio. H� uma falta de efetividade de compromisso do Congresso e do pr�prio Executivo em executar o papel constitucional. Volta e meia t�m de pedir ajuda ao Supremo. Isso � uma deslegitima��o, v�rias das quest�es hoje n�o s�o de ordem constitucional e muitas vezes voc� v� o Supremo tendo de discutir uma crise imediata, pol�tica e econ�mica ou de disputa de poder. E a� vem a judicializa��o da pol�tica. E o Supremo tem limites. O STF n�o pode avan�ar onde n�o houver uma afronta direta e efetiva a uma norma constitucional.
O Supremo j� n�o avan�ou?
O Judici�rio age por provoca��o. N�o � de agora, o STF vem legislando. Pelo que eu vi at� agora, a medida liminar dada pelo ministro Fachin foi prudente para o momento. H� uma crise palp�vel, havia uma discuss�o sobre legitimidade da forma��o da comiss�o que vai analisar o impeachment, o voto secreto... Tudo isso com os �nimos acirrad�ssimos, a decis�o foi prudente por suspender por uma semana para que o plen�rio examinasse o pedido.
Mas h� uma expectativa de que n�o termine na pr�xima semana...
O ministro Fachin j� disse que se n�o for examinado na quarta-feira, a liminar perde o efeito e volta a ocorrer tudo como antes. E assim � que tem de ser. O processo � do Legislativo, j� temos precedentes, como no caso do Collor.
N�o o preocupa que o ministro Fachin defina o rito?
Se isso ocorrer, o Supremo, como um �rg�o integrante dos tr�s poderes, est� se aproveitando da fraqueza do Congresso e legislando, sim. Mas isso se acontecer.
Estar� extrapolando?
Ele pode dizer que a Constitui��o est� ferida gravemente em determinado dispositivo. Agora, se recomendar o rito processual do julgamento do impeachment, que � jur�dico, mas principalmente pol�tico, estaria extrapolando. E isso n�o � bom para o Congresso nem para o Supremo nem para o Brasil.
Eduardo Cunha tem legitimidade para comandar o processo?
Ningu�m conhece melhor o regimento interno hoje do que o Eduardo Cunha. Essa vantagem ele tem sobre os seus pares. Ali�s, tr�s pessoas tiveram atua��o destacada no Congresso porque conheciam o regimento interno. Nelson Jobim, Jos� Genoino e Eduardo Cunha. Claro que os fatos noticiados que pesam contra ele s�o graves. Agora, ele est� no exerc�cio da presid�ncia da C�mara. N�o � o Eduardo Cunha, � o presidente da C�mara. � a pessoa que est� exercendo a fun��o. E, enquanto ele n�o for destitu�do, ele tem legitimidade jur�dica. A legitimidade moral � question�vel.
H� avalia��es de que ele est� usando o cargo para travar o processo contra ele.
O Congresso � feito de lideran�as. Se o parlamentar “x” tem no seu �mbito de atua��o um n�mero de parlamentares que o apoiam, isso � tamb�m lideran�a. Pode questionar a �tica, mas o Congresso � um s�. Se h� manobras regimentais – e podem ter – decorrem tamb�m da inoper�ncia daqueles que n�o conhecem o regimento. Ou n�o procuram conhecer ou n�o procuram agir. Quem o apoia s�o deputados tamb�m. N�o � gente de fora, � gente do Congresso. A legitimidade � da fun��o, e a fun��o simplesmente foi um ju�zo de admissibilidade, que � meramente formal. Quem assinou pode assinar. Ele n�o est� processado, os argumentos podem ser plaus�veis. S� isso, isso � o ju�zo do presidente da C�mara agora. � claro que temos um presidente da C�mara desgastado, mas isso n�o tira a legitimidade.
D� pra intuir que, na base governista, os parlamentares n�o confrontam Eduardo Cunha?
As a��es que se v� no jornal, chamadas de manobras regimentais, continuam vigorando. Acho que h�, vamos dizer, uma incompet�ncia dos seus opositores em resolver. N�o consigo ver de outra maneira. Ele n�o � rei, � o presidente da C�mara, podendo ser destitu�do. O problema est� numa composi��o em que o Congresso, a C�mara n�o t�m lideran�as, for�as para implementar pol�ticas p�blicas na sua jurisdi��o. Est� faltando lideran�a, compet�ncia para destitu�-lo.
