Para o professor do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da UFMG, Carlos Ranulfo, a vota��o de ontem simbolizou o fim do governo Dilma. "Foi um jogo de cartas marcadas. Alguns votos foram pat�ticos, principalmente aqueles que pediam o fim da corrup��o. N�o se debateu se houve crime ou nome da presidente. � um afastamento pol�tico. Hoje (ontem) seu governo termina de acabar", disse. De acordo com o cientista pol�tico, a oposi��o come�ou a tramar a derrubada de Dilma Rousseff logo ap�s as elei��es de 2014. "O PSDB, por exemplo, n�o reconheceu sua derrota e, numa democracia, a regra � b�sica, quem perde espera as pr�ximas elei��es. No final, encontraram as pedaladas fiscais, o que � um argumento pat�tico para dar base ao pedido de impeachment. O fato de A�cio Neves ter tramado pela interrup��o do mandato da presidente � uma atitude golpista", afirmou.
O respeito ao calend�rio eleitoral foi violado na vis�o tamb�m do professor do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da USP, Fernando Limongi. Para ele, o processo de impeachment conduzido pelo presidente da C�mara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acabou por criar na pol�tica brasileira o que ele chama de "crime de responsabilidade pol�tica".
"Em uma democracia, ganhadores e perdedores concordam em respeitar o calend�rio eleitoral. � essa certeza que permite que o horizonte temporal do conflito se alargue, que n�o sejam vistos como tudo ou nada. Interromper um mandato � amea�ar esse equil�brio, � retirar dos futuros ganhadores das disputas eleitorais a certeza que exercer�o os mandatos obtidos nas urnas. O acordo fundamental que sustenta a democracia foi abalado. Quem perde n�o precisa mais esperar sua vez, uma nova chance nas urnas. Criou-se uma nova figura: o impedimento por ‘crime de responsabilidade pol�tica’. Resta saber como esse novo instituto ser� usado no futuro. O precedente n�o � bom", prev�.
Com o resultado de ontem, a presidente agora ter� de enfrentar o escrut�nio do Senado. At� l�, Dilma dever� governar o Pa�s com a mesma fragilidade parlamentar, podendo, segundo o professor Marco Aur�lio Nogueira, seguir dois caminhos. "Um deles � apelar no Supremo, alegando que ela n�o foi respeitada na C�mara porque n�o havia crime de responsabilidade. O outro � em dire��o aos movimentos sociais. Ela poder� jogar menos lenha ou mais lenha numa fogueira que j� est� queimando", diz o professor de teoria pol�tica da Unesp.
Lava-Jato
Em caso de um eventual governo Temer, o futuro da Opera��o Lava Jato pode estar amea�ado pelo silenciamento a ser imposto �s investiga��es por for�as aliadas ao vice-presidente, na opini�o de Ranulfo. "Com certeza, vai haver uma tentativa de silenciar a Lava Jato sob o patroc�nio de Temer. O PMDB � um dos partidos mais envolvidos na opera��o", afirma o professor titular da UFMG.
O peemedebista pode ainda ser implicado nas investiga��es da for�a-tarefa da opera��o, na percep��o do professor Oswaldo Amaral, da Unicamp. "A Lava Jato pode envolver o Temer. N�o podemos esquecer que Cunha � r�u. E a�, como fica um futuro governo envolvido em suspeitas de corrup��o?", diz.
"H� a ideia de que o impeachment sai na urina", compara o cientista pol�tico Carlos Melo. "O impeachment de Collor, por condi��es muito espec�ficas, unificou o Pa�s, mas Collor n�o tinha express�o pol�tica para al�m dele mesmo, enquanto Dilma significa PT, Lula e um enraizamento social profundo, de capilaridade nacional, embora minorit�rio hoje. N�o vai ser um passeio."
Ele amplia a an�lise para a qualidade das nossas institui��es: "Existe o senso comum, meio tolo, de que nossas institui��es estejam funcionando, mas, se assim fosse, n�o estar�amos nessa situa��o". Melo insiste em diferenciar legitimidade de credibilidade, algo de que protagonistas como Eduardo Cunha e mesmo Michel Temer carecem. "Quem garante no final das contas � o Supremo, por�m quando uma parte da popula��o � capaz de escalar o nome dos 11 ju�zes da Suprema Corte e n�o sabe o nome dos 11 jogadores da sele��o, � porque temos um baita problema na pol�tica, no futebol e na Justi�a. Juiz do Supremo n�o � para ser conhecido. � preciso reconstruir tudo isso, mas como faz�-lo se n�o est� no script mudar os pilares do sistema pol�tico brasileiro?"
Para o ex-ministro da Educa��o e fil�sofo Renato Janine, o Pa�s mergulha, assim, numa "hipocrisia raras vezes vista". "O que � mais grave no epis�dio � que Dilma est� sendo afastada devido � crise econ�mica, mas inventou-se que seria por corrup��o e crimes que ela n�o cometeu. O Brasil assim mergulha num n�vel de hipocrisia raras vezes visto. Quem � honesta vira criminosa, quem � corrupto vira homem de Deus. O Brasil j� viveu de muita mentira, como a ‘democracia racial’ mascarando o racismo. Vai demorar para sairmos dessa nova mentira �tica e pol�tica", declarou.
Otimismo
Para o historiador Carlos Guilherme Mota, a vota��o mostrou um Brasil profundo, com evoca��es � fam�lia e a Deus. "Um Brasil pitoresco", resume ele. Ao mesmo tempo, continua, a vota��o revelou que o Pa�s n�o est� t�o dividido. "Esteve depois das elei��es, mas isso foi uma farsa ligada � cultura do marketing e do consumismo irrespons�vel. Ag�amos como se estiv�ssemos em Las Vegas." Ele reconhece um envelhecimento de lideran�as tradicionais, mas destaca que a popula��o percebeu que a responsabilidade fiscal chegou aos bolsos de cada um. "Desponta uma nova sociedade civil saindo das brumas criadas pelo neopopulismo lulopetista."