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Estado de Minas

'Impeachment n�o encerra crise', diz cientista pol�tico

Para o pesquisador argentino, o novo governo n�o vai ter legitimidade eleitoral, porque n�o foi eleito, a economia vai seguir em crise e os esc�ndalos v�o seguir existindo


postado em 09/05/2016 09:07 / atualizado em 09/05/2016 09:52

Autor do livro "Presidential impeachment and the new political instability in America Latina" (Cambridge University Press, 2007), o cientista pol�tico An�bal P�rez-Li�an v� risco de o processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff desencadear um efeito domin� em todas as esferas de governo no Pa�s. Para o professor da Universidade de Pittsburgh, o uso das pedaladas fiscais como argumento para o impedimento fragiliza as administra��es praticantes de expedientes cont�beis. O pesquisador argentino acredita ainda que o pedido da oposi��o acabar� por favorecer o pr�prio PT, que se render� ao vitimismo, caso a presidente seja afastada.

Do pacote desestabilizador de governos, qual elemento � mais preponderante no caso da presidente Dilma?

� um fator sobre o qual Dilma Rousseff n�o tem nenhum controle: os pre�os das mat�rias-primas internacionais. A desacelera��o dos mercados chineses e demais levou as economias da Am�rica Latina a entrar em recess�o. Essa crise � econ�mica, que ativa o descontentamento popular, que ativa a destrui��o da coaliz�o do governo.

O fato de ter havido manifesta��o a favor do governo difere o caso brasileiro dos demais da Am�rica Latina?

Sim, o caso de Dilma � diferente, por exemplo, dos de Fernando Collor, em que n�o houve mobiliza��o a favor dele, e de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012. Dilma tem, talvez, setores mais comprometidos a defend�-la nas ruas. Mas a realidade � que esses setores s�o comparativamente pequenos em compara��o aos que se mobilizaram contra ela e com a grande parte da popula��o que n�o est� disposta a se mobilizar. Como os sinais que ela recebe do Congresso, das ruas e das pesquisas de opini�o s�o negativos, isso facilita a dissolu��o da coaliz�o.

Qual � a melhor forma de emendar o presidencialismo de coaliz�o?


A �nica forma de governar o Brasil � por coaliz�o, pelo volume de partidos que h�. O que est� esgotado � o modelo para formar as coaliz�es. At� hoje, as coaliz�es foram formadas a partir do crit�rio distributivo, em que seus membros recebem postos nos gabinetes, or�amentos, em troca de respaldo ao governo. Isso funciona quando a economia vai bem, mas quando h� crise se rompe com facilidade. Para que funcione no futuro, ser� preciso que a coaliz�o fa�a um acordo pr�vio sobre o tipo de governo a ser implantado. Os partidos que formam coaliz�es no Brasil n�o t�m grandes prioridades sobre pol�ticas de governo, mas sobre pol�ticas de benef�cios pr�prios.

O caso brasileiro se encaixa na tese de que h� um elemento parlamentarista no impeachment de Dilma?

O impeachment sempre tem um componente pol�tico. Isso leva alguns observadores a pensar que o impeachment pode funcionar como o voto de censura em um sistema parlamentar: se a presidente perde a maioria no Congresso, simplesmente � removida pela nova maioria e substitu�da por um novo chefe de governo. O problema com essa leitura � que o impeachment tamb�m tem um componente jur�dico. � preciso demonstrar que o presidente cometeu um crime de responsabilidade para que a acusa��o seja v�lida. O voto de censura � um procedimento normal no sistema parlamentar. O impeachment � um procedimento extraordin�rio no sistema presidencial, e � traum�tico para o pa�s. Quando um primeiro-ministro perde um voto de confian�a, sai do governo para se apresentar na pr�xima elei��o. Quando um presidente sofre um impeachment, geralmente sai do governo para ir � pris�o ou ao ex�lio.

Como situar o processo brasileiro no contexto dos hist�ricos recentes de afastamentos na Am�rica Latina?

O caso brasileiro atual faz parte de uma onda de impeachments que se iniciou nos anos 1990 com o ex-presidente Fernando Collor. As elites pol�ticas buscam mecanismos civis e mais ou menos legais para destituir presidentes quando n�o eles s�o populares. Boa parte dos soci�logos e cientistas pol�ticos dizia que os afastamentos s� afetavam os presidentes neoliberais, mas descobriram depois que afetam qualquer tipo de pol�tico de qualquer ideologia. Isso foi uma surpresa, que come�ou com o julgamento de Lugo, mas a surpresa � ainda maior no caso de Dilma Rousseff porque boa parte da classe m�dia se mobilizou a favor do impeachment. Essa nova realidade confunde muito os acad�micos e os coloca em uma situa��o inc�moda. No passado, celebraram a queda dos presidentes como uma revolta popular contra o neoliberalismo, mas hoje em dia desconfiam dos protestos e condenam o impeachment como uma forma de golpe. O que ocorreu � que, na primeira d�cada do s�culo 21, a economia foi t�o pr�spera que os presidentes pareciam muito seguros. Hoje em dia, esse momento n�o existe mais e muitos presidentes est�o fr�geis novamente.