Por interesse, talvez?
Interesse tem, interesse pol�ticos, partid�rios de ambas as partes.
Como o senhor v� o governo Dilma?
A base de sustenta��o pol�tico-partid�ria da presidente � muito ruim. E isso se explica por esse tipo de presidencialismo de troca de favores. H� 39 minist�rios, e acho que a presidente n�o falou nem com a metade pessoalmente. A base de sustenta��o, al�m da composi��o partid�ria, � vulner�vel. N�o s� politicamente, mas como o que foi apurado na Opera��o Lava-jato, em que 95% s�o ligados politicamente, s�o aliados ao governo. Qual � a base de sustenta��o do governo? N�o � PT, PMDB, PP? Ent�o, a presidente tem uma base ruim, que est�, em tese, comprometida com acontecimentos que abalam a opini�o p�blica. Isso a enfraquece muito.
O que isso significa do ponto de vista pr�tico?
A presidente � uma pessoa s�ria, competente, n�o teve lideran�a pol�tica por enquanto, e isso n�o � dem�rito para ningu�m, porque lideran�a n�o � uma coisa que se conquista, � quase uma coisa nata. Ela n�o teve lideran�a sobre o seu governo e sua base parlamentar de apoio. A gente sabe que, num momento em que fosse poss�vel que a presidente pudesse dar uma orienta��o sua, pessoal, no mandato, ela poderia levar seu mandato com certa tranquilidade. Mas ela est� envolta numa base de sustenta��o que a impede de governar. Como ela gostaria, acho que ela n�o tem como escapar de uma base que a sustenta, mas ela n�o detenha, n�o controle.
O melhor seria uma ren�ncia?
Veja bem, a crise pol�tica por si s� n�o � motivo para afastar. Tivemos governantes ineptos em determinados per�odos, e a crise pol�tica n�o � um elemento por si s� para fazer com que ela se afaste. As dificuldades v�o ocorrer com ou sem impeachment. O Brasil est� fadado nos pr�ximos anos a ter uma situa��o como essa, talvez um pouquinho melhor, pois os �nimos est�o muito acirrados. Acho que est� faltando sim legitima��o pol�tica para governar. O que n�o quer dizer que n�o haja legitima��o constitucional e legal. Isso est� prejudicando o Brasil, o pa�s parou. As for�as econ�micas e sociais est�o desgastadas. Os pr�prios movimentos sociais, de sustenta��o, em tese, de governo fazem uma sustenta��o parcial porque s�o contra a pol�tica social que est� sendo implantada. Ent�o � em situa��o dr�stica. N�o posso dizer que a ren�ncia resolveria. Seria injusto dizer isso, nem que o afastamento dela resolvesse todo e qualquer problema. Mas que a situa��o � grave, e que n�o est� havendo compet�ncia, discernimento, do Executivo e do Congresso em pelo menos ter o m�nimo de composi��o para que fa�a o governo funcionar, desencadeia uma crise que j� est� e vai ser maior.
Qual o peso que o senhor atribui � sociedade brasileira nesse imbr�glio pol�tico? Manifesta��es contr�rias ou a favor podem interferir no processo?
Sempre. A manifesta��o das ruas, popular, dos cidad�os, dos segmentos sociais, das organiza��es n�o governamentais influem decisivamente. E a C�mara e o Senado s�o compostos de representantes do povo, dependem do voto. Suas atitudes est�o sob o crivo da cr�tica da popula��o.
� por isso que o governo tem pressa em resolver?
Sinceramente, n�o sei o que � melhor ou pior para o governo. N�o sei se o governo realmente quer isso. Porque pior do que hoje n�o vai dar. E melhor tamb�m eu n�o acredito. Essa crise vai se prolongar por algum tempo. Isso vem ainda do rescaldo do resultado das elei��es, porque a presidente fez uma campanha cujo programa ela n�o p�de cumprir, ou descumpriu, posteriormente, mas que foi legitimado pelo voto da maioria.
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