Qual o impacto de mais uma destitui��o na Am�rica Latina para a esquerda no Brasil e na regi�o?

A impress�o geral � de que esse processo pol�tico representa um golpe muito duro para a esquerda no Brasil e na Am�rica Latina. Na regi�o, creio que o maior impacto ser� na Venezuela. Seu governo, de algum modo no �mbito regional, esteve protegido pelo Brasil. A sa�da do PT do poder enviaria um sinal de que Venezuela poderia estar mais ilhada no futuro e ter menos respaldo na regi�o. Talvez essa crise pol�tica seja uma oportunidade para a esquerda no Brasil. O PT ficou muitos anos no poder, parte dele durante um per�odo de prosperidade para toda Am�rica Latina. Minha impress�o � a de que a tentativa de destituir Dilma � um grande erro da oposi��o porque ela bate no governo justamente quando a economia est� em crise. O novo governo n�o vai ter legitimidade eleitoral porque n�o foi eleito, a economia vai seguir em crise, os esc�ndalos v�o seguir existindo e afetando parte do novo governo, o que significa que a opini�o p�blica vai seguir revoltada. Por outra parte, o PT vai passar � oposi��o reclamando ser uma v�tima da direita. Ent�o, no momento em que o PT deveria se fazer respons�vel pelos erros, na realidade, se permite que o partido passe a ser uma v�tima. Talvez a oposi��o esteja salvando o futuro do PT.

Qual o saldo dessa destitui��o para a jovem democracia do Pa�s?


Existe um certo debate sobre isso e as principais vozes sustentam uma vis�o otimista do impeachment, dizendo que ele n�o cria uma debilidade na democracia e nem instabilidade a longo prazo. Minha leitura � menos otimista. Creio que quando o impeachment se justifica exclusivamente em um crime cometido pelo presidente, ent�o o impeachment fortalece a democracia porque mostra que o Congresso pode controlar o Executivo e que n�o h� impunidade. Mas por outro lado, quando impeachment � simplesmente um ato simb�lico do Congresso para sacrificar o presidente, em conson�ncia com a opini�o p�blica, porque o presidente � impopular, ent�o creio que nesses casos o impeachment abre um ciclo de instabilidade que n�o termina com a sa�da do presidente.

Podemos comparar esse novo ciclo que se avizinha no Brasil com alguma outra democracia latino-americana?

� que h� no Equador, na qual o julgamento pol�tico se tornou uma pr�tica constante entre 1996 e 2007. Durante dez anos, por causa de governo impopular, as pessoas iam para as ruas e o Congresso destitu�a o presidente. O julgamento pol�tico quase se iguala a um voto de censura. Utilizar apenas uma desculpa legal, sem fundamento jur�dico s�lido, pode criar um ciclo de instabilidade no Brasil. Em 1997, o presidente equatoriano Abdal� Bucaram foi destitu�do pelo Congresso sob acusa��o de que estava “mentalmente incapacitado” para governar, ou seja, louco. Isso ocorreu em meio a protestos massivos contra o governo. Na d�cada seguinte, nenhum presidente eleito p�de completar seu mandato: Jamil Mahuad foi deposto em 2000 por um golpe civil-militar, e Lucio Guti�rrez (o l�der do golpe) foi, por sua vez, deposto pelo Congresso em 2005. Somente a chegada de Rafael Correa, e sua enorme concentra��o de poder, conseguiu frear a instabilidade.

O Brasil pode se "equadorizar"?


Vai depender de dois fatores: primeiro, da situa��o econ�mica, se vai melhorar ou piorar, porque isso determina se as pessoas est�o revoltadas ou n�o com os pol�ticos. O segundo fator � a capacidade de a classe pol�tica refletir sobre o que est� ocorrendo, aprender da crise atual. Do contr�rio, o risco � certo. Um dos problemas cruciais desse processo de Dilma foi o uso das pedaladas como argumento. Nenhum Executivo no Brasil agora est� seguro, pois todos est�o expostos a acusa��es desse tipo. Ent�o, por escolher uma situa��o de curto prazo, o Congresso abriu uma caixa de Pandora.


